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quarta-feira, 18 de novembro de 2015

Como se produz um jurista? O modelo colombiano (parte 33)

1. Introdução
Na manhã de 6 de novembro de 1985, às 11h30, 28 guerrilheiros do grupo M-19 invadiram a sede da Corte Suprema de Justiça da Colômbia. Com pouca resistência, eles dominaram a situação rapidamente e apresentaram à população suas reivindicações. O presidente da República Belisário Betancur determinou o cerco do Palácio da Justiça por forças do Exército, da Marinha e da Polícia Nacional. O presidente da Corte, Alfonso Reyes Echandía, um dos vários magistrados presos na invasão, transmitiu um apelo às autoridades para negociassem com os guerrilheiros.

Não há consenso histórico, mas fortes versões sustentam que as ordens presidenciais foram solenemente ignoradas pelo comando militar da operação, e tanques Cascavel e Urutu iniciaram o ataque ao prédio, derrubando portas e paredes e obrigando os guerrilheiros a seguir para os andares superiores. Os comandos desembarcaram no teto do palácio em simultâneo e entraram em combate contra os guerrilheiros.

Iniciou-se um incêndio nos arquivos do tribunal. Vários processos foram incinerados. O presidente Betancur ordenou que fosse estabelecida uma negociação. Uma vez mais, os militares ignoraram as ordens e fuzilaram os guerrilheiros que resistiam. Doze magistrados do Corte Suprema de Justiça foram mortos no combate, incluindo seu presidente, o juiz Echandía. Posteriormente, em cadeia nacional de rádio e televisão, Betancur declarou que dera ordens para a invasão, de modo a não permitir que futuros ataques terroristas intimidassem o Estado colombiano.

Esse foi o primeiro ataque terrorista massivo às instituições do Estado colombiano. Posteriormente, bombas destruíram o Departamento de Segurança Nacional, um avião de carreira da Avianca explodiu em pleno voo, e diversas autoridades (juízes, policiais, políticos, ministros) e jornalistas foram assassinados em um dos períodos mais sangrentos da história da América do Sul. Por trás de todos esses episódios, estava Pablo Escobar e o cartel de Medelín. Os processos queimados na Corte Suprema de Justiça eram relativos a Escobar e seus comparsas. O incêndio evitou que eles fossem extraditados para os Estados Unidos por vários anos.

Esse episódio é simbólico da tentativa de destruição do Estado de Direito na Colômbia nos anos 1980-1990. A partir dele, fortaleceu-se a consciência sobre a importância das instituições jurídicas na Colômbia e ampliou-se a relevância do Direito na vida pública desse país sul-americano. Nesta coluna, estudar-se-ão as três principais profissões jurídicas colombianas: a magistratura, o Ministério Público e a advocacia.

2. A magistratura colombiana
Segundo dados de 2010 e 2011, o Poder Judiciário colombiano possuía um total de 23.952 servidores, dos quais 4.569 integravam a carreira de magistrado e 19.328 compunham as carreiras de apoio[1].

São interessantes os dados do concurso nacional para a magistratura colombiana de 2012: a) sexo dos nomeados para a magistratura: 38,56% do sexo feminino, e 61,44% do sexo masculino; b) idade dos nomeados para a magistratura: o mais jovem aprovado tinha 28 anos, e o mais idoso, 62 anos. As faixas etárias preponderantes foram dos nascidos antes de 1970, com idades entre 42 e 46 anos (41,16%) e dos nascidos entre 1970 e 1980 (50,73%)[2].

O ingresso na carreira dá-se por concurso público, o que foi estendido à magistratura de primeiro grau após a Constituição de 1991. A seleção dá-se por meio de uma prova de conhecimentos jurídicos e a posterior submissão a um curso de formação, de caráter eliminatório. A Corte Suprema de Justiça tem seus membros indicados a partir de uma lista de indicações da Presidência da República, da própria Corte e do Conselho de Estado. Neste caso, os membros da Corte Suprema têm mandato de oito anos[3].

A remuneração dos juízes colombianos historicamente sempre foi muito baixa, assim como em toda a América do Sul. Após haver alcançado a autonomia orçamentária, o Poder Judiciário conseguiu paulatinamente aumentar os valores pagos a seus magistrados. Conforme dados de 2013, um juiz em início de carreira recebia um vencimento básico de 4,4 milhões de pesos colombianos (equivalentes a US$ 1.403,39 ou a R$ 5.459,09), excluídas gratificações. Em 2018, esse valor chegará 8 milhões de pesos colombianos (equivalentes a US$ 2.600,89 ou a R$ 9.925,62)[4].

Considera-se a magistratura colombiana hierarquizada e verticalizada. Uma das hipóteses para isso está na substituição dos antigos mecanismos de nomeação de magistrados, que era totalmente vinculado à alternância de poder entre Conservadores e Liberais, pelo recrutamento feito intra muros pela cúpula do Poder Judiciário, o que ocorreu como uma reação ao modelo clientelista e de divisão equânime da máquina burocrática pelos partidos políticos tradicionais[5]. Chega-se a dizer que esse processo criou uma “elite judicial de conotações aristocráticas”[6].

Em 1991, criou-se a Corte Constitucional colombiana, que assumiu parte dos poderes da antiga Corte Suprema de Justiça. O novo tribunal passou a ter um papel de maior protagonismo, que muitas vezes tem sido criticado por seus excessos, ao exemplo do polêmico e muito controvertido “estado de coisas inconstitucional”, bem como pelo reconhecimento de que a Corte Constitucional interfere nos demais poderes e, em diversas situações, usa a própria constituição colombiana para, em seu nome, ignorá-la ou suprimir as instâncias de deliberação democrática. São exemplos desses excessos as interferências na execução orçamentária, nas decisões de discricionariedade política do Congresso ou em opções legítimas do Poder Executivo, os quais têm sido objeto de atuação superposta da Corte Constitucional[7].

A assimetria entre a magistratura tradicional, representada pela Corte Suprema de Justiça e os órgãos inferiores, e a “nova” magistratura, inspirada na Corte Constitucional, tem produzido efeitos ainda a serem devidamente examinados e compreendidos. É bem provável que o gosto pelo protagonismo e pela interferência nos demais poderes, com o tempo, contamine a magistratura de base, o que poderá criar um sério conflito institucional. Nesse aspecto, é de se notar o papel deletério de parte da academia colombiana, expresso por meio de produção bibliográfica, em dar suporte a essas aspirações de captura do processo decisório democrático. Uma das bases teóricas dessa nova atitude da magistratura é o neoconstitucionalismo ou, como se diz na Colômbia, o “novo Direito”.

3. O Ministério Público
Na Colômbia, o Ministério Público é uma instituição com características muito peculiares, se comparado a seu congênere brasileiro. Embora criado em 1830, o Ministério Público sofreu diversas transformações ao longo dos últimos 200 anos. Integram-no a Procuradoria-Geral da Nação, a Defensoria do Povo e as Personerias Municipales.

A chefia do Ministério Público cabe ao procurador-geral da Nação, escolhido pelo Senado a partir de uma lista tríplice formada por indicações do Poder Executivo, do Poder Judiciário e do Conselho de Estado. Seu mandato é de quatro anos, admitida a recondução irrestrita.

A Procuradoria-Geral da Nação, órgão autônomo e componente do Ministério Público, exerce funções de controle externo da administração pública e de defesa dos cidadãos contra abusos cometidos por governantes, servidores públicos, particulares no exercício de atividades públicas. Nele se concentram poderes que, no Brasil, caberiam ao Ministério Público (intervenção obrigatória em processos penais, ambientais, agrários, de família e laborais) e à Controladoria-Geral da União (funções disciplinares em face de servidores públicos).

Ressalve-se que a Controladoria-Geral da República colombiana tem funções parcialmente equivalentes a nosso Tribunal de Contas da União. Apesar do nome, não é integrante do Poder Executivo, e sim um órgão auxiliar do Congresso da República da Colômbia.

A Defensoria do Povo, igualmente inserida no conceito de Ministério Público, exerce funções da Ouvidoria de Justiça portuguesa e parcialmente do Ministério Público brasileiro. Cabe-lhe a defesa dos direitos humanos perante os órgãos administrativos e também de receber as representações dos cidadãos por ofensa a seus direitos. Não tem equivalência com a Defensoria Pública brasileira.

As Personerías são órgãos que atuam perante municípios e distritos, com funções de controle externo, além de defender os direitos humanos, velar pelo interesse público e fiscalizar a conduta de servidores desses entes.

Por sua vez, a Fiscalía General de la Nación exerce as funções que seriam, no Brasil, do Ministério Público quando este atua como titular da pretensão punitiva do Estado. Suas principais atribuições são: a) exercer a titularidade da ação penal; b) dirigir e coordenar as funções da polícia judiciária e; c) velar pela proteção das vítimas, testemunhas e intervenientes no processo[8].

A chefia do órgão cabe ao fiscal general da Nación. O atual titular da Fiscalía é um ex-juiz da Corte Constitucional, o que demonstra a relevância que o órgão assumiu desde sua criação em 1991. Note-se que a Fiscalía é um ente autônomo, embora com vinculação ao Poder Judiciário.

O ingresso na carreira dá-se por meio de concurso público nacional.

4. A advocacia
Um país com mais de 70 faculdades de Direito, o segundo curso mais procurado pelos estudantes que ingressam na universidade. Conforme dados de 2011, em termos proporcionais, uma pesquisa do Centro de Estudos da Justiça das Américas revelou que esse país tem 1 advogado para 354,4 habitantes. É o segundo maior número das Américas Central e do Sul, além do Caribe. Comparado com a Europa, equivale à Itália, o campeão continental, que possui 1 advogado para 354,4 habitantes[9].

Esse país não é o Brasil, e sim a Colômbia. Críticas e percepções tão corriqueiras no Brasil sobre o excesso de advogados, a baixa qualidade dos profissionais e as deficiências de formação também podem ser encontradas amiúde na Colômbia.

Além dessa semelhança, outro ponto une os dois países: a advocacia é tanto um meio de legitimação para o exercício de importantes funções do Estado, embora isso esteja paulatinamente sendo alterado, quanto um instrumento de aquisição de cidadania por milhares de pessoas oriundas das classes inferiores e que encontram no título de abogado uma forma de acesso ao status de cidadão.

O marco jurídico da advocacia na Colômbia é o Decreto 196, de 1º de março de 1971, que baixou o Estatuto do Exercício da Advocacia. Diferentemente do que ocorre no Brasil, advogado é o título de quem possui o título de bacharel em Direito e for inscrito nessa profissão. Daí ser muito comum o uso da palavra abogado para se referir ao equivalente brasileiro a um graduado em Direito. A inscrição como advogado é algo relativamente simples e dá-se perante o Poder Judiciário, abrindo-se um prazo para oposição de terceiros, que poderão levantar razões para o não deferimento do pedido.    

O ius postulandi é privativo dos advogados, salvo em relação a causas de valor ínfimo, ao direito de petição, a processos trabalhistas e outros casos menos relevantes.

Exige-se que, nos dois últimos anos do curso de Direito, as faculdades organizem núcleos de prática jurídica, de modo a que os alunos tenham atividades que lhes permitam ter experiência em matéria administrativa e judicial.

Não existe uma estrutura autárquica como a Ordem dos Advogados do Brasil. Seu equivalente mais aproximado é o Colégio Nacional de Advogados.

***

Encerra-se hoje o estudo da Colômbia, que apresenta tantos pontos em comum quanto assimétricos à realidade brasileira.

E, com isso, deixa-se a América do Sul, cujos dois representantes escolhidos — Chile e Colômbia —, cada um a seu modo, representam as duas mais bem-sucedidas experiência de formação jurídica em língua espanhola nos dias de hoje.

Na próxima coluna, a África será objeto de nosso estudo, por meio de uma nação-irmã e lusófona, Angola.


[1] DUMEZ ARIAS, Juan Manuel. El juez de la jurisdicción ordinária. Maestría em Derecho. Universidad Nacional de Colombia: Facultad de Derecho, Ciencias Políticas y Sociales, Bogotá, 2013. P. 57.
[2] DUMEZ ARIAS, Juan Manuel. Op. cit. p. 62-64.
[3]ENGELMANN, Fabiano; BANDEIRA, Júlia Veiga Vieira; PERES PERDOMO, Rogélio. Elites judiciais e independência do Poder Judiciário na América Latina: Uma proposta de análise. VIII Congresso Latino Americano de Ciência Política. Associación Latinoamericana de Ciencia Politica –ALACIP. Lima: julho, 2015.p.18. Disponível em: https://www.academia.edu/13510587/Elites_judiciais_e_independ%C3%AAncia_do_poder_Judici%C3%A1rio_na_Am%C3%A9rica_Latina_uma_proposta_de_an%C3%A1lise. Acesso em 17-11-2015.
[4] Dados extraídos de: http://www.eltiempo.com/archivo/documento/CMS-12517830. Acesso em 17-11-2015.
[5] ENGELMANN, Fabiano; BANDEIRA, Júlia Veiga Vieira; PERES PERDOMO, Rogélio. Op. cit. p.18-19.
[6] GUEVARA, Carolina. Independencia judicial. El caso de la Corte Suprema de Justicia Colombiana. Revista de Derecho: Universidad del Norte. Barranquilla, Colombia, n. 35, p.145-179, ene.-jun. 2011. p.160.
[7] GUEVARA, Carolina. Op. cit. p. 161-163.
[8] Disponível em: http://www.fiscalia.gov.co/colombia/la-entidad/funciones/. Acesso em 17-11-2015.
[9] Disponível em: http://www.cej.org.co/index.php/todos-los-justicometro/2586-tasa-de-abogados-por-habitantes-encolombia-y-el-mundo. Acesso em 17-11-2015.

quinta-feira, 12 de novembro de 2015

Como se produz um jurista? O modelo colombiano (parte 32)

 

 

Por Otavio Luiz Rodrigues Junior

 

O currículo dos cursos jurídicos colombianos
Dando sequência à série de colunas sobre a formação dos juristas na Colômbia, convém iniciar o exame da matriz curricular das faculdades de Direito.

Assim como em vários outros países, as universidades colombianas possuem uma maior liberdade na composição dos conteúdos curriculares, o que é especialmente notável no Direito.

Na Universidade dos Andes, a melhor do país, o curso divide-se em três eixos: 1) contextualização, correspondente a um ciclo de matérias propedêuticas; 2) formação jurídica, com disciplinas preponderantemente técnico-jurídicas; 3) concentração, no qual o aluno se volta para uma especialização formativa, que pode ocorrer em áreas como Direito do Trabalho; Direito Internacional; Direito Penal; Processual Penal e Criminologia; Direito Privado; Direito Processual; Direito Público Administrativo; Direito Público Constitucional; Teoria Jurídica, e, por último, Constituição e Democracia. O número mínimo total de créditos cursáveis é de 180.[1]

O ciclo de contextualização tem duração de dois semestres e compõe-se de 11 disciplinas. É possível que o aluno aproveite disciplinas (ou as curse nesses dois semestres) do chamado “Ciclo Básico Uniandino”, formado por matérias oferecidas nas faculdades de Economia, Filosofia, Ciência Política, História, Antropologia e Psicologia, de entre outras como Matemática, neste último caso com o preenchimento de um pré-requisito.

As disciplinas do ciclo de contextualização são, no primeiro semestre: a) Introdução ao Direito; b) Lógica e Retórica; c) Teoria Geral do Estado; d) Estatística ou Contabilidade e Análise Financeira; e) disciplinas eletivas do chamado Ciclo Básico Andino (CBU), em um total de 19 créditos. No segundo semestre, com um total de 15 créditos, têm-se: a) Sociologia Jurídica; b) Direito Romano; c) Hermenêutica Jurídica; d) disciplinas eletivas do CBU; e) espanhol.

O ciclo de formação jurídica é formado por 28 matérias, distribuídas por cinco semestres e meio (três anos), correspondendo ao período do segundo ao quarto ano do curso de Direito. Aqui o nível de escolha do aluno é quase inexistente, além de serem exigidos pré-requisitos para várias disciplinas. Não é possível a antecipação de matérias para cujo conhecimento se faz necessário concluir outras de conteúdo condicionante. A disciplinas estão assim distribuídas por semestre letivo:

a) 3º semestre: História das Instituições Jurídicas; Obrigações 1; Propriedade e Direitos Reais; Direito Constitucional e uma disciplina intitulada “Juiz e Interpretação”.

b) 4º semestre: Teoria Jurídica; Obrigações 2; Legislação e Políticas Públicas; Direito Internacional 1.

c) 5º semestre: Procedimentos (Processo 1); Direito Comercial; Direito Público Administrativo (Administrativo 1); Direito Penal; Relações Trabalhistas; Direito Comparado.

d) 6º semestre: Provas (Processo 2); Contratos; Argumentação em Processos Cíveis; Direito Penal Especial; Proteção ao Trabalhador.

e) 7º semestre: Ética Profissional; Relações Familiares; Argumentação em Processos Penais; Direito Societário; Processos Executivos e Declaratórios; Contratos Estatais (Administrativo 2)

f) 8º semestre: Títulos de Crédito; Ações Públicas (Administrativo 3), Direito Internacional 2. Aqui o aluno pode cursar mais três disciplinas facultativas das áreas de concentração do terceiro ciclo, como uma forma de “degustar” a área na qual ele se “especializará” na próxima etapa.

O último ciclo, dito de concentração, é cursado pelo estudante após decidir em qual área do Direito ele direcionará sua formação no final da graduação. Trata-se de uma experiência comum em algumas faculdades de Direito do Brasil desde os anos 1990 e que foi adotada no antigo currículo da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. Na concentração também existem disciplinas de Prática Jurídica e de Pesquisa Jurídica.

A concentração assim se divide:

a) 9º semestre: Prática Jurídica 1; três disciplinas eletivas dentro da área de concentração (Direito Privado, Direito Público, Direito Processual etc); Uma matéria CBU; Um Seminário de Pesquisa Dirigida. É necessário, nesta fase, comprovar a proficiência em um idioma estrangeiro.

b) 10º semestre: Prática Jurídica 2; Pesquisa Dirigida; Quatro disciplinas de escolha livre; Uma matéria CBU.

O curso de Direito da Universidade dos Andes também oferece disciplinas jurídicas para estudantes de outras faculdades. Por exemplo, alunos de Engenharia, Desenho e Música podem matricular-se em cadeiras como Direito do Autor, Propriedade Industrial e Direito e Indústria da Cultura. Os alunos de Administração, Economia e Engenharia podem cursar Direito Comercial, Relações Trabalhistas, Direito Tributário, Direito Societário, Direito da Concorrência, Propriedade Industrial e Direito Internacional 2, por exemplo. Os estudantes de Ciências Social têm a faculdade de cursar Introdução ao Direito, Teoria Geral do Estado e Direito Constitucional, de entre outras.[2]

A distribuição entre disciplinas obrigatórias e optativas dá-se com preponderância às primeiras. No chamado “ciclo de contextualização” colombiano, dá-se algo muito semelhante ao que ocorreu no Brasil com as reformas educacionais dos anos 1960-1970, durante a ditadura militar, quando se pretendeu copiar o modelo das universidades norte-americanas e criou-se o chamado “ciclo básico”, no qual os estudantes cursavam disciplinas de diferentes unidades e circulavam pelo campus para esse fim.[3] Era comum um estudante de Direito brasileiro matricular-se em Cálculo, Introdução à Economia ou Filosofia e acompanhar essas disciplinas com colegas de engenharia, economia ou filosofia.

A atribuição do último ano e de parte do oitavo semestre para que o aluno especialize sua formação, como já informado, fez parte da experiência de muitos currículos de faculdades de Direito (especialmente das públicas) brasileiras dos anos 1990. Por razões que ainda precisam ser investigadas de modo metodologicamente adequado, essa experiência foi abandonada. Uma hipótese para isso está na luta predatória que ocorre nas instituições pela criação de novas disciplinas ou na transformação destas em obrigatórias, pois isso implica, especialmente nas universidades públicas, um efeito imediato na distribuição interna dos cargos de docentes. Mas, isso é outro problema e bem que poderia ser tratado em uma coluna específica. Às vezes, as boas intenções escondem interesses nada confessáveis na formação das matrizes curriculares.

A ideia da especialização é muito interessante e se coaduna com a experiência europeia. Mas, no caso colombiano, ela vem acompanhado de um elemento que não goza de muita simpatia estudantil no Brasil: a exigência de pré-requisitos para as disciplinas.

O professor de Direito na Colômbia
Da mesma maneira que nos demais países nos quais convivem instituições públicas e privadas de ensino superior, não é possível estabelecer um quadro uniforme de estrutura de carreira ou de remunerações. No entanto, alguns dados podem ser apresentados e examinados.

Na Universidade Nacional da Colômbia, a maior instituição estatal do país, a carreira docente assim se estrutura, dos níveis mais baixos aos mais altos: a) Instrutor Assistente; b) Instrutor Associado; c) Professor Auxiliar; d) Professor Assistente; e) Professor Associado; f) Professor Titular. Os docentes universitários são servidores públicos, submetidos a regime especial, não se submetendo às regras gerais de remoção e dos demais servidores públicos, mas exclusivamente pelo Estatuto do Pessoal Docente, de 18.6.1986, com suas modificações posteriores.[4]

O instrutor e o instrutor assistente exercem funções sob orientação de um professor assistente, associado ou titular, as quais compreendem a participação de seminários e a vinculação a programas de pesquisa. Os professores assistente, associado e titular possuem amplas possibilidades de atuação, com a orientação de trabalhos de pesquisa, elaboração de textos, participação em grupos de pesquisa, ministração de aulas, atuação em órgãos universitários de caráter administrativo. Aos associados e titulares é reservada a função de direção de grupos de pesquisa e a regência de turmas de pós-graduação.

Diferentemente do Brasil, não há um regime de estabilidade permanente. Ela varia no tempo conforme a posição na carreira e varia de um ano (Instrutor Assistente), dois anos (Instrutor Associado e Professor Auxiliar), quatro anos (Professor Assistente e Professor Associado), até cinco anos para Professor Titular, levando-se em conta a avaliação periódica de seu desempenho.

Os regimes de trabalho também são variáveis, assim distribuídos: a) regime de cátedra — máximo de 12 horas semanais; b) regime de turno parcial — máximo de 20 horas semanais. Nesses dois regimes é possível a acumulação da docência com cargos públicos ou privado, com atividades privadas (advocacia, por exemplo) ou ser parte em contratos com a Administração Pública, salvo com a própria universidade. Existem ainda o (c) regime de turno completo — máximo de 40 horas semanais. Neste caso, a docência é incompatível com o exercício de atividades profissionais em horários que interfiram na jornada de trabalho fixada pela universidade. Se este docente atuar em outra universidade, ele só poderá ter na outra instituição, no máximo, o equivalente a 50% da carga horária em sala de aula na Universidade Nacional da Colômbia. Finalmente, tem-se o (d) regime de dedicação exclusiva, com o máximo de 44 horas semanais. Neste regime, dá-se a total incompatibilidade com o exercício de atividades em horários que interfiram com a jornada fixada pela universidade. É vedado ao professor lecionar ou ser pesquisador em outra universidade pública ou privada.

Conforme dados de 2013, a Faculdade de Direito da Universidade Nacional da Colômbia, na sede de Bogotá, possuía 74 professores, correspondentes a 3,86% do total de docentes da universidade naquele município. Em termos de regime de trabalho, a distribuição era a seguinte: a) cátedra – 36; b) turno parcial – 4; c) turno completo – 28; d) dedicação exclusiva – 6.[5]

A pirâmide hierárquica, na Faculdade de Direito, é também muito acentuada: a) 5 instrutores associados; b) 14 professores assistentes; c) 49 professores associados; d) 6 professores titulares. Quanto à formação acadêmica, em 2013, havia 27 doutores, 24 mestres, 16 especialistas e 7 graduados. [6] A distribuição por gênero era de 10 mulheres e 64 homens. Em toda a sede universitária de Bogotá, havia 613 docentes do sexo feminino e 1345 docentes do sexo masculino.

Em 2013, a remuneração média docente em valores brutos na Universidade Nacional da Colômbia era a seguinte, conforme a respectiva classe na carreira: a) Instrutor assistente — 1,676,152 pesos colombianos (equivalentes a R$2.185,91 ou US$579,78); b) Instrutor associado — 2,142,123 pesos colombianos (equivalentes a R$2.793,60 ou US$740,96); c) professor auxiliar — 3,638,789 pesos colombianos (equivalentes a R$4.745,44 ou US$1.258,65); d) professor assistente — 3,959,186 pesos colombianos (equivalentes a R$5.163,27 ou US$1.369,47); e) professor associado — 5,154,145 pesos colombianos (equivalentes a R$6.721,65 ou US$1.782,81); f) professor titular — 8,855,713 pesos colombianos (equivalentes a R$11.548,96 ou US$3.063,17).

Esses níveis remuneratórios, se comparados com o setor privado, são superiores a maior parte das demais faculdades, com exceção de poucos cursos de elite.

Tem crescido o discurso em prol do monoprofissionalismo docente. No entanto, essa questão esbarra, assim como no Brasil, nos níveis remuneratórios baixos em face de outras profissões da iniciativa privada. A quantidade de docentes em regime de dedicação exclusiva é pouco significativa nas instituições públicas.

A representação social do professor de Direito é ambígua. Permanece o respeito pelos grandes professores titulares e há uma simbiose entre a docência e a atividade profissional pública ou privada, conforme seja compatível com o regime de trabalho. No entanto, como carreira monoprofissional ainda não se apresenta, ressalvadas as faculdades privadas de elite, como uma opção universalizável na Colômbia.

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Na próxima coluna, encerrar-se-á a série sobre a Colômbia e, também, o exame dos modelos da América do Sul.