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sexta-feira, 30 de agosto de 2013

terça-feira, 27 de agosto de 2013

processo de execução e chicanas

A execução é campo fértil par as chicanas, por via de procrastinações e formulação de incidentes infundados. É o momento em que vendedor deve conseguir a concretização do direito que lhe foi assegurado e, portanto, em que o vencido se encontra em situação de sofrer o peso da condenação (ou, nas ações declaratórias ou constitutivas, ao menos dos encargos processuais, desde que, nas mesmas, não haja nenhuma condenação). Mais do que nunca, portanto, o Juiz deverá ser armado de poderes de obstar as atitudes de improbidade do devedor, sempre o mais interessado em adiar o final de execução.
(ALCIDES DE MENDONÇA LIMA, O princípio da probidade no C. P. Civil, Revista Forense 268/43)

Afinal de contas, o que é um princípio jurídico?

Por José Miguel Garcia Medina

Na coluna desta semana, gostaria de dar início a um debate sobre princípios jurídicos. Dar início porque, evidentemente, esse é daqueles temas sobre os quais devemos tratar compassadamente. Há temas de que tratamos em uma primeira conversa, mas se sabe que a ele não podemos voltar, senão depois de boa meditação. Princípios jurídicos, a meu ver, é tema que se insere nesse rol.
Minha intenção, também, é dar início a um debate. Não espero que aqueles que se afeiçoam ou que são contrários ao que eu disser nesta e nas próximas colunas aqui compareçam, para confirmar ou infirmar algo. Sendo honesto com o leitor, uso a expressão “debate”, aqui, porque considero que o estudo dos princípios é aporético. Considero imprescindível tratar do tema sob variadas perspectivas.
Quando, pela primeira vez, me coloquei a estudar o tema, fiz referência a um sem-número de opiniões.[1] Não tinha a pretensão, à época, de apresentar uma “teoria dos princípios”. Aliás, não tenho essa aspiração nem mesmo hoje. Afinal, não me considero “teórico” ou “filósofo” do direito. Sou professor e advogado, estudioso e aprendiz do Direito. Sou, sobretudo, preocupado com o que tem sido feito com os princípios e em nome dos princípios, entre nós.
Já que minha preocupação gira em torno do que tem sido feito, partirei de problemas,[2] pois.
A primeira questão que logo se coloca diz respeito ao seguinte: estamos falando, eu e você, do mesmo assunto? Quero dizer, com isso, que quando uso a palavra “princípio”, pode ser que eu esteja falando de algo diferente do que você esteja esperando que eu fale. Posso estar me referindo, por exemplo, a um tipo especial de norma que tem estrutura de princípio — desse modo, por exemplo, se costuma referir à teoria de Robert Alexy. Sendo assim, aludo a um direito fundamental como a um princípio, mas — note-se bem! — não se trata de um “princípio jurídico”, mas de um direito que, confrontado com outro de semelhante estatura, com o qual entra em colisão, pode ou não ceder, conforme o caso. Assim, costuma-se dizer que a liberdade de expressão pode ceder em relação à proteção à intimidade, ou vice-versa. Afirma-se, seguindo essa linha, que se está diante de conflito de princípios, que deve ser resolvido de modo diferente do de um conflito de regras... Mas, é correto dizer que a liberdade de expressão é um princípio, que poderíamos chamar de “princípio da liberdade de expressão”?
Que dizer do princípio da dignidade da pessoa humana (artigo 1º, inciso III, da Constituição)? De difícil definição, esse princípio merece um cuidado especial, pois é a base dos direitos fundamentais. Ganhou destaque com a Constituição de 1998, mas só recentemente tem servido, de modo significativo, de base às decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal — o mesmo sucedendo com o Superior Tribunal de Justiça.
O fato é que, em nome do princípio da dignidade da pessoa humana, tem-se decidido sobre os mais variados temas, e em qualquer sentido possível. Invoca-se a dignidade da pessoa humana para se justificar qualquer tomada de posição, como se o argumento funcionasse como uma licença para se decidir livremente. Algo parecido sucede com o “princípio da função social da empresa”, que vem se tornando lugar-comum e sendo usado para se decidir em qualquer sentido.
Chama-se de princípio, da mesma forma, a proporcionalidade. Mas, também aqui, parece que se usa a expressão “princípio” com outro significado. Proporcionalidade é considerada, por muitos, como critério de sopesamento entre direitos (que teriam estrutura de princípios). Logo, não é princípio, em nenhum dos sentidos antes mencionados.
Algo diferente se passa, ainda, quando alguém se refere ao princípio da nulla executio sine titulo. Aqui não há um direito a ser “sopesado” em relação a outro. Quando se afirma que o ordenamento processual civil observa tal princípio, isso significa que a tutela executiva é condicionada à apresentação de um título, que é, como se diz em conhecida fórmula, condição estabelecida definida lei como necessária e suficiente para a execução. Revela-se, assim, uma opção do legislador, que restringe os poderes do magistrado, em relação aos fatos que podem autorizar a realização de medidas executivas. Algo parecido se pode dizer, por exemplo, do princípio da taxatividade dos recursos, da unicidade (ou unirrecorribilidade) recursal etc. Assim considerados, os princípios revelam características de um dado campo do direito – algo que Boulanger chamou de “princípios de organização técnica”. Sabendo que um determinado princípio impera, e entendendo-se seu significado, pode-se compreender o funcionamento do respectivo sistema.
Em outros casos, chamamos de princípios algo que não se insere em nada do que se disse antes. Pense-se, por exemplo, no princípio do contraditório. É certo que o contraditório encontra-se no rol de direitos fundamentais (artigo 5º, inciso LV) e saber que ele informa o sistema permite ao intérprete extrair uma série importantíssima de consequências — pense-se, por exemplo, em tudo o que se pode dizer a respeito de temas como direito à influência, proibição de prolação de decisão judicial “com surpresa” para a parte etc. Mas é fácil entrever que do contraditório extrai-se, sobretudo, uma regra: à parte deve ser dada ciência e a parte deve ser ouvida. Pode haver alguma discrepância sobre o modo ou o tempo em que tal contraditório deve ocorrer. Não se desconhece, porém, que deve ocorrer, sob pena de não se reputar válido o que suceder, no processo.
Também é comumente referida como princípio a boa-fé objetiva. O Código Civil brasileiro a ela se refere no artigo 113, em relação à interpretação dos contratos, e, no artigo 422, quanto à imposição de deveres às partes, “na conclusão do contrato, como em sua execução”. O espectro de abrangência da boa fé objetiva, entre nós, é amplíssimo. A partir do ideal de conduta conforme a boa-fé, podem-se deduzir os mais variados comportamentos que a contrariam, e que, assim sendo, devem ser reprimidos. Não se admite, por exemplo, comportamento contraditório (venire contra factum proprium). Mas costuma-se dizer que a boa-fé objetiva atua também como limitação ao exercício de direitos, o que nos remete à figura prevista no artigo 187 do Código Civil. No ponto, o Direito brasileiro seguiu critério objetivo: mais importante que a intenção do sujeito é a constatação de que o direito foi exercido de modo contrário à sua finalidade econômica ou social.[3]
Note-se que, em casos como o da boa-fé objetiva, talvez falemos de “princípio” em razão de seu alto grau de generalidade. Mas, ao menos na hipótese prevista no art. 187 do Código Civil, é de regra que se trata. Algo parecido pode ser dito à respeito do dever de cooperação, também muitas vezes chamado de princípio. Há que se encontrar, tal como sucede com a boa-fé objetiva — que, penso, está na base do dever de cooperação — o que disciplina a lei, a respeito. Por exemplo, tem o executado faculdade ou dever de cooperar, em relação à identificação de bens penhoráveis? A resposta a essa pergunta deve ser extraída do que dispõem as regras processuais, sobre o tema.
Por fim, há também a tendência de se chamar um valor não transposto para o Direito de princípio. Não me refiro aos princípios oriundos do direito natural — afinal, creio que pouco ou nada sobrou de direito natural que tenha ficado fora do âmbito normativo. Aludo, aqui, por exemplo, a valores pessoais do intérprete/aplicador do Direito. Embora essa postura nem sempre (ou quase nunca) seja assumida, parece ser possível entrever que, entre nós, ainda que de modo dissimulado, impera a ideia de que princípios são preferências pessoais. Também lidamos com os princípios como se fossem valores quando procuramos conhecer o ethos de um grupo social, para, daí, definir, à luz dos valores supostamente mais importantes numa comunidade, o que devemos entender, por exemplo, por moralidade administrativa (artigo 37, caput, da Constituição). A questão aqui, reside em saber se tais valores podem ser levados em consideração (sejam ou não chamados de princípios), para se resolver questões.
Apresentei alguns exemplos de fenômenos que chamamos de princípios, mas que não pertencem, necessariamente, a uma mesma categoria jurídica. Dependendo da perspectiva que se adote, alguns sequer deveriam ser chamados de princípios. O que quero destacar, hoje, é que dignidade da pessoa humana, proporcionalidade, contraditório, nulla executio sine titulo... etc. não pertencem a uma mesma categoria de “princípios”, e que nem tudo – eu arriscaria dizer, praticamente nada — do que chamamos de princípio acabará se sujeitando a um mesmo regime jurídico. Assim, por exemplo, caso se aceite a tese de Robert Alexy — que, hoje, não desejo discutir — não se permite “ponderar” entre “princípios” de categorias distintas, apenas pelo fato de os chamarmos de “princípios”.
Minha maior preocupação está na prática, que vem se tornando bastante difundida, consistente em atribuir a algo a natureza de princípio para ponderá-lo com outro (?) princípio. Segundo esse modo de proceder, bastaria, no início de uma argumentação, chamar, v.g., preclusão de princípio, e, pronto!, isso autorizaria a “ponderação” do “princípio da preclusão” com outros “princípios”... Essa é uma atitude perigosa, pois pode ser usada como estratégia para se decidir contrariamente ao Direito.
Essa será minha maior preocupação, nos textos dedicados à análise de problemas referentes a princípios. Teremos, pois, que identificar se algo é princípio, ou não; se as variadas figuras chamadas de princípios se sujeitam a uma mesma disciplina; se o que se chama de princípio não seria, na verdade, uma regra, ou um valor...
Não espere o eventual leitor desta coluna, pois, uma “teoria dos princípios”. Mas, se conseguirmos chamar a atenção para o fato de que, muitas vezes, regras são “ponderadas” como se fossem princípios, e de que muitas vezes chamamos de princípios são, na verdade, valores (pessoais, ou "captados" dos anseios sociais...), já teremos dado um grande passo.
Até a próxima semana!

[1] Estudei o assunto para a defesa de minha tese de doutorado, intitulada Sobre os princípios fundamentais da tutela jurisdicional executiva – Uma nova abordagem, que elaborei sob a orientação da Professora Teresa Arruda Alvim Wambier. A tese foi defendida em 2001 e, depois, o trabalho foi publicado pela Editora Revista dos Tribunais (Execução civil: teoria geral; princípios fundamentais, 2. ed., 2004).
[2] Para Josef Esser, os princípios são descobertos e comprovados a partir de uma problemática concreta, “de modo que é o problema, e não o ‘sistema’ em sentido racional, que constitui o centro do pensamento jurídico” (Principio y norma en la elaboración jurisprudencial del derecho privado, p. 9).
[3] Segundo o art. 187 do Código Civil, “comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”. O direito brasileiro assemelha-se ao português, que lhe serviu de inspiração (cf. art. 334 do Código Civil português), adotando o critério objetivo, funcional ou finalístico para que se possa aferir a existência de exercício abusivo do direito.
José Miguel Garcia Medina é doutor em Direito, advogado, professor e membro da Comissão de Juristas nomeada pelo Senado Federal para elaboração do anteprojeto de Código de Processo Civil. Acompanhe-o no Twitter, no Facebook e em seu blog.
Revista Consultor Jurídico, 26 de agosto de 2013

domingo, 25 de agosto de 2013

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Segurança jurídica x aplicação dos princípios. A visão de um ex-ministro do STF.

A partir da segunda metade dos anos 1980, desde leituras de Dworkin, passamos a ser vítimas dos princípios e dos valores.
Instalou-se um grande debate: princípio é norma jurídica ? Passamos a matraquear a afirmação de que é mais grave violar um princípio do que violar uma norma, sem nos darmos conta de que, sendo assim princípio não é norma....
Aí a destruição da positividade do direito moderno pelos valores. Os juízes despedaçam a segurança jurídica quando abusam do uso dos “princípios”e praticam – fazem-no cotidianamente – os controles de proporcionalidade e da razoabilidade das leis.
Insisto nesse ponto: juízes não podem decidir subjetivamente, de acordo com seu sendo de justiça. Estão vinculados pelo dever de aplicar o direito (a Constituição e as leis). Enquanto a jurisprudência do STF estiver fundada na ponderação entre princípios – isto é, na arbitrária formulação de juízos de valor –, a segurança jurídica está sendo despedaçada !
....
O que tínhamos, o que nos assistia – o direito moderno, a objetividade da lei -, o Poder Judiciário aqui, hoje, coloca em risco.
Isso tudo talvez acabe quando começar a comprometer a fluência da circulação mercantil, a calculabilidade e a previsibilidade indispensáveis ao funcionamento do mercado (talvez então os juízes voltem a ser a boca que pronuncia, sem imprensa, sem televisão.....). Ou será a desordem, até que novos rumos nos acudam.....

(EROS ROBERTO GRAU. Por que tenho medo dos juízes. São Paulo: Malheiros, 2013, páginas 20 e seguintes. Grifos do original.)

How Law Professors Can Write a Problem Solving Case

by Joseph William Singer
Bussey Professor of Law, Harvard Law School
We all know law professors use the case method to teach law. But the Problem Solving Workshop has adopted a new kind of case method—the kind more typical of business and public policy schools. The old Langdellian case method asks students to read judicial opinions; we do that to teach students how to interpret cases, to read the law, to consider alternative rules of law, to make arguments on both sides of contested questions, to understand the judicial role and legal reasoning. Such cases start at the end when the facts are decided, the legal issues identified and narrowed, and a ruling of law announced and defended.
The problem solving case method focuses on the case at the very beginning—before the facts are all known, before the parties’ goals are clarified, before the legal issues have been narrowed, before the dispute has crystallized or run its course. This problem solving case method asks students to consider who the client is and what their goals are or might be, what the facts are and what facts the lawyer needs to find out, what various legal rules affect the client’s ability to achieve the client’s goals, and what options might be available to help the client achieve her goals ethically and within the bounds of the law.
Writing a case like this may seem daunting, but any law professor can do it by following these simple rules:
First, pick a fact situation that arises in your field of law that is both common and interesting and which raises practical or legal problems that must be resolved. In torts, it could be a corporate decision that might avoid potential accidents or it might be responding to a past disaster or accident. In contracts, it could be planning a transaction or dealing with a potential breach of an existing arrangement or a dispute about the terms of an ongoing arrangement. In property, it could be a dispute among neighbors, between landlord and tenant, with zoning officials; it could be planning a real estate deal or the terms of a charitable trust. In criminal law, it could be a question of whether a crime was committed or how a prosecutor should allocate enforcement resources. In procedure, it could be a search for an appropriate remedy for a problem or how to handle ongoing litigation. Every teacher knows many issues that come up in their particular field; all that you need to do is to think about what the issue might look like at the beginning rather than at the end.
Second, choose a client. The new case study method focuses on serving the interests of clients and helping them navigate the law to achieve their goals. This stage also involves choosing the other parties with whom the client may need to deal to achieve the client’s goals.
Third, construct a fact scenario that involves the client wanting something. Either the client wants to achieve a result or the client wants to solve a problem or dispute. Think of the facts a lawyer would need to know to determine what the client’s goals are and what facts would be needed to apply existing rules of law. In writing the problem, withhold some of those facts so that students would learn to look for facts that are not yet known but need to be known to solve the problem.
Fourth, consider various rules of law that are relevant to the situation. This is the part that is closest to what law professors do in their classes. Pick a rule that requires interpretation or a situation that implicates several rules, including those that cross subjects. Pick a fact situation that might prompt a judge to distinguish a precedent, craft an exception to the rule, or to apply a competing rule.
Fifth, consider what options are available to solve the problem or achieve the client’s goals. Think of the rules not as the ending point that decides what happens but as rules of the game that create both constraints and opportunities. The law may prevent the client from doing certain things but may allow her to achieve her goals some other way. Another party may have conflicting goals but there may be ways to help her achieve her underlying interests that also allow your client to serve her interests.
Finally, put it all together. Start with the story or fact situation. A client comes into your office with a story and a problem. That’s part 1. The class discussion would involve talking about who the client is, what the client’s legal obligations or goals are or might be, what facts we need to find out to clarify what happened and what the client wants, what laws might be relevant to solving the client’s problem, constraining the client’s actions, or empowering the client with respect to other actors. Then identify the relevant law: what cases or statutes should the students know about? Either make a list and require them to look up those cases or statutes and report on what the law requires or summarize the law yourself. That’s part 2. Class discussion would entail figuring out what the law is and how it applies to the client’s situation. Finally, think about how to structure a class discussion about potential options, their pros and cons, and how to communicate them to the client.
That’s it. This is easier to do than you might imagine. Perhaps you can start by taking a legal issue you teach in class and imagine how it arises from the client’s perspective in the real world. What is the first meeting with the lawyer like? What was the client’s experience like before the first meeting? Take it from there. Use what you know and you can do this.
About the author: Professor Singer teaches and writes about property law, conflict of laws, and federal Indian law.  He developed the Problem Solving Workshop at Harvard Law School with Professor Todd Rakoff, and has taught this course to first-years since its inception in 2010.

segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Selic ou não Selic, eis a questão


Responsável pela estabilização da jurisprudência infraconstitucional, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) retomou a discussão de uma questão controversa que já foi debatida diversas vezes em seus órgãos fracionários: a aplicação da taxa Selic nas indenizações civis estabelecidas judicialmente.

Na prática, a controvérsia afetada à Corte Especial pela Quarta Turma diz respeito ao artigo 406 do Código Civil (CC) de 2002, que dispõe que, quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

O problema é que existem duas correntes opostas sobre qual taxa seria essa, o que vem impedindo um entendimento uniforme sobre a questão.

Em precedentes relatados pela ministra Denise Arruda (REsp 830.189) e pelo ministro Francisco Falcão (REsp 814.157), a Primeira Turma do STJ entendeu que a taxa em vigor para o cálculo dos juros moratórios previstos no artigo 406 do CC é de 1% ao mês, nos termos do que dispõe o artigo 161, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional (CTN), sem prejuízo da incidência da correção monetária.

Em precedentes relatados pelos ministros Teori Zavascki (REsp 710.385) e Luiz Fux (REsp 883.114), a mesma Primeira Turma decidiu que a taxa em vigor para o cálculo dos juros moratórios previstos no artigo 406 do CC é a Selic.

A opção pela taxa Selic tem prevalecido nas decisões proferidas pelo STJ, como no julgamento do REsp 865.363, quando a Quarta Turma reformou o índice de atualização de indenização por danos morais devida à sogra e aos filhos de homem morto em atropelamento, que inicialmente seria de 1% ao mês, para adotar a correção pela Selic.

Também no REsp 938.564, a Turma aplicou a Selic à indenização por danos materiais e morais devida a um homem que perdeu a esposa em acidente fatal ocorrido em hotel onde passavam lua de mel.

Caso afetado

No caso específico (REsp 1.081.149) afetado à Corte Especial e relatado pelo ministro Luis Felipe Salomão, uma mulher ajuizou ação declaratória de inexistência de dívida com pedido de indenização por dano moral, contra a Companhia Securitizadora de Créditos Financeiros Gomes Freitas.

Segundo os autos, a autora teve seus documentos pessoais falsificados, registrou boletim de ocorrência policial e cautelarmente incluiu nos cadastros da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) a informação "documento clonado", ao lado de seu nome. Mesmo assim, a empresa determinou a inscrição de seu nome em cadastros de inadimplentes, em razão de dívida contraída por terceiros valendo-se da documentação falsificada.

O juízo de direito da 14ª Vara Cível da Comarca de Porto Alegre julgou os pedidos procedentes. Reconheceu a inexistência da dívida, determinou o cancelamento da inscrição indevida e condenou a companhia ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 3.800, atualizada pelo IGP-M e juros de 12% ao ano.

Em grau de apelação, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul deu parcial provimento ao recurso da autora para elevar a indenização a R$ 7 mil, fazendo incidir correção monetária e juros moratórios somente a partir da data daquele arbitramento.

A autora recorreu ao STJ, sustentando que os juros moratórios e a correção monetária advindos de relação extracontratual devem incidir a partir do evento danoso (Súmulas 43 e 54 do STJ) e não do arbitramento da indenização.

O julgamento do recurso foi interrompido por pedido de vista antecipada formulado pelo ministro João Otávio de Noronha. Ele entende que a questão deve ser previamente analisada pela Segunda Seção – especializada em direito privado – e não diretamente pela Corte Especial.

Oportunidade

Para o ministro Luis Felipe Salomão, o julgamento desse caso é a oportunidade para o STJ consolidar entendimentos sobre a incidência da taxa de juros moratórios em dívidas civis (artigo 406 do CC), o momento inicial para sua fluência e a exata delimitação do que seja responsabilidade contratual e extracontratual para efeitos de incidência de juros e correção monetária. Para ele, é importante adequar os verbetes sumulares e os precedentes da Corte.

A jurisprudência do marco inicial de incidência dos juros moratórios em responsabilidade extracontratual já está pacificada pela Súmula 54, que determina: "Os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, em caso de responsabilidade extracontratual."

A incidência de correção monetária na indenização por danos morais está pacificada pela Súmula 362: "A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento."

Isso significa que os juros moratórios e a correção monetária decorrentes de responsabilidade extracontratual fluem a partir de momentos diversos – os juros moratórios a partir do evento danoso, e a correção monetária, em caso de dano moral, a partir do arbitramento do valor da indenização.

No caso de responsabilidade civil contratual, a jurisprudência determina a incidência de juros a partir da citação ou do vencimento da dívida, conforme inúmeros precedentes julgados pela Corte Superior, entre eles o REsp 1.257.846, relatado pelo ministro Sidnei Beneti, e o REsp 1.078.753, relatado pelo ministro João Otávio de Noronha.

Controvérsia

A controvérsia que ainda não foi harmonizada pelo STJ não envolve o momento, mas o percentual que deve ser aplicado para efeito de correção da dívida. Em embargos relatados pelo ministro Teori Zavascki (EREsp 727.842), a Corte Especial firmou orientação no sentido de que "atualmente, a taxa dos juros moratórios a que se refere artigo 406 do CC é a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic), por ser ela a que incide como juros moratórios dos tributos federais".

Posteriormente, também ficou consignado que "apesar de a Selic englobar juros moratórios e correção monetária, não se verifica bis in idem, pois sua aplicação é condicionada à não-incidência de quaisquer outros índices de correção monetária".

E é justamente nesse contexto que gira a controvérsia. Para o ministro Luis Felipe Salomão, já que a taxa Selic engloba juros moratórios e correção monetária em sua formação, sua incidência em dívidas civis pressupõe a fluência simultânea de juros e correção, fato que não ocorre em indenizações civis (Súmulas 54 e 362).

Assim, defende o ministro, é necessário harmonizar a aplicação da Selic com as Súmulas 54 e 362 do STJ, que estabelecem a contagem de juros e de correção monetária em períodos distintos.

Tese

Luis Felipe Salomão reconhece que a taxa em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional é a Selic, mas entende que sua aplicação em dívidas civis não constitui “diretriz peremptória incontornável prevista no Código Civil”, sendo apenas um parâmetro a ser adotado na falta de outro específico previsto para determinada relação jurídica, como, por exemplo, o que há para dívidas condominiais (artigo 1.335, parágrafo 1º, do CC).

“Não obstante, parece claro que o artigo 406 do CC não encerra preceito de caráter cogente, tanto é assim que confere prevalência às estipulações contratuais acerca dos juros moratórios (‘quando os juros moratórios não forem convencionados, ou o forem sem taxa estipulada’) e a estipulações legais específicas, deixando expressa a subsidiariedade da incidência dessa taxa”, ressalta o ministro.

Mesmo discordando da aplicação da Selic em indenizações civis, ele consignou em seu voto ter aplicado tal entendimento em julgamento ocorrido na Segunda Seção para evitar o “pernicioso dissídio jurisprudencial interno”, mas ressalvou sua posição contrária à “aplicação indiscriminada da Selic”.

Proposta

Com base no Enunciado 20, aprovado na I Jornada de Direito Civil promovida pelo Conselho da Justiça Federal em setembro de 2002, o ministro propõe que o STJ adote a utilização de índice oficial de correção monetária ou tabela do próprio tribunal local, somado à taxa de juros de 1% ao mês (ou 12% ao ano), nos termos do artigo 161 do Código Tributário Nacional (CTN).

O referido enunciado dispõe que “a taxa de juros moratórios a que se refere o artigo 406 é a do artigo 161, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional, ou seja, 1% ao mês”.

O mesmo enunciado, que possui caráter orientador da interpretação dos artigos, dispõe que a utilização da taxa Selic como índice de apuração dos juros legais não é juridicamente segura, porque impede o prévio conhecimento dos juros; não é operacional, porque seu uso será inviável sempre que se calcularem somente juros ou somente correção monetária; é incompatível com a regra do artigo 591 do novo Código Civil, que permite apenas a capitalização anual dos juros, e pode ser incompatível com o artigo 192, parágrafo 3º, da Constituição Federal, se resultarem juros reais superiores a 12% ao ano.

“Independentemente de questionamento acerca do acerto ou desacerto da adoção da Selic como taxa de juros a que se refere o artigo 406 do Código Civil, o fato é que sua incidência se torna impraticável em situação como a dos autos, em que os juros moratórios fluem a partir do evento danoso (Súmula 54) e a correção monetária em momento posterior (Súmula 362)”, destaca o ministro em seu voto.

Oscilação anárquica
Para o relator do recurso afetado à Corte Especial, é exatamente pelo fato de englobar em sua formação tanto remuneração quanto correção, que a Selic não reflete, com perfeição e justiça, o somatório de juros moratórios e a real depreciação da moeda – que a correção monetária visa recompor pelos índices de inflação medida em determinado período.

“A Selic não é um espelho do mercado; é taxa criada e reconhecida com forte componente político – e não exclusivamente técnico –, que interfere na inflação para o futuro, ao invés de refleti-la, com vistas na economia de um período anterior e na projeção para os próximos meses, em consonância também com as metas governamentais”, entende Salomão.

Para balizar sua proposta, o ministro incluiu em seu voto um minucioso estudo sobre a taxa de juros paga com a utilização da Selic desde 2003 e constatou que sua adoção na atualização de dívidas judiciais conduz a uma oscilação anárquica dos juros efetivamente pagos pela mora.

“Constata-se, por exemplo, o pagamento de juros a 12,31% ao ano em 2005, contra o irrisório 1,30% ao ano em 2012, períodos em que a inflação foi praticamente idêntica (5,69% e 5,84% a.a.), respectivamente”, analisou o relator.

Para ele, a adoção da Selic para efeitos de pagamento tanto de correção monetária quanto de juros moratórios pode conduzir a situações extremas: por um lado, de enriquecimento sem causa ou, por outro, de incentivo à litigância habitual, recalcitrância recursal e desmotivação para soluções alternativas de conflito, ciente o devedor de que sua mora não acarretará grandes consequências patrimoniais.

“Aliás, como as dívidas judiciais são atualizadas mensalmente, e não anualmente, há registros de meses em que a Selic ficou abaixo de índices oficiais que medem exclusivamente a inflação, o que significa juros negativos e que, em boa verdade, nesse período, foi o credor que pagou juros ao devedor, o que não se sustenta”, ressaltou o ministro em seu voto.

Para Luis Felipe Salomão, a adoção da Selic na relação de direito público alusiva a créditos tributários ou a dívidas fazendárias é inquestionável, mas não há motivos para transpor esse entendimento para relações puramente privadas, nas quais se faz necessário o cômputo justo e seguro de correção monetária e juros moratórios, “atribuição essa que, efetivamente, a Selic não desempenha bem”.

Voto

No caso afetado à Corte Especial, o ministro relator deu parcial provimento ao recurso especial para descartar a incidência da correção monetária a partir da inscrição indevida. Também consignou que a indenização por danos morais, para efeito de incidência de juros de mora, deve ser considerada sempre responsabilidade extracontratual – “até porque, no caso concreto, a ausência de contrato entre a autora e a instituição financeira foi exatamente o que justificou a propositura da ação”.

Assim, entendeu o ministro, deve ser aplicada a Súmula 54 do STJ, com os juros moratórios fluindo a partir do evento danoso.

Em relação à correção monetária, Salomão sustentou que a mesma deve incidir a partir do arbitramento da indenização em grau de apelação (Súmula 362), ao contrário do que propõe a recorrente, que busca a contagem também desde a inscrição indevida. O índice de correção será o da tabela adotada pelo tribunal de origem, desde que oficial.

O julgamento foi interrompido por pedido de vista logo após a apresentação do voto, de forma que nenhum ministro votou após o relator. Não há data para retomada da discussão.

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

Faculdade da Pensilvânia é novo modelo para Direito

Por João Ozorio de Melo
As universidades de Yale, Harvard e Stanford têm as "melhores faculdades de Direito dos EUA", de acordo com o ranking oficial, em que ocupam os três primeiros lugares. "Melhores" em quê? Prestígio, certamente. No entanto, o melhor espelho para qualquer faculdade de Direito do mundo, que aspira o reconhecimento de escola mais bem-sucedida de seu país, poderá ser, em breve, a Faculdade de Direito da Universidade da Pensilvânia.
A "Penn Law", como é conhecida, ocupa apenas o sétimo lugar no ranking americano. Por enquanto. A partir deste ano, a faculdade iniciou uma reformulação de seu conceito de ensino. Em vez de formar teóricos brilhantes, ela quer formar profissionais bem-sucedidos em suas carreiras — com alta garantia de sucesso já ao ingressar no mercado.
Pode ser uma estratégia valiosa para faculdades que querem atrair estudantes a fim de fazer sucesso em suas carreiras, em vez de candidatos apenas a um diploma. Nos EUA isso é particularmente importante, porque o indicador mais considerado do sucesso de uma faculdade é o sucesso de seus bacharéis no mercado de trabalho.
A proposta da Penn Law é formar os profissionais mais competentes e, portanto, mais competitivos no mercado de trabalho. Para isso, a faculdade começou a oferecer cursos de Direito conjugados com cursos de outras áreas profissionais, nas quais os advogados atuam muito nos dias de hoje.
O último "lançamento" da Penn Law, conforme anunciou o The National Law Journal na segunda-feira (5/8), foi o curso de Direito integrado ao curso de Engenharia, com especialização em tecnologia. A faculdade acredita que, no mundo real, os advogados passarão atuar, cada vez mais, no "mundo virtual" da Internet e da computação, bem como em propriedade intelectual e todas as demais áreas da tecnologia.
Antes disso, a faculdade "lançou" cursos de Direito enriquecidos com cursos de administração e economia. Um programa de 12 semanas, por exemplo, visa equipar os estudantes de Direito com conhecimentos práticos de administração, liderança, habilidades para tomar decisões estratégicas, finanças e contabilidade.
Aparentemente, a Penn Law está apostando na ideia de que o futuro da advocacia está na especialização. Mais cursos interdisciplinares estão na forma, como o do Direito e Medicina, e do Direito e Artes e Ciências (que, nos EUA, inclui comunicação). Notícias sobre os cursos de administração e de tecnologia para advogados podem ser vistas no site da própria faculdade (em inglês), bem como no The National Law Journal.
Há tempos os americanos discutem a necessidade de os advogados fazerem cursos complementares, como o de Administração Jurídica, de Tecnologia, Finanças e outros. Como noticiou a Conjur, as firmas butiques especializadas nos aspectos jurídicos da tecnologia e das ciências ainda estão no topo da pirâmide. Um profissional com conhecimentos tecnológicos, seja na área de informática, engenharia, medicina, química, biotecnologia ou qualquer outra, e com a desenvoltura de um advogado, é um ativo precioso para qualquer empresa que necessite de serviços jurídicos especiais.
No entanto, essa é a primeira vez que essa interação de cursos é concretizada em um currículo universitário, tanto para o curso normal de bacharelado, como de mestrado.
O investimento inicial para a implantação da "Clínica Detkin de Propriedade Intelectual e Tecnologia" da Penn Law foi feito pelo advogado e empresário Peter Detkin, fundador da Intellectual Ventures e conselheiro da faculdade de engenharia da universidade. "Minha carreira sempre se deu na interseção do Direito com a tecnologia", ele declarou em um artigo no site da faculdade, para explicar porque entendia a importância de os advogados interessados se especializarem nessa área.
Antes de se inscrever em disciplinas da área tecnológica, os estudantes de Direito terão de cumprir pré-requisitos, como as matérias de "Introdução à Propriedade Intelectual" e "Lei das Patentes". "Hoje, os advogados que atuam em patentes, Direito Autoral, propriedade intelectual, regulamentação da internet, privacidade, segurança nacional e muitas outras áreas precisam ter um bom conhecimento sobre o funcionamento da tecnologia", diz o reitor da Penn Law Michael Fitts.
O programa "Lei e Tecnologia" da Penn Law deverá evoluir, em 2014, para cursos regulares de bacharelado e mestrado em Direito e Engenharia, que podem durar quatro anos. No primeiro ano, os estudantes fazem o curso de Direito, no segundo de Engenharia e nos dois anos subsequentes fazem matérias nas duas áreas, concomitantemente.
O programa que cruza Direito e Administração será dividido em quatro módulos: 1) finanças e contabilidade; 2) liderança e projeto organizacional; 3) tomada de decisões estratégicas e liderança; e 4) vantagem competitiva: desenvolvendo uma forte marca pessoal.
No primeiro módulo, haverá tópicos tais como terminologia e processo de contabilidade, tomada de decisões financeiras, análise de relatórios financeiros e indicadores essenciais de desempenho. No segundo, estilos de organização, liderando com a inteligência emocional, influência organizacional e persuasão, liderando equipes e entendendo a dinâmica de equipes. No terceiro, pensamento crítico sobre o mundo real, decisões em tempo real, planejamento em tempos de incerteza, tomada de decisão e liderança, e planejamento guiado por descobertas. No quarto módulo, o foco será o desenvolvimento da marca pessoal.
A Penn Law quer formar advogados "que sejam líderes em suas áreas de atuação". Não há lugar, portanto, para alunos que não levam a sério seus estudos e sua carreira.
João Ozorio de Melo é correspondente da revista Consultor Jurídico nos Estados Unidos.
Revista Consultor Jurídico, 6 de agosto de 2013