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quarta-feira, 29 de maio de 2013

Independe de prazo certo a extinção de usufruto pelo não uso de imóvel


STJ - 28/5/2013
 
A extinção do usufruto pelo não uso de imóvel pode ocorrer independentemente de prazo certo, sempre que, diante das circunstâncias, se verificar o não atendimento dos fins sociais da propriedade.

A decisão é da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que negou provimento a recurso especial interposto por uma usufrutuária de imóvel em Minas Gerais que sofria uma ação de extinção de usufruto movida pela proprietária. Esta alegava que a usufrutuária não estava utilizando o bem sobre o qual tinha direito.

O usufruto é “o direito real em que o proprietário – permanecendo com a posse indireta e com o poder de disposição – transfere a um terceiro as faculdades de usar determinado bem e de retirar-lhe os frutos”. No entanto, em decorrência do não uso do bem, o direito real do usufrutuário torna-se extinto, conforme dispõe artigo 1.410, VIII, do Código Civil (CC).

Extinção do usufruto

O recurso é contra decisão do tribunal de justiça mineiro, que deu provimento à apelação da proprietária do imóvel para extinguir o usufruto. Os desembargadores consideraram que as provas integrantes do processo revelam que a usufrutuária não usava o imóvel há mais de uma década. “Extingue-se o usufruto pelo não uso da coisa pelo prazo de 10 anos”, estabeleceu o acórdão.

A ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, destacou que o artigo 1.228, parágrafo 1º, do CC estabelece que a usufrutuária tem a obrigação de exercer seu direito em consonância com as finalidades social e econômica a que se destina a propriedade. Para assegurar que seja cumprida essa função, o Código Civil de 2002 instituiu o não uso da coisa como causa extintiva do usufruto.

Prazo

A relatora observa que o legislador não estipulou o prazo mínimo a ser observado para a hipótese discutida no recurso, ou seja, o não uso do bem. Contudo, apontou que a doutrina tem se inclinado pela aplicação do prazo de dez anos, baseada na regra geral de prescrição do artigo 205 do Código Civil ou empregando, por analogia, o prazo previsto para extinção de servidões pelo mesmo motivo. Essa posição foi adotada no acórdão recorrido.

No entanto, segundo Nancy Andrighi, não é possível admitir que sejam aplicados prazos prescricionais, devido a dois pontos cruciais. Primeiro porque a norma do Código Civil de 1916, que previa a extinção do usufruto pela prescrição, não foi reeditada pelo Código atual, encontrando-se, portanto, revogada. Segundo porque o usufruto – direito real – não prescreve. A relatora entende que “a ausência de prazo específico, nesse contexto, deve ser interpretada como opção deliberada do legislador, e não como lacuna da lei”.

terça-feira, 28 de maio de 2013

Cada contrato tem uma função social

Por Kleber Luiz Zanchim| Valor Econômico
É um alívio que, aparentemente, a “era dos princípios” no direito privado esteja chegando ao fim. Desde o início da vigência do Código Civil de 2002, milhares de obras, debates, decisões judiciais e conversas de bar abordaram três figuras que ganharam ares de uma revolução na teoria contratual brasileira: boa-fé, equilíbrio e função social dos contratos. Passados pouco mais de dez anos, a maioria dos operadores do direito já se mostra cansada desse assunto, principalmente porque, até hoje, os princípios continuam com conteúdo pouco definido.
O momento é bom, portanto, para dizer o que antes soaria terrível, mas agora faz sentido: as referências principiológicas são menos relevantes do que muitos pensavam, com destaque para a função social, talvez a mais frágil.
O artigo 421 do Código Civil prescreve que a liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato. De uma frase tão curta surgiram discussões longuíssimas que, na prática, criaram grande confusão sobre o sentido da norma. Alguns buscaram sua inspiração na função social da propriedade, outros na dignidade da pessoa humana, outros na ideia de solidariedade. Em todos os casos, verifica-se a miopia que não vê o quanto os contratos diferem entre si. Como o mandato poderia ter a mesma função social da compra e venda, do seguro, do leasing? Isso só para ficar naqueles que, legal ou socialmente, são tipificados. Imagine-se quando são acrescentados os negócios atípicos nessa ponderação. É absolutamente irracional sustentar que todos tenham a mesma função social.

Cada contrato revela uma função social particular. É o que diz o artigo 421 citado acima: “função social do contrato”. O contratante deve observar os limites da avença que celebrará, e não os de todas as existentes no mundo. Defender o contrário quase aniquilaria a liberdade de contratar. Um contrato destinado a outorgar poderes (mandato) não pode ter a mesma função de outro orientado à circulação de bens (compra e venda), ou daquele celebrado para garantia contra risco determinado (seguro) ou, ainda, do firmado para financiamento da aquisição de uma mercadoria (leasing). O raciocínio sequer depende do conceito atribuído à função social. É intuitivo que negócios jurídicos diferentes terão funções diferentes.
Tal fato poderia ter sido percebido por quem busca a base desse princípio contratual na função social da propriedade. A propriedade imobiliária, mais procedimental e menos líquida, jamais teria a mesma função da mobiliária, mais fluida e flexível, e muito menos da imaterial, etérea, imponderável. O objeto da propriedade altera profundamente as dimensões, as defesas e o valor do próprio direito, assim como ocorre com cada espécie contratual e, portanto, com a função social de cada contrato.
Também quem vai à dignidade da pessoa humana teria condição de compreender a multiplicidade de funções sociais existentes. Há avenças que estão anos luz de distância de qualquer reflexão transcendental sobre o que é ou não digno para o homem, caso de um contrato de hedge, por exemplo. Como compará-lo a contratos de plano de saúde? Inviável. Logo, mesmo pretendendo-se buscar na Constituição Federal o fundamento para um reles princípio contratual, a conclusão deveria ser de que os contratos têm funções sociais diferentes.
Por fim, aos que relacionam função social do contrato a uma ideia de solidariedade é preciso dizer que, apesar de terem se perdido no caminho, poderiam ter notado um princípio multifacetado. É ilusão imaginar que as pessoas, quando contratam, solidarizam-se com suas contrapartes. Contrato é um instrumento econômico e quem o celebra deseja atender interesse próprio, e não de outrem. Porém, mesmo que se admita tal mote solidário, cada ambiente negocial o apresentaria de forma distinta, sendo ilógico igualar, por exemplo, contratos entre grandes empresas para um projeto de infraestrutura à compra e venda de um carro entre duas pessoas naturais.
Mas se não existe um conceito unitário de função social, como caracterizá-la? Já que cada contrato tem a sua, não há alternativa senão entender que corresponde à utilidade concreta da avença, ou seja, ao “para que” ela serve. Assim, a função social de um contrato deixa de ser atendida quando ele se torna inútil ou quando o seu propósito, estabelecido por lei ou pelas partes, é desvirtuado ou frustrado por ação dos contratantes ou por fatores externos. A análise é casuística e depende do programa contratual estruturado desde a formação do negócio. Não cabe, pois, generalizar um conceito ou configurá-lo como dogma abstrato.
Vale lembrar que, independentemente de qualquer definição, está-se diante de um simples princípio jurídico, e não da cura para os males do planeta. A função social não torna os contratos mais importantes do que foram no passado. Não representa ferramenta para maior intervenção judicial na vida contratual. Não merece mais atenção que qualquer outra figura jurídica. Por isso, ao cabo da “era dos princípios”, deixemo-la repousar em paz na singeleza de suas referências na lei civil.
Kleber Luiz Zanchim é doutor pela Faculdade de direito da USP e sócio do SABZ Advogados.

A Convenção sobre Venda Internacional

Por Daniel Gruenbaum - valor econômico de 28.5.2013

A Convenção das Nações Unidas sobre Venda Internacional de Mercadorias, conhecida como "CISG", foi aprovada pelo Congresso Nacional (Dec. Leg. nº 538/2012) e, em março, o Brasil manifestou no plano internacional o desejo de se vincular àconvenção. Espera-se que em breve ela seja promulgada pela presidente da República e publicada no Diário Oficial. Com isso, a convenção entrará em vigor abril de 2014 (art. 99 (2) CISG), passando a reger os contratos celebrados a partir dessa data (art. 100(2) CISG).

Nessa reta final do processo de internalização, ao mesmo tempo em que com razão se celebra a iniciativa de inserir o Brasil no grupo de quase 80 Estados-parte da Convenção, responsáveis por cerca 2/3 do comércio internacional, deve-se olhar com atenção para a tradução de seu texto. A versão em português em uso no processo legislativo contém algumas inconsistências e imprecisões se comparada com versões nas línguas oficiais, especialmente em inglês e francês. Essa versão em português foi possivelmente inspirada em louváveis traduções livres feitas dentro do que agora se mostra um bem sucedido esforço de divulgação da Convenção no Brasil. Ou seja, traduções feitas em outro contexto e para outra finalidade. O texto merece, agora, ajustes para que ganhe a precisão necessária a uma versão oficial em português.

Alguns exemplos ilustram a necessidade de ajustes formais no texto antes de sua promulgação e publicação. O art. 2 (b) exclui do âmbito da Convenção as vendas realizadas por leilão ("by auction", "aux enchères"), a versão em português se refere, porém, à "hasta pública". Da mesma forma, o art. 12 se refere ao "término [do contrato] por mútuo acordo das partes" ("termination by agreement", "résiliation amiable"); a versão em português se refere, porém, à "rescisão do contrato", um termo reservado pela convenção (e pelo resto da própria tradução) para término unilateral do contrato por uma das partes em razão de grave descumprimento contratual ("avoidance", "résolution").

Já o art. 39 (2) prevê que o termo inicial do prazo máximo de dois anos para o comprador alegar a desconformidade é o momento em que as mercadorias tiverem sido "entregues ao comprador" ("handed over to the buyer", "lui ont été effectivement remises"); a versão em português se refere, porém, à data em que as mercadorias "passarem à sua posse". A mesma referência à posse surge no art. 60 (b) ("taking over", "retirer"). Ocorre que a convenção teve o cuidado de não seguir uma redação com coloração nacional e evitou, conscientemente, empregar institutos típicos desse ou daquele sistema jurídico, como certamente é a posse no direito brasileiro. Essa mesma preocupação levou a Convenção a evitar o termo "ação" - usado pela tradução (p. ex. art. 45(2), 46(1)), 61(2), 62) - para descrever os "direitos" ("remedies", "droits") do comprador e vendedor em caso de inadimplemento.

Em diversos momentos a tradução emprega a mesma palavra, quando a convenção claramente optou por dois termos distintos. Por exemplo, emprega-se a mesma palavra prejuízo para traduzir tanto o "detrimento" ("detriment", "préjudice") referido no art. 25, quanto o "prejuízo" ("loss", "perte") referido no art. 74. Da mesma forma, emprega-se a mesma palavra evidente para traduzir tanto o "se tornar aparente" ("it becomes apparent", "lorsqu'il apparaît") referido no art. 71, quanto o for manifesto ("it is clear", "il est manifeste") referido no art. 72, como se a convenção não tivesse adotado níveis distintos de previsibilidade em cada dispositivo. Em outros momentos, a tradução usa palavras diferentes quando a convenção se valeu de um mesmo termo. Por exemplo, a tradução se refere ora a estabelecimento (art. 1, caput), ora a estabelecimento comercial (art. 1(2), 10, 12, 24 etc.), quando a convenção se refere sempre a estabelecimento ("place of business", "établissement"), sem qualquer qualificação - empresarial, comercial, industrial.

Como reconhecem doutrina e jurisprudência especializadas, a interpretação da CISG deve, em caso de dúvida, ser baseada nas versões autênticas do texto - árabe, chinês, espanhol, inglês, francês e russo -, preferencialmente em inglês, língua em que o anteprojeto foi elaborado e as negociações, essencialmente conduzidas. Mas uma tradução precisa para o português é indispensável para que não se crie um obstáculo adicional à aplicação autônoma e uniforme exigida pela própria Convenção (art. 7(1) CISG).

 Em seu diálogo com Romeu no jardim dos Capuletos, Julieta pergunta o que há em um nome e conclui que, chamada por qualquer outro, a rosa teria o mesmo cheiro (ato II, cena II, l. 45-46). A lição, certa para tantas coisas da vida, não vale para a tradução de convenções internacionais. A CISG não é uma rosa.
Daniel Gruenbaum é advogado, doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP), professor visitante no programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

Venda de ascendente para descendente: decisão do TJMG afirma que não é possível a constatação de qualquer prejuízo se o bem saiu da metade disponível do doador

Fonte | TJMG, Apelação Cível 1.0344.01.001370-6/001  - Segunda Feira, 27 de Maio de 2013

Os ascendentes podem dispor de 50% dos seus bens como quiserem, portanto, dentro desse limite, podem vender imóveis para seus descendentes sem, necessariamente, pedir a anuência dos outros filhos. Essa foi a decisão da 17ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG).

Insatisfeito com a venda de um terreno rural realizada por seu pai a um de seus irmãos, S.S. recorreu à Justiça pedindo a anulação da escritura em nome do novo proprietário, pois a venda teria sido realizada sem o consentimento dos demais herdeiros. S.S. alegou ainda que seu irmão teria lesado o pai pagando-lhe um valor muito abaixo do valor real do imóvel.
 
O comprador, S.O., alega que não houve fraude com o objetivo de lesar os demais herdeiros, já que a terra foi oferecida a outras pessoas e ninguém teve interesse em adquiri-la. Afirma ainda que a venda se deu por vontade expressa de seu pai e de sua mãe e que ele foi o único filho que cuidou da saúde dos pais até a morte deles, assumindo inclusive as suas dívidas.
 
O juiz da comarca de Iturama, Triângulo Mineiro, acatou o pedido e decidiu pela anulação da venda realizada pelo pai ao filho.

S.O. recorreu da decisão, e o relator do recurso, Leite Praça, reformou a sentença. O desembargador entendeu que a venda poderia ser anulada se fosse demonstrado o efetivo prejuízo aos demais descendentes. "No presente caso, entendo que inexiste qualquer prejuízo. Ora, se a venda ocorreu com bem pertencente à metade disponível do ascendente, não há que se falar em prejuízo aos demais herdeiros”, declarou. E, quanto à alegação de que o pai teria sofrido prejuízo com o valor da transação, Leite Praça afirma que “a venda se deu por valor razoável ao de mercado, não estando caracterizado, portanto, o preço vil”.

 Os desembargadores Evandro Lopes da Costa Teixeira e Eduardo Mariné da Cunha votaram de acordo com o relator.

segunda-feira, 27 de maio de 2013

STJ amplia o conceito de entidade familiar para proteção de bem de família

Posted: 27 May 2013 04:52 AM PDT
Fonte: Coordenadoria de Editoria e Imprensa do STJ
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou possível que a impenhorabilidade do bem de família atinja simultaneamente dois imóveis do devedor – aquele onde ele mora com sua esposa e outro no qual vivem as filhas, nascidas de relação extraconjugal.

O recurso julgado foi interposto pelo Ministério Público de Minas Gerais contra decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), que, por maioria, decidiu que a garantia legal da impenhorabilidade só poderia recair sobre um único imóvel, onde o devedor residisse com sua família.

Dois imóveis

No caso, o devedor, ao ser intimado da penhora, alegou que o imóvel em que vivia era bem de família e indicou, em substituição, um segundo imóvel. Após a substituição do bem penhorado, o devedor alegou que este também era impenhorável por se tratar igualmente de bem de família. Disse que neste segundo imóvel residiam suas duas filhas e a mãe delas.

Como a Justiça não reconheceu a condição de bem de família do segundo imóvel, a mãe, representando as filhas, ofereceu embargos de terceiros para desconstituir a penhora incidente sobre o imóvel em que residiam. Dessa vez, a pretensão teve êxito, e a penhora foi afastada na primeira instância, mas o TJMG reformou a decisão.

Por maioria de votos, o TJMG decidiu que a relação concubinária do devedor não poderia ser considerada entidade familiar, nos termos da legislação em vigor.

Direito à moradia

A Terceira Turma do STJ reformou esse entendimento, considerando que a impenhorabilidade do bem de família visa resguardar não somente o casal, mas o sentido amplo de entidade familiar. Assim, no caso de separação dos membros da família, como na hipótese, a entidade familiar, para efeitos de impenhorabilidade de bem, não se extingue, ao revés, surge em duplicidade: uma composta pelos cônjuges, e outra composta pelas filhas de um deles.

O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, disse que o reconhecimento da união estável como entidade familiar pela Constituição trouxe “importante distinção entre relações livres e relações adulterinas”, mas essa distinção não interfere na solução do caso analisado, pois o que está em questão é a impenhorabilidade do imóvel onde as filhas residem. Afinal, lembrou o ministro, a Constituição estabelece que os filhos, nascidos dentro ou fora do casamento, assim como os adotados, têm os mesmos direitos.

Segundo o relator, a jurisprudência do STJ vem há tempos entendendo que a impenhorabilidade prevista na Lei 8.009 não se destina a proteger a família em sentido estrito, mas, sim, a resguardar o direito fundamental à moradia, com base no princípio da dignidade da pessoa humana.

Famílias diversas

“Firme em tal pensamento, esta Corte passou a abrigar também o imóvel de viúva sem filhos, de irmãos solteiros e até de pessoas separadas judicialmente, permitindo, neste caso, a pluralidade de bens protegidos pela Lei 8.009”, afirmou o relator. Para ele, “o conceito de entidade familiar deve ser entendido à luz das alterações sociais que atingiram o direito de família. Somente assim é que poderá haver sentido real na aplicação da Lei 8.009”.

Isso porque, explicou Villas Bôas Cueva, o intuito da norma não é proteger o devedor contra suas dívidas, tornando seus bens impenhoráveis, mas garantir a proteção da entidade familiar no seu conceito mais amplo.

Contrato de gaveta: riscos no caminho da casa própria

Comprar imóvel com “contrato de gaveta” não é seguro, mas é prática comum. Acordo particular realizado entre o mutuário que adquiriu o financiamento com o banco e um terceiro, traz riscos evidentes. Entre outras situações, o proprietário antigo poderá vender o imóvel a outra pessoa, o imóvel pode ser penhorado por dívida do antigo proprietário, o proprietário antigo pode falecer e o imóvel ser inventariado e destinado aos herdeiros.

Além disso, o próprio vendedor poderá ser prejudicado, caso o comprador fique devendo taxa condominial ou impostos do imóvel, pois estará sujeito a ser acionado judicialmente em razão de ainda figurar como proprietário do imóvel.

Por problemas assim, o “contrato de gaveta” é causa de milhares de processos nos tribunais, uma vez que 30% dos mutuários brasileiros são usuários desse tipo de instrumento.

A Caixa Econômica Federal (CEF) considera o “contrato de gaveta” irregular porque, segundo o artigo 1º da Lei 8.004/90, alterada pela Lei 10.150/00, o mutuário do Sistema Financeiro de Habitação (SFH) tem que transferir a terceiros os direitos e obrigações decorrentes do respectivo contrato. Exige-se que a formalização da venda se dê em ato concomitante à transferência obrigatória na instituição financiadora.

Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem reconhecido, em diversos julgados, a possibilidade da realização dos “contratos de gaveta”, uma vez que considera legítimo que o cessionário do imóvel financiado discuta em juízo as condições das obrigações e direito assumidos no referido contrato.

Validade de quitação

O STJ já reconheceu, por exemplo, que se o “contrato de gaveta” já se consolidou no tempo, com o pagamento de todas as prestações previstas no contrato, não é possível anular a transferência, por falta de prejuízo direto ao agente do SFH.

Para os ministros da Primeira Turma, a interveniência do agente financeiro no processo de transferência do financiamento é obrigatória, por ser o mútuo hipotecário uma obrigação personalíssima, que não pode ser cedida, no todo ou em parte, sem expressa concordância do credor.

No entanto, quando o financiamento já foi integralmente pago, com a situação de fato plenamente consolidada no tempo, é de se aplicar a chamada “teoria do fato consumado”, reconhecendo-se não haver como considerar inválido e nulo o “contrato de gaveta” (REsp 355.771).

Em outro julgamento, o mesmo colegiado destacou que, com a edição da Lei 10.150, foi prevista a possibilidade de regularização das transferências efetuadas até 25 de outubro de 1996 sem a anuência da instituição financeira, desde que obedecidos os requisitos estabelecidos (REsp 721.232).

“Como se observa, o dispositivo em questão revela a intenção do legislador de validar os chamados ‘contratos de gaveta’ apenas em relação às transferências firmadas até 25 de outubro de 1996. Manteve, contudo, a vedação à cessão de direitos sobre imóvel financiado no âmbito do SFH, sem a intervenção obrigatória da instituição financeira, realizada posteriormente àquela data”, afirmou o relator do caso, o então ministro do STJ Teori Zavascki, hoje no Supremo Tribunal Federal (STF).

No julgamento do Recurso Especial 61.619, a Quarta Turma do STJ entendeu que é possível o terceiro, adquirente de imóvel de mutuário réu em ação de execução hipotecária, pagar as prestações atrasadas do financiamento habitacional, a fim de evitar que o imóvel seja levado a leilão.

Para o colegiado, o terceiro é diretamente interessado na regularização da dívida, uma vez que celebrou com os mutuários contrato de promessa de compra e venda, quando lhe foram cedidos os direitos sobre o bem. No caso, a Turma não estava discutindo a validade, em si, do “contrato de gaveta”, mas sim a quitação da dívida para evitar o leilão do imóvel.

Revisão de cláusulas
Para o STJ, o cessionário de contrato celebrado sem a cobertura do FCVS (Fundo de Compensação de Variações Salariais) não tem direito à transferência do negócio com todas as suas condições originais, independentemente da concordância da instituição financeira.

O FCVS foi criado no SFH com a finalidade de cobrir o saldo residual que porventura existisse ao final do contrato de financiamento. Para ter esse benefício, o mutuário pagava uma contribuição de 3% sobre cada parcela do financiamento. Até 1987, os mutuários não tinham com o que se preocupar, pois todos os contratos eram cobertos pelo FCVS. A partir de 1988, ele foi retirado dos contratos e extinto em definitivo em 1993.

De acordo com a ministra Isabel Gallotti, relatora do caso, o terceiro pode requerer a regularização do financiamento, caso em que a aceitação dependerá do agente financeiro e implicará a celebração de novo contrato, com novas condições financeiras.

Segundo a ministra, quando o contrato é coberto pelo FCVS, o devedor é apenas substituído e as condições e obrigações do contrato original são mantidas. Porém, sem a cobertura do FCVS, a transferência ocorre a critério do agente financeiro e novas condições financeiras são estabelecidas (REsp 1.171.845).

Em outro julgamento, o STJ também entendeu que o cessionário de mútuo habitacional é parte legítima para propor ação ordinária contra agente financeiro, objetivando a revisão de cláusula contratual e de débito, referente a contrato de financiamento imobiliário com cobertura pelo FCVS.

“Perfilho-me à novel orientação jurisprudencial que vem se sedimentando nesta Corte, considerando ser o cessionário de imóvel financiado pelo SFH parte legítima para discutir e demandar em juízo questões pertinentes às obrigações assumidas e aos direitos adquiridos através dos cognominados ‘contratos de gaveta’, porquanto, com o advento da Lei 10.150, o mesmo teve reconhecido o direito de sub-rogação dos direitos e obrigações do contrato primitivo”, assinalou o relator do recurso, o ministro Luiz Fux, atualmente no STF (REsp 627.424).

Seguro habitacional
Exigido pelo SFH, o seguro habitacional garante a integridade do imóvel, que é a própria garantia do empréstimo, além de assegurar, quando necessário, que, em eventual retomada do imóvel pelo agente financeiro, o bem sofra a menor depreciação possível.

No caso de “contrato de gaveta”, a Terceira Turma do STJ decidiu que não é devido o seguro habitacional com a morte do comprador do imóvel nessa modalidade, já que a transação foi realizada sem o conhecimento do financiador e da seguradora (REsp 957.757).

Em seu voto, a relatora, ministra Nancy Andrighi, afirmou que, de fato, não é possível a transferência do seguro habitacional nos “contratos de gaveta”, pois nas prestações de mútuo é embutido valor referente ao seguro de vida, no qual são levadas em consideração questões pessoais do segurado, tais como idade e comprometimento da renda mensal.

“Ao analisar processos análogos, as Turmas que compõem a Segunda Seção decidiram que, em contrato de promessa de compra e venda, a morte do promitente vendedor quita o saldo devedor do contrato de financiamento. Reconhecer a quitação do contrato de financiamento em razão, também, da morte do promitente comprador, incorreria este em enriquecimento sem causa, em detrimento da onerosidade excessiva do agente financeiro”, destacou a relatora.

Diante dos riscos representados pelo “contrato de gaveta”, o melhor é regularizar a transferência, quando possível, ou ao menos procurar um escritório de advocacia para que a operação de compra e venda seja ajustada com o mínimo de risco para as partes contratantes.

segunda-feira, 20 de maio de 2013

Bem de família só é renunciável nos casos prescritos

É inválida a renúncia ao bem de família pelo devedor em casos diversos daqueles expressamente admitidos pela Lei 8.009/1990. Com esse argumento, a 14ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo, por maioria, impediu a penhora da propriedade de um empresário que ofereceu a própria casa para ser penhorada.
No caso, o empresário era garantidor de uma operação de sua empresa junto ao banco. Como não pagou, foi executado e ofereceu sua própria casa para ser penhorada. A casa então foi penhorada, avaliada e enviada a leilão.
Diante da situação, o empresário entrou na Justiça para não ter seu único imóvel expropriado, que serve de residência dele e de sua família, pedindo para que fosse reconhecido o bem de família e se tornasse impenhorável a casa. O empresário foi representado pelo advogado Gabriel Hernan Facal Villarreal, sócio do escritório Creuz e Villarreal Advogados Associados.
Na ação, o advogado destacou que a jurisprudência consagra o instituto do bem de família, “protegendo-o de quaisquer constrições indevidas, privilegiando a entidade familiar e a dignidade humana acima de qualquer direito creditório porventura existente”.
O empresário explica que, passando por dificuldades financeiras, a sociedade da qual fazia parte foi obrigada a renegociar dívidas com instituições financeiras e fornecedores. Ao negociar com o Banco Alvorada, sofreu a imposição de que prestasse garantia por meio de seus sócios, sendo exigido do empresário que oferecesse o bem imóvel à penhora. “Foi exigido que renunciasse a qualquer questionamento acerca do bem de família, em clara e frontal violação às garantias constitucionais que permeiam a dignidade da pessoa humana”, observa o advogado.
A defesa do empresário citou ainda que o Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que a impenhorabilidade do bem de família constitui direito irrenunciável, por se tratar de norma de ordem pública, prevalecendo inclusive em casos nos quais porventura o devedor tenha oferecido o bem à penhora.
A tese do advogado Gabriel Villarreal foi acolhida em primeira instância. O juiz Ademir Modesto de Souza, da 8ª Vara Cível de São Paulo, considerou que, “inexistindo prova de que a dívida contraída por sociedade beneficiou a família dos sócios, tem-se como inválida da penhora, não implicando o oferecimento do imóvel em garantia como renúncia à proteção legal conferida ao bem de família”, e citou jurisprudência do STJ no mesmo sentido.
O Banco Alvorada recorreu da decisão e, em decisão monocrática da desembargadora Ligia Araújo Bisogni, da 14ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP, deu razão à instituição financeira. Em sua decisão, a desembargadora afirmou que, “tendo o devedor deliberado assegurar o cumprimento da obrigação assumida na confissão de dívida, oferecendo à penhora o questionado imóvel, não pode, agora, pretender, contra a sua vontade livremente manifestada, a impenhorabilidade do bem, beneficiando-se da própria torpeza e em detrimento do princípio da boa-fé objetiva”.
A desembargadora afirma ainda que, “além de não ter comprovado que o bem dado em garantia constitui, de fato, seu único bem, estando assim protegido pela citada lei, o agravado era sócio da empresa executada e, portanto, inegável que o proveito obtido pela pessoa jurídica reverteu em prol dele mesmo e de sua família”.
O empresário interpôs Agravo Regimental, que foi analisado pela Turma e conseguiu, mais uma vez, reverter a decisão. Para a maioria da Turma, a jurisprudência tem entendido que é inválida a renúncia ao bem de família pelo devedor, em casos diversos daqueles expressamente admitidos pela Lei 8.009/1990. “O STJ tem garantido aplicação ampla da impenhorabilidade do bem de família. Sua 4ª Turma, em decisão recente, esclareceu que, ainda que o bem fosse indicado a penhora pelo próprio devedor, situação equivalente ao caso em questão, isso não implicaria renúncia ao beneficio da impenhorabilidade, porquanto a instituição do bem de família constitui princípio de ordem pública, que prevalece sobre a vontade manifestada”, explicou a Turma, citando o julgamento pela 4ª Turma do STJ do Recurso Especial 875.687, sob relatoria do ministro Luís Felipe Salomão.
Segundo o acórdão, “afora essas hipóteses, a renúncia ao bem de família não deve ser permitida, sob pena de autorizar ao credor, valendo-se de sua condição e para compelir o devedor ao pagamento, o exercício de seu direito contra princípios basilares do ordenamento jurídico. Seria permitir, por vias transversas, a execução de forma mais onerosa ao devedor; seria conceder a qualquer pessoa o direito de burlar princípios de ordem pública”.
O artigo 3º da Lei 8.009/1990 diz que o bem de família é impenhorável em qualquer processo, exceto em sete ocasiões: em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; pelo credor de pensão alimentícia; para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; e por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Com isso, a Turma entendeu que a decisão de primeira instância deve prevalecer, cancelando a penhora da casa. A desembargadora relatora Lígia Araújo Bisogni manteve seu voto e foi vencida. Os demais desembargadores seguiram o voto do desembargador Melo Colombi.


Ref: Agravo Regimental n° 0181699-07.2012.8.26.0000/50000, julgado em 17.10.2012

Tadeu Rover é repórter da revista Consultor Jurídico.
Revista Consultor Jurídico, 18 de maio de 2013

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Escassez no mercado (O Dia, May 17 2013, Page20)

A matéria ressalta que há carência de advogados qualificados no mercado.


Escassez no mercado

O Dia
May 17 2013

A falta de faculdades para atender à demanda do mercado contribui para um cenário onde empresas disputam acirradamente os talentos disponíveis. A lógica deveria ser: quanto mais faculdades, maior é a chance de atender ao que pede o......read more...

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quinta-feira, 16 de maio de 2013

DIREITO CIVIL. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO DE COBRANÇA DE VALORES PAGOS EM CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL RESCINDIDO JUDICIALMENTE.



 Prescreve em dez anos — e não em três — a pretensão de cobrança dos valores pagos pelo promitente comprador em contrato de promessa de compra e venda de imóvel na hipótese em que tenha ocorrido a rescisão judicial do referido contrato e, na respectiva sentença, não tenha havido menção sobre a restituição. O art. 206, § 3º, do CC/2002 estabelece a prescrição trienal tanto para a pretensão de “ressarcimento” de enriquecimento sem causa (inciso IV) como para a pretensão de “reparação civil” (inciso V). A pretensão de cobrança de valores pagos no período de normalidade contratual surgida em decorrência da rescisão do contrato não se enquadra às hipóteses descritas nos referidos dispositivos legais. De fato, o enriquecimento sem causa é gênero do qual o pagamento indevido é espécie. Ocorre que o aludido inciso IV não impôs o prazo prescricional de três anos para toda e qualquer hipótese em que se verificar um enriquecimento descabido, mas somente para os casos em que se requeira o “ressarcimento” de enriquecimento sem causa. Quando a pretensão não for de ressarcimento, mas de outra natureza, por exemplo, de cobrança, não se aplica o prazo prescricional trienal estabelecido pelo art. 206, § 3º, IV. Também não é possível a aplicação do prazo prescricional de três anos previsto no apontado inciso V à pretensão de cobrança, pois esse dispositivo se aplica à pretensão de reparação civil, expressão que designa indenização por perdas e danos e está associada, necessariamente, aos casos de responsabilidade civil, ou seja, aqueles que têm por antecedente ato ilícito. Com efeito, a pretensão de cobrança dos valores pagos no decorrer do contrato não tem natureza indenizatória e constitui consectário lógico da rescisão do negócio jurídico, o que impõe a ambas as partes a restituição das coisas ao estado anterior. Dessa forma, a pretensão de restituição de valores pagos em razão de desfazimento de negócio jurídico submete-se ao prazo prescricional geral de dez anos, previsto no art. 205 do CC/2002, e não ao prazo especial de três anos constante do art. 206, § 3º, IV e V, do mesmo diploma. REsp 1.297.607-RS, Rel. Min. Sidnei Beneti, julgado em 12/3/2013.

DIREITO CIVIL. DESNECESSIDADE DE PEDIDO EXPRESSO DO PROMITENTE COMPRADOR, EM AÇÃO DE RESOLUÇÃO DE CONTRATO DE PROMESSA DE COMPRA E VENDA, PARA RESTITUIÇÃO DO PREÇO PAGO.



O juiz, ao decretar a resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel, deve determinar ao promitente vendedor a restituição das parcelas do preço pagas pelo promitente comprador, ainda que não tenha havido pedido expresso nesse sentido. A resolução, própria dos contratos bilaterais, consiste basicamente na extinção do contrato pelo inadimplemento definitivo do devedor, constituindo direito formativo extintivo, pois ocasiona, com o seu exercício, a desconstituição da relação obrigacional e a liberação do credor e do devedor de suas obrigações (eficácia liberatória). Além disso, resulta também da resolução do contrato uma nova relação obrigacional, a relação de liquidação, na qual serão tratados os direitos do credor e do devedor à restituição das prestações já efetivadas e o direito do credor à indenização por perdas e danos. A eficácia restitutória constitui, portanto, consequência natural e indissociável da resolução do contrato. Assim, na ação de resolução de contrato de compra e venda, não há necessidade de o devedor, na contestação ou em reconvenção, requerer a devolução das prestações entregues ao credor, a qual pode e deve ser determinada de ofício pelo juiz como decorrência lógica da decretação de resolução do contrato. Importante ressaltar, ainda, que o credor, da mesma forma e em decorrência do mesmo pedido de resolução, também possui o direito de receber eventuais prestações entregues ao devedor. Precedentes citados: REsp 300.721-SP, Quarta Turma, DJ 29/10/2001, e REsp 97.538-SP, Terceira Turma, DJ 8/5/2000. REsp 1.286.144-MG, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 7/3/2013.

DIREITO CIVIL. RECONHECIMENTO DE ANTERIORIDADE DE CRÉDITO PARA CARACTERIZAÇÃO DE FRAUDE CONTRA CREDORES.



.Não é suficiente para afastar a anterioridade do crédito que se busca garantir — requisito exigido para a caracterização de fraude contra credores — a assinatura de contrato particular de promessa de compra e venda de imóvel não registrado e desacompanhado de qualquer outro elemento que possa evidenciar, perante terceiros, a realização prévia desse negócio jurídico. O art. 106, parágrafo único, do CC/1916 disciplinou o instituto da fraude contra credores, visando coibir o devedor de praticar atos fraudulentos que acarretem a diminuição de seu patrimônio com o propósito de prejudicar seus credores. Para isso, instituiu a ação pauliana ou revocatória, possibilitando ao credor prejudicado anular o negócio jurídico fraudulento e conservar no patrimônio do devedor determinados bens para a garantia do cumprimento das obrigações assumidas por este. Para a caracterização dessa fraude, exigem-se os seguintes pressupostos: a existência de dano ao direito do credor (eventus damni); o consenso entre o devedor e o adquirente do bem (consilium fraudis); e a anterioridade do crédito que se busca garantir em relação ao negócio jurídico tido por fraudulento, pois somente os credores que já ostentavam essa condição ao tempo do ato fraudulento é que podem demandar a anulação, visto que, apenas em relação a eles, esse ato diminui a garantia oferecida pelo patrimônio do devedor. Nesse contexto, na hipótese em que o devedor tenha firmado contrato particular de promessa de compra e venda de imóvel, para fins de constatar a anterioridade de crédito em relação ao ato fraudulento, deve ser considerada a data do registro do instrumento particular no Cartório de Registro de Imóveis, e não a data da sua elaboração. Isso porque o registro do contrato de promessa de compra e venda de imóvel, conquanto não interfira na relação de direito obrigacional — existente entre promitente comprador e promitente vendedor —, é necessário para que a eficácia da promessa de compra e venda se dê perante terceiros, de forma a gerar um direito real à aquisição do promitente comprador, em caráter erga omnes. Dessa forma, dispõe o art. 1.417 do CC/2002 que, mediante promessa de compra e venda em que não foi pactuado o arrependimento, celebrada por instrumento público ou particular e registrada no Cartório de Registro de Imóveis, adquire o promitente comprador direito real à aquisição do imóvel. Assim, não estando o contrato registrado, o promitente comprador pode exigir do promitente vendedor a outorga da escritura, mas não poderá opor seu direito a terceiros. Ademais, ao permitir o contrário, estar-se-ia enfraquecendo o instituto da fraude contra credores, tendo em vista a facilidade em dar a um documento uma data falsa e, ao mesmo tempo, a dificuldade em demonstrar essa fraude. REsp 1.217.593-RS, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/3/2013.