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sexta-feira, 27 de maio de 2016

Como se produz um jurista? O modelo chinês (Parte 45)

1. Sobre lobos e cordeiros
Aos 12 de fevereiro de 1912, Pu-Yi, o imperador da China, Filho do Céu, Senhor dos Dez Mil Anos, abdicou do trono, por meio de um decreto, redigido por sua mãe, a imperatriz-consorte, no qual ele afirmava: "O país inteiro tende em direção a uma forma republicana de governo. É a vontade do Céu e é certo que Nós não poderíamos rejeitar o desejo do povo por uma questão de honra e glória de uma família. Nós, o Imperador, entregamos a soberania ao povo. Nós decidimos que a forma de governo será uma república constitucional. (...) Nós nos retiraremos a uma vida pacífica e esperamos desfrutar o respeitoso tratamento da nação".

Pu-Yi continuaria, graças ao acordo celebrado por sua mãe, com o título simbólico de "imperador da Cidade da Paz Celestial", enquanto a China iniciaria sua vida republicana após haver sido governada por reis e imperadores desde 3.500 antes de Cristo. A última dinastia, Qing, oriunda da Manchúria, empolgara o poder em 1644, quando derrotou a dinastia Ming. Os manchus tomaram o gigantesco império Ming após 30 anos de combates. Eles eram a prova da tese de Edward Said, no sentido de que os grandes impérios nascem e caem por meio de um processo histórico previsível: o núcleo governativo corrompe-se e degenera em razão do conforto e dos luxos da vida cortesã e é substituído por tribos ou hordas de regiões imperiais periféricas ou além de suas fronteiras, compostas por pessoas rudes e ascéticas, cuja disciplina e frugalidade conseguem dobrar os antigos senhores.

Os manchus, como descreveu Will Durant, entraram na China como lobos e, à vista do mansueto decreto de abdicação de Pu-Yi, deixaram o poder como cordeiros.

2. Os novos imperadores vermelhos
O país viveu desde 1912 sob regimes alternados de anarquia político-militar, governo corrupto de Chiang Kai-shek, ocupação imperial japonesa, guerra civil entre nacionalistas e comunistas, até a vitória das forças vermelhas sob a liderança de Mao Tsé-Tung em 1949.

Sun-Yat-Sen, primeiro presidente da República da China, mas sua administração durou muito pouco. Os acordos que levaram à queda da monarquia terminaram por conduzir a sua substituição, ainda em 1912, pelo general Yuan Shikai. Este último era oriundo da baixa nobreza e ingressou no Exército após o fracasso nos exames imperiais para o mandarinato, um meio de acesso à elite governamental na China havia séculos. Astucioso e muito hábil, ele ocupou cargos relevantes na dinastia Qing, até que traiu o regime e aliou-se à revolta militar dos republicanos, embora haja sido enviado pelo governo para combater os rebeldes. Sua traição foi decisiva para o fim da monarquia e seu preço devidamente cobrado em 1912.

Os sonhos de Yuan Shikai eram mais ambiciosos do que ser presidente da frágil República da China.  Em 1915, ele restaurou a monarquia, foi proclamado imperador e criou, de modo frustrado, uma nova dinastia, que não conseguiu sobreviver até o ano seguinte.

O Partido Nacionalista, fundado por Sun-Yat-Sen, reorganizou-se na década de 1920. No Ocidente, o partido é mais conhecido pela expressão Kuomintang e seu líder Chiang Kai-Shek ganhou fama mundial após haver vencido os senhores da guerra das principais províncias chinesas e expulsado os comunistas. Kai-Shek tentou reorganizar o país sob bases ocidentalizadas, com apoio norte-americano e britânico, até que seus planos frustraram-se com a violenta invasão do Exército Imperial japonês, que massacrou milhões de chineses nos anos 1930-1940.

Após a derrota dos japoneses, Chiang Kai-Shek enfrentou o Exército Popular, liderado por Mao Tse-Tung, o principal condutor do Partido Comunista Chinês, embora ambas as facções já lutassem pelo controle do país enquanto tentavam expulsar o invasor japonês no período de 1937 a 1945. Mesmo com apoio bélico e militar dos Estados Unidos da América, Chiang Kai-Shek não conseguiu fazer frente aos comunistas e teve de exilar-se na ilha de Taiwan, para onde transferiu a República da China, a qual, até os dias atuais, permanece com esse nome, a maior parte do mundo não mais lhe reconheça a titularidade da soberania chinesa. O  Kuomintang tem como ponto programático a retomada da China continental, embora isso hoje não passe de uma quimera, o que levou parte dos políticos de Taiwan a buscarem uma nova identidade nacional.

Mao Tsé-Tung e seu grupo correspondiam, ainda que em bases diferentes, à descrição do processo histórico de agentes da periferia que empolgam o poder central, até então dominado por degeneração, luxo e corrupção. Oriundo da etnia majoritária da China, alheio, portanto, à elite manchu, filho de camponeses, Mao Tsé-Tung educou-se à ocidental, no alvorecer da República, abraçando o comunismo desde a fundação do partido.

Com uma política de reforma agrária, modernização industrial e de ruptura com o passado monárquico e com o Kuomintang, o regime comunista chinês, no final dos anos 1950, afastou-se da matriz soviética e concebeu uma forma particular socialismo, que passou à história como maoísmo. Nos anos 1960, enquanto o Ocidente e os países da Europa Oriental, sob domínio soviético, eram varridos por rebeliões estudantis, Mao Tsé-Tung deu início à chamada Revolução Cultural. Nesse período, muitas das lideranças do Partido Comunista chinês foram destituídas e enviadas para campos de reeducação, quando não foram submetidas a julgamentos sumários e condenadas à morte. Curiosamente, muitos dos filhos e netos dos chefes partidários caídos em desgraça nos anos de 1966-1969 lideraram a abertura da China contemporânea para o capitalismo.

Nos anos 1980, com Deng Xiaoping, a China iniciou um gradual processo reforma das instituições econômicas, enquanto mantinha rígido controle político interno por meio do Partido Comunista. As assimetrias entre a abertura econômica e a manutenção do status quo político levaram a movimentos de contestação ao regime. No entanto, por diversas razões, uma delas o processo de transferência da base industrial do Ocidente para a China, em busca de mão de obra barata, e uma estratégia de desenvolvimento nacional conduzida pela liderança chinesa, o país experimentou crescimento exponencial de seu produto interno bruto. 

A China contemporânea é a segunda economia mundial, com projeções para ultrapassar os Estados Unidos em alguns anos, embora ocupe 90º lugar no índice de desenvolvimento humano e 84º lugar em renda per capita. Com diversos problemas ecológicos, sociais e  políticos, ao exemplo de restrições à liberdade de imprensa e um regime partidário não democrático, as conquistas chinesas impressionam em diversos campos da economia, da saúde e da educação, especialmente para um país que era, há pouco mais de duas décadas, associado à pobreza e ao subdesenvolvimento.

Os imperadores vermelhos recolocaram, a um custo que a História ainda não avaliou, o Império do Centro em uma posição de importância no contexto internacional que há séculos seria impensável.  

3. Educação no Império do Centro
A educação é um ponto chave na transformação chinesa. O país tem hoje um invejável índice de 96,4% de pessoas alfabetizadas. Sua população universitária é a maior do mundo.

Nesse aspecto, é interessante retomar a tradição chinesa do mandarinato e a importância das provas de acesso à burocracia imperial, tal como descrito em uma das primeiras colunas desta série:

"O Império da China era governado 'de cima para baixo por uma burocracia confuciana, recrutada com base no sistema de exames que talvez seja o mais exigente de toda a história'. De fato, 'aqueles que aspiravam a uma carreira no serviço imperial tinham de se submeter a três etapas de exaustivas provas realizadas em centros de exame constituídos especialmente para essa finalidade, como aquele que ainda hoje pode ser visto em Nanquim: um enorme complexo murado contendo milhares de minúsculas celas um pouco maiores que o lavatório de um trem'. Nesses lugares tão estreitos, 'o único movimento permitido era a entrada e saída de funcionários para repor comida e água, ou recolher dejetos humanos'. Alguns dos postulantes, 'ficavam completamente loucos sob a pressão'.[1] 

Essa descrição dos exames para ingresso no serviço do Senhor dos Dez Mil anos, o Filho do Céu, o imperador da China, nos tempos da dinastia M'ing, é interessante para se comprovar que, mesmo com séculos e quilômetros de distância, a mística dos exames admissionais integra a cultura de diferentes povos. E ela vem sempre acompanhada de um momentum, um curto hiato de tempo no qual os candidatos têm de demonstrar sua capacidade para vencer o desafio imposto por examinadores. Seria este o coroamento de anos de preparação, com a abertura de um pedaço do céu para os vencedores e a oferta de uma vida mais perigosa e incerta para os derrotados".

Durante séculos, a formação da burocracia imperial dava-se por meio de comprovação de conhecimentos tidos como essenciais na sociedade chinesa, em geral pautados pelo ideal do confucionismo. Da mesma forma que no Império Otomano, em relação à burocracia e às forças militares, esse modelo gerou uma série de problemas políticos, administrativos e um sério atraso nos campos de tecnologia e de inovação. Se, por um lado, sua conservação permitiu uma enorme longevidade ao regime monárquico chinês, ao mesmo tempo foi determinante para sua lenta e inexorável decadência, que se acentuou no século XIX, com o avanço das potências ocidentais sobre o território e a soberania nacionais. Em poucas décadas, a monarquia perdeu a legitimidade social e política, vindo a ser substituída por meio século de governos ditatoriais e guerras civis.

Mesmo com a violenta transformação da sociedade chinesa no último século, especialmente após o comunismo, percebe-se que o mandarinato, o confucionismo e a visão hierárquica da educação permaneceram no inconsciente coletivo. Exemplo disso está na maneira como o ensino superior foi encarado por muitos segmentos sociais: um fator de status e de ascensão, quando, nos anos 1970, as universidades foram reabertas. Não há um direito fundamental ao acesso à educação superior e sim uma ampla política de competição dos jovens que desejam nele ingressar, seja por limitações óbvias em um país com 1,357 bilhões de habitantes (dados de 2013), seja por uma política de recrutamento dos melhores.  

Nos dias atuais, o ensino superior na China deixou de ser um passaporte exclusivo para a ascensão social. As exigências aumentaram, ao exemplo do domínio por línguas estrangeiras, e a segmentação entre escolas de elite e escolas comuns, além da valorização dos profissionais que tiveram parte ou toda a formação superior (graduação e pós-graduação) em universidades estrangeiras de prestígio. Os modelos de formação ainda se centram em valores como disciplina, domínio de conteúdos e estudo sério, controlável por meio de exames e avaliações constantes, que definem o futuro dos alunos. Evidentemente que esses pontos hoje estão sob o escrutínio da crítica internacional. A ênfase na memorização e em modelos standard são os alvos preferenciais dessas restrições. No entanto, esses pontos não podem ser dissociados do confucionismo, o mandarinato e a hierarquia, ainda que substituídos em seu conteúdo por novos valores, como o culto à figura de Mao (o imperador vermelho), ao ideário do Partido e à centralização decisória em todos os níveis.

4.Plano de exposição para as próximas colunas
Tratar da educação jurídica na China em poucas colunas semanais é algo profundamente difícil. Não há uniformidade do sistema educação, da remuneração dos docentes ou de sua formação, de currículos e outros aspectos que servem de parâmetro para um exame comparativo do Direito chinês e como são formados seus juristas em face de outros países já examinados nesta série. Com as necessárias escusas quanto a tantas limitações, entendeu-se, contudo, ser impossível não  apresentar ao leitor brasileiro ao menos algumas nuances sobre o estado-da-arte da matéria na segunda mais importante economia do mundo contemporâneo.

Com todas essas limitações, inicia-se hoje uma viagem ao complexo e milenar Império do Centro.

***  

A série de colunas sobre ensino jurídico chega esta semana à Ásia, após ter atravessado Europa, América, África e Oceania. É o último continente e a série aproxima-se de seu fim.

Faz tanto tempo que a coluna Direito Comparado trata do problema de "como se forma um jurista em alguns lugares do mundo?", que alguns leitores já se esqueceram que esta é uma coluna mais ampla e não apenas sobre Ensino Jurídico. Para muitos leitores, foi a oportunidade para um primeiro contato com os trabalhos do colunista. Trata-se de uma experiência que trouxe enorme satisfação e, mesmo com todas as falhas, tem-se prestado a discutir alguns mitos sobre Educação e Direito, além de informar e abrir um importante diálogo com a História. A promessa de que esse trabalho será reunido em um livro será cumprida. Até a próxima coluna!

 

[1] FERGUSON, Niall. Civilização: Ocidente versus Oriente. Tradução de Janaína Marcoantonio. 1. reimpressão. São Paulo: Planeta, 2012. p. 69.

domingo, 22 de maio de 2016

Practicing law not as fancy as it was in past (The Korea Times), mai 21 2016, 5





Practicing law not as fancy as it was in past
By Kang Hyun-kyung hkang@ktimes.com
The Korea Times
mai 21 2016

In Korea, l awyers had l ong been regarded as some of the most eligible bachelors, along with doctors and judges, partly because of the culture that celebrates academic accomplishments. A male lawyer was portrayed as a total package — someone who is...
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sexta-feira, 13 de maio de 2016

STJ autoriza penhora de bem de família (Valor Econômico ), mai 13 2016, 41





STJ autoriza penhora de bem de família
Beatriz Olivon
Valor Econômico
mai 13 2016

A 2a Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) permitiu a penhora de um imóvel de uso residencial e comercial (misto). No julgamento, os ministros levaram em consideração a possibilidade de desmembramento do bem, autorizada por lei municipal. O...
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quinta-feira, 12 de maio de 2016

Como se produz um jurista? O modelo neozelandês (Parte 44)

Por 

As profissões jurídicas na Nova Zelândia
Nesta coluna, encerraremos a série sobre a educação jurídica na Nova Zelândia, com especial atenção para a advocacia, a magistratura e o Ministério Público. A última seção será dedicada às conclusões sobre o modelo neozelandês.

A advocacia neozelandesa
A profissão de advogado na Nova Zelândia é regida pelo Lawyers and Conveyancers Act, de 2006, cuja versão atualizada foi objeto de republicação em 2015.[1] Trata-se de uma das mais completas legislações sobre o exercício profissional da advocacia de entre os países estudados nesta série de colunas.

A lei destina-se a regular a prestação de serviços jurídicos e a transmissão de propriedade, mas também à proteção dos "consumidores" desses serviços. Por lei, os advogados obrigam-se a respeitar o estado de direito, a auxiliar na administração da justiça, a manter sua independência e a agir com diligência e lealdade aos clientes.

É possível exercer a advocacia como âmbito público ou privado. Não há restrições, como no Reino Unido ou em França, à atuação dos advogados nos graus iniciais ou finais de jurisdição, desde que o profissional tenha o título de advogado. Não existem também limitações a que o advogado patrocine causas de diferentes áreas do Direito. Há privatividade no exercício da advocacia, o que impede a associação dos advogados com outros profissionais a fim de prestarem serviços de natureza múltipla.

No país ainda persiste a nomenclatura inglesa de barrister e solicitor, embora as fronteiras entre ambas sejam bem pouco relevantes na prática. Os barristers podem ser admitidos na classe de membro do Queen's Counsel, uma honraria muito respeitada no país.

Para exercer a profissão, o interessado deverá preencher um formulário específico, com seus dados pessoais, sua experiência na área e a indicação de onde atuará, dirigido à Law Society da Nova Zelândia. Não há uma prova de admissão, como se dá no Brasil, o que se justifica pelo pequeno número de faculdades e pelo controle da formação dos bacharéis em Direito, submetido ao Conselho de Educação Jurídica da Nova Zelândia. A inscrição na Law Society, diferentemente do que ocorre no Brasil, não é obrigatória. Pode-se atuar como advogado sem ser membro da Law Society.

Uma vez recebido o formulário com o pedido de inscrição profissional, aLaw Society poderá indeferir o pedido, caso considere que haja razões relevantes para tal. Nessa hipótese, é ainda possível uma fase de complementação de informações e a reabertura do processo de exame do requerimento. O interessado terá direito ao contraditório e, se mantido o indeferimento, poderá recorrer da decisão ao Tribunal de Ética.

A advocacia pública neozelandesa compete ao Crown Law Office, que possui funções de consultoria jurídica aos órgãos estatais e de defesa judicial do Estado nos graus judiciários superiores. Acumulam-se essas funções que seriam típicas da Advocacia-Geral da União com o acompanhamento das ações criminais, o que equivaleria ao papel do Ministério Público no Brasil.[2]

A magistratura e o Ministério Público na Nova Zelândia
Ser um juiz na Nova Zelândia é uma função socialmente respeitável. Não há, porém, a figura do concurso público, como se dá no Brasil. Compete ao governador-geral fazer as nomeações judiciais, a partir de indicações feitas pelo procurador-geral. Na prática, os futuros magistrados são renomados professores ou advogados e a escolha inicial recai no Poder Executivo. Os níveis mais altos da magistratura neozelandesa (Suprema Corte, Tribunal de Recursos e Tribunal Superior) seguem idêntico modelo, com a participação na formação das listas dos chief justice e de magistrados decanos dessas cortes.[3]

Embora as nomeações judiciais são feitas pelo Executivo, não há contaminação política ou quotas ligadas aos dois principais partidos majoritários da Nova Zelândia. O recrutamento dos magistrados tradicionalmente fazia-se de entre os advogados com atuação nos tribunais. Nos últimos dez anos, houve uma maior diversificação na origem dos juízes, no entanto, é condição essencial a prova do exercício da advocacia por um período mínimo de tempo. Para a High Court, por exemplo, esse lapso é de sete anos. Todo o processo de recrutamento é costumeiro e não se baseia em regras escritas.[4]

A Suprema Corte da Nova Zelândia, o tribunal supremo do país, é composta por, no máximo, seis magistrados, conforme o Supreme Court Act 2003, sendo cinco juízes e um presidente (chief justice). Há previsão de aposentadoria compulsória aos 75 anos. Seus integrantes serão indicados de entre os membros dos tribunais superiores.[5]

O Ministério Público da Nova Zelândia é chefiado pelo general attorney(procurador-geral), cargo político que, em muitas legislaturas, é acumulado pelo ministro da Justiça. O segundo na cadeia hierárquica é o general solicitor da Nova Zelândia, ocupado por um técnico sem vinculação política. À semelhança do que se dava no Brasil antes de 1988, as funções do Ministério Público e de advocacia pública encontram-se unidas e realizam-se no âmbito do já referido Crown Law Office. O recrutamento de seus integrantes dá-se por meio de inscrição dos interessados, que são selecionados pelo órgão e seguem uma carreira própria. Atualmente, há 70 membros do Crown Law Office no país, os quais dão conta de ambas as atribuições constitucionais já mencionadas.

A remuneração dos juízes neozelandeses é pública e define-se por meio de um órgão central do governo, a remuneration authority.[6] Para o ano de 2015, esses valores encontram-se fixados no Judicial Salaries and Allowances Determination.[7] O mais alto cargo da justiça neozelandesa (chief justice) tem uma remuneração anual de 514 mil dólares da Nova Zelândia e uma verba de representação anual de 7,9 mil dólares neozelandeses. O juiz distrital, o mais baixo nível hierárquico da jurisdição comum, percebe 329 mil dólares neozelandeses, a título de remuneração anual, e 4,1 mil dólares neozelandeses, como verba anual de representação. São valores muito elevados, que se explicam pela quantidade reduzida de magistrados e pela necessidade de atrair os melhores quadros da advocacia. Dito de outro modo, trocar uma carreira bem-sucedida na advocacia pela magistratura é algo que deve ser financeiramente compensador. Essa perspectiva é ainda mais real quando se comparam essas remunerações com a do governador-geral, que é de 342 mil dólares da Nova Zelândia.[8]

Conclusão
O modelo jurídico neozelandês é absolutamente sui generis, por conciliar elementos do Direito costumeiro inglês, do Direito norte-americano e do próprio país. A estrutura dos cursos jurídicos conjuga esses dois modelos, mas possui uma instituição nacional de controle da formação dos bacharéis em Direito, que é o Conselho Nacional de Educação Jurídica.

A advocacia não apresenta os problemas típicos do Brasil, o que se explica pelo número reduzidíssimo de faculdades de Direito e pela força da Law Society, além de uma cultura de baixa litigiosidade na sociedade neozelandesa.

A magistratura segue o modelo inglês, com enorme prestígio e uma seleção sem concurso público. O Ministério Público não possui a autonomia típica do modelo brasileiro, muito menos o prestígio social equivalente.

A docência universitária é relativamente prestigiosa. Mas, não se equivale ao nível de representação social encontrável na Alemanha ou em Portugal.

O distante país da Oceania é um interessante campo de aprendizagem para o ensino jurídico, ainda que muitas de suas soluções sejam afetadas pelas peculiaridades sua insular condição. 

 

[2] Disponível em: http://www.crownlaw.govt.nz/. Acesso em 10-5-2016.

Como se produz um jurista? O modelo neozelandês (parte 43)

Por 

1. As faculdades de Direito neozelandesas  
Qualquer estudo sobre o ensino jurídico neozelandês é simplificado, ao menos em termos de análise quantitativa, pelo pequeno número de faculdades de Direito autorizadas no país.

Na origem das instituições de ensino superior, esteve a Universidade da Nova Zelândia, que funcionou de 1874 a 1961, na condição de única escola superior de natureza pública do país, mas com diversos campi no território neozelandês. No ano de 1961, deu-se seu fracionamento e, com isso, nasceram as atuais universidades, embora não todas em simultâneo. Hoje, a Nova Zelândia conta com as seguintes universidades: a) Universidade Tecnológica de Auckland; b) Universidade Lincoln; c) Universidade Massey; d) Universidade Auckland; e) Universidade de Canterbury; f) Universidade de Waikato; e g) Universidade Victoria de Wellington. Como adiantado na coluna anterior, nem todas possuem cursos jurídicos. As faculdades de Direito existentes são vinculadas às universidades de Auckland, Waikato, Wellington, Canterbury e de Otago, além de um curso jurídico vinculado à Universidade Tecnológica de Auckland.

De acordo com o ranking da consultoria internacional Quacquarelli Symonds (QS), limitado aos cursos jurídicos, as melhores faculdades neozelandesas são: a) Auckland; b) Canterbury; c) Otago; d) Victoria-Wellington; e e) Waikato[1]. A Faculdade de Direito da Universidade de Auckland está em 32º lugar na classificação das instituições mundiais[2].

Todas as faculdades de Direito são vinculadas a universidades públicas. No entanto, o financiamento dá-se por meio de cobrança de anuidades e taxas dos alunos, além de doações privadas e parcial custeio do governo da Nova Zelândia. De acordo com dados de 2013, o custo anual do sistema universitário do país é de 3,5 bilhões de dólares neozelandeses. Desse total, 40% são oriundos de receitas públicas, o que corresponde a 1,4 bilhões de dólares neozelandeses. Os 60% restantes são decorrentes da arrecadação de anuidades, taxas, direitos de propriedade industrial, consultorias e doações privadas. Os custos fixos com pessoal abrangem 60% do total gasto com o sistema[3].

2. Estrutura curricular da graduação em Direito
Na Nova Zelândia, diferentemente do que se dá em outros países de tradição jurídica de common law, tem-se uma diretriz curricular nacional mínima, firmada pelo Conselho de Educação Jurídica. São cinco as disciplinas que todo currículo universitário deve obrigatoriamente conter: a) Direito dos Contratos; b) Responsabilidade Civil; c) Direito Penal; d) Direito Público; e d)Property Law, que pode compreender diferentes conteúdos jurídicos em comparação com o Direito das Coisas de tradição de civil law, como Direito de Propriedade, contratos de transferência dominial, fundos e regras sucessórias. É curioso anotar que se considera uma grade mínima muito reduzida. Sua configuração atual data de 1987, quando se iniciou um processo de ampla desregulamentação administrativa no país, e, nesse âmbito, até os cursos jurídicos sofreram com essa ânsia por um "estado regulador mínimo"[4]. Não deixa de ser curioso quando, em muitos países do terceiro mundo, especialmente no Brasil, a defesa por matrizes curriculares com menos disciplinas obrigatórias seja um discurso que une tanto esquerdistas quanto liberais.

Outra mudança interessante, determinada pelo Conselho de Educação Jurídica, foi a introdução de um curso para os que concluem a graduação em Direito, com o seguinte conteúdo: a) deontologia geral e deontologia profissional, com análise de questões como conflito de interesses, confidencialidade, deveres de respeito à corte, deveres de fidelidade e de lealdade; e b) responsabilidade social do profissional do Direito. Esse curso é obrigatório para os que desejam habilitar-se para o exercício de profissão jurídica, especialmente a advocacia. Essa questão também evoca a experiência brasileira de introdução da ética profissional no Exame de Ordem e o esforço de inclusão dessa disciplina nas matrizes curriculares das faculdades de Direito. Seria muito conveniente que se fizessem estudos sobre o impacto das alterações curriculares para dar ênfase à ética profissional nos indicadores relativos às condutas infracionais.

Se existe uma diretriz curricular nacional na Nova Zelândia, tal norma não inibe que as faculdades de Direito organizem suas grades de modo singular. Veja-se o exemplo da Universidade de Auckland, a mais conceituada do país[5].

O bacharelado divide-se em quatro partes, correspondentes aos quatro anos do curso de Direito.  

Na parte 1, o aluno tem aulas de Direito e Sociedade (15 créditos) e Metodologia Jurídica (15 créditos), as duas disciplinas obrigatórias. Há uma disciplina de formação básica, denominada Educação Geral (15 créditos) e cinco disciplinas não jurídicas, cada uma com 15 créditos, o que perfaz um total de 75 créditos. Na parte 2, as obrigatórias são Direito Penal, Direito Público, Responsabilidade Civil, Direito dos Contratos, cada uma delas com 30 créditos, e uma disciplina de Pesquisa e Redação, de 10 créditos. O aluno pode cursar até 45 créditos de disciplinas jurídicas eletivas.  

Na parte 3, as obrigatórias são Land Law (componente da categoria mais geral Property Law, conforme a diretriz do Conselho de Educação Jurídica, com 20 créditos), Equity (disciplina típica do Direito de common law, que, na Nova Zelândia, corresponde ao estudo de casos práticos da jurisprudência local e inglesa sobre matérias de Direito Privado, com 20 créditos),Jurisprudence (equivalente a uma Teoria Geral do Direito, na qual se estudam temas como Direito Natural, Positivismo Jurídico, Realismo Jurídico, Sociologia do Direito, com 20 créditos) e Legal Ethics (deontologia jurídica voltada para as profissões 10 créditos). O aluno poderá escolher disciplinas jurídicas para cursar os 45 créditos restantes na parte 3 do currículo.

A parte 4 é composta de 110 créditos de disciplinas jurídicas eletivas e uma cadeira obrigatória de Prática Jurídica.

Na Universidade de Canterbury, a segunda melhor da Nova Zelândia, ao menos de acordo com o ranking QS, a estrutura curricular contempla oito disciplinas obrigatórias, 13 disciplinas jurídicas eletivas e 75 créditos mínimos por ano de disciplinas não jurídicas[6].

Antes que se façam comparações apressadas, é necessário destacar duas características peculiares dos cursos jurídicos neozelandeses, as quais definem essa correlação entre disciplinas obrigatórias e eletivas e entre as jurídicas e não jurídicas. Essa disposição interna da matriz não é sinônimo de superioridade, modernidade ou flexibilidade intrínseca do modelo da Nova Zelândia.

Em verdade, a primeira característica está na condição híbrida do modelo, que é fortemente influenciado pela Inglaterra e o País de Gales, mas que possui elementos típicos dos Estados Unidos. Disso decorre que o bacharelado em Direito (bachelor of Laws) é aberto para pessoas que cursaram ou desejam cursar outros bacharelados (Comércio, Artes ou Ciências), o que demanda uma maior abertura para disciplinas não jurídicas. Não se trata de uma preocupação com a interdisciplinaridade, mas com o aproveitamento das estruturas comuns dos diferentes bacharelados (mesmos professores, mesmas salas de aula) para receberem alunos de cursos de áreas diversas. Esse modelo seria, em um país com forte participação de instituições particulares no ensino superior, um paraíso para investidores privados, na medida em que poderiam colocar nas mesmas salas de aula os discentes de cursos superavitários com os de cursos deficitários (Direito, bem sabemos, estaria no primeiro grupo), economizando com pessoal e equipamentos.

A segunda característica está na existência de uma diretriz curricular nacional, diferentemente dos Estados Unidos e da Inglaterra, com uma quantidade muito reduzida de disciplinas obrigatórias, o que é resultado de uma fase de extrema desregulamentação do ensino superior, no final dos anos 1990, como já salientado. Essa distinção do modelo neozelandês torna difícil uma comparação qualitativa com o modelo brasileiro.

3. A pós-graduação em Direito na Nova Zelândia
Cada universidade define regras sobre o mestrado em Direito na Nova Zelândia. Na Universidade de Canterbury, o ingresso no mestrado depende dos seguintes requisitos: a) bacharelado em Direito ou equivalente, com boas notas; e b) comprovação do domínio da língua inglesa, especialmente para candidatos estrangeiros. Sua conclusão depende do cumprimento de três condições, de modo alternativo: a) cursar três disciplinas jurídicas; b) cursar duas disciplinas jurídicas e apresentar uma dissertação; e c) apresentar uma tese, o que implica dedicação integral às atividades de pesquisa. O mestrado poder durar dois anos, em regime de dedicação integral, ou quatro anos, em regime de tempo parcial[7].

Ainda em Canterbury, o doutorado exige a conclusão do mestrado ou que este se encontre em fase final de elaboração da dissertação. Os candidatos estrangeiros devem comprovar o domínio do idioma inglês. O doutorado em Direito corresponde ao título conhecido pela expressão doctor of philosophy(PhD), com o acréscimo na área jurídica na qual se fez a pesquisa. Nessa universidade, o doutorado tem duração de três a quatro anos, em regime de dedicação integral, período em que o aluno se insere em um grupo liderado por seu orientador[8].

O curso é dividido em "marcos", que correspondem a etapas definidas, em geral semestrais, de evolução do trabalho do doutorando. O primeiro marco é de definição do orientador, do tema e do estabelecimento de um calendário de encontros com o orientador. Aqui também se definem os recursos necessários para financiar ou dar suporte à pesquisa. O segundo "marco" dá-se após seis meses. Nessa fase, o orientador dá seu placet aos elementos inicialmente apresentados e discute alguns elementos da pesquisa.

O terceiro "marco" é uma fase de confirmação do doutorado. O aluno apresenta um relatório escrito sobre a pesquisa, no qual detalha a evolução de sua pesquisa e informa quais serão os próximos passos. Faz-se uma apresentação oral dos resultados iniciais, o que ocorre após dois meses do início desse "marco". O doutorando é avaliado por uma equipe. Após isso, o aluno poderá ser desligado do programa ou ter sua matrícula confirmada. Existe também a possibilidade de ser definido um reforço ao orientando, a fim de que ele supere dificuldades em seu trabalho de investigação.

O quarto "marco" compõe-se da apresentação do relatório que atesta o progresso do doutorando. Novamente, faz-se a avaliação do aluno, com aprovação pela autoridade competente e com as três possibilidades (desligamento, confirmação ou auxílio) do terceiro "marco". 

O quinto "marco" é uma espécie de qualificação da tese. Os examinadores dão pareceres sobre o trabalho no estado em que ele se encontra. É possível que o aluno, de modo fundamentado, apresente alguma objeção aos examinadores indicados.

O sexto "marco" é a defesa da tese, que pode ocorrer com examinadores presenciais ou por videoconferência. Aprovado o candidato, ele está apto a receber o título de doutor.  

A pesquisa científica está primordialmente concentrada na universidade. A pós-graduação em Direito não é um caminho dos mais prestigiosos, salvo para quem pretenda seguir a carreira acadêmica. Diferentemente do Brasil, ostentar títulos de pós-graduação não é um sinônimo de prestígio para advogados ou juízes. À semelhança da Inglaterra e do País de Gales, ser um eminente juiz, em termos de representação social, é suficiente para o acatamento público de uma pessoa como um jurista respeitado.

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Na próxima semana, dar-se-á sequência à série sobre a Nova Zelândia.


segunda-feira, 9 de maio de 2016

O ressarcimento de honorários advocatícios contratuais à luz do novo CPC

Por 

Uma das inovações do Código de Processo Civil de 2015 em relação à legislação processual anterior, de 1973, é a previsão expressa de que o titular do direito aos honorários de sucumbência fixados em sentenças é o advogado; e não a parte. Tal regra, que está de acordo com o que já previa o Estatuto da Advocacia (Lei 8.906/1994), afasta de uma vez por todas a possibilidade de a parte pleitear que a verba de honorários sucumbenciais lhe pertença, sob o argumento de que se trataria de indenização para o ressarcimento das despesas incorridas de honorários advocatícios contratuais para sua representação judicial, necessárias para buscar em juízo direito de que seja titular. Porém, diante disso, a parte teria alguma outra forma de pleitear o ressarcimento pelo pagamento dos honorários contratuais de seu advogado?

Com efeito, os artigos 389, 395 e 404 do Código Civil de 2002 preveem que, em caso de descumprimento de obrigação, as perdas e danos a que o credor terá direito deve incluir "honorários de advogado". Tal previsão não seria suficiente, portanto?

No entanto, o entendimento que tem prevalecido na atual jurisprudência é no sentido de que os honorários contratuais – que são aqueles contratados entre cliente e advogado – para a atuação judicial não integram as perdas e danos devidas pelo devedor ao credor. Essa nova orientação teve origem em decisão da 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, em julgamento ocorrido em junho de 2012, que decidiu que o exercício regular do direito de defesa, por parte do devedor, no processo, não tem o condão de gerar o dever de indenizar os honorários contratados pelo credor junto ao seu advogado para sua representação judicial.

Tal precedente limitou a possibilidade de ressarcimento de honorários advocatícios contratuais pela parte quando estes não se referem à própria atuação judicial. Ou seja, os honorários contratuais que poderiam integrar as perdas e danos seriam aqueles relativos ao serviço advocatício de assessoria ou mesmo de negociação para cobrança extrajudicial do crédito da parte; mas não para a representação judicial.

Essa decisão reformou orientação anterior do próprio STJ que, em decisão de 2011, havia decidido em sentido contrário, que "aquele que deu causa ao processo deve restituir os valores despendidos pela outra parte com os honorários contratuais, que integram o valor devido a título de perdas e danos".

Verifica-se, no entanto, a ocorrência de um já conhecido problema no Judiciário brasileiro, quanto à harmonização da jurisprudência, pois não obstante a clara orientação do STJ, ainda se observam decisões divergentes nos Tribunais Estaduais e Federais em relação à matéria.

No entanto, é interessante notar que mesmo a mais recente decisão do STJ parece ter deixado espaço para a possibilidade da parte eventualmente ter também direito ao ressarcimento dos honorários advocatícios contratuais referentes à representação judicial, quando a postura da parte contrária for além do mero exercício do direito de defesa, abusando deste, o que se verificaria, por exemplo, no caso de litigância de má fé. Embora tais circunstâncias específicas não se verificassem no caso sob julgamento e, por consequência, não tenham sido efetivamente examinadas e julgadas, o voto da ministra Nancy Andrighi teceu considerações exatamente nesse sentido, plantando uma semente nessa direção. Porém, tal semente aparentemente ainda não rendeu frutos, eis que ainda não há uma orientação segura da jurisprudência nesse sentido.

quinta-feira, 5 de maio de 2016

Bem de Família Ofertado


Por Flávio Tartuce

Bem de Família está situado no centro de importantes discussões do Direito Privado Contemporâneo.[1] Como é notório, o instituto recebe atualmente um duplo tratamento legislativo, tanto no Código Civil de 2002 quanto na Lei n. 8.009/1990.

De início, o Código Civil de 2002 disciplina o que convém denominar como Bem de Família Voluntário ou Convencional, aquele que é instituído por escritura pública ou testamento, que deve ser devidamente registrado no Cartório de Registro de Imóveis. O instituto estava previsto na Parte Geral do Código Civil de 1916, entre os arts. 70 a 73. O Código Civil de 2002 o deslocou para a Parte Especial, no livro que regulamenta o Direito de Família, entre os arts. 1.711 a 1.722, o que é plenamente justificável do ponto de vista metodológico.[2] Além da proteção da impenhorabilidade, o Código Civil de 2002 reconhece a inalienabilidade como regra do Bem de Família Voluntário, conforme o seu art. 1.717.[3] Nos termos ainda do Código Civil de 2002, as exceções à sua impenhorabilidade constam do art. 1.715, abrangendo as dívidas anteriores à instituição, as dívidas posteriores de tributos e as dívidas posteriores de condomínio.[4]

Além dessa modalidade, continua em vigor o tratamento que já constava da Lei n. 8.009/1990, cuja origem está no trabalho acadêmico de Álvaro Villaça Azevedo, Professor Titular da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, que desenvolveu os seus estudos a partir do conceito de homestead, do Direito Norte-Americano.[5]

Essa importante norma, com apenas oito artigos, mas enorme amplitude prática, protege, e de forma automática, o imóvel de residência da entidade familiar (Bem de Família Legal). A impenhorabilidade abrange os bens móveis que guarnecem a residência, desde que essenciais à família.[6] As exceções à impenhorabilidade constam do art. 3º da Lei n. 8.009/1990.[7]

Como se iniciou o presente artigo, várias são as polêmicas relativas ao Bem de Família, sobretudo quanto à última modalidade, que acaba por prevalecer na prática.[8] E é assim, porque o instituto está relacionado com uma das fundamentais necessidades do ser humano: a moradia.[9]Vejamos algumas dessas questões controvertidas que constituíram pano de fundo do recente cenário civilístico nacional.

Como primeira questão controvertida, pode ser citada a discussão acerca da proteção do imóvel em que reside pessoa solteira. O Superior Tribunal de Justiça acabou por consolidar o entendimento de que o fim teleológico da Lei n. 8.009/1990 não é proteger um grupo de pessoas, mas a pessoa: a sua dignidade e o direito constitucional à moradia, o que ampara a impenhorabilidade do imóvel de residência do solteiro.[10]

Outra aplicação prática a ser citada é que a jurisprudência tem ampliado o conceito de família para os fins da impenhorabilidade da referida lei. Isso porque, nos termos do art. 226 da Constituição Federal, a família seria decorrente do casamento, da união estável ou da entidade monoparental (constituída entra ascendentes e descendentes).[11]Reconhecendo que esse rol constitucional é meramente exemplificativo (numerus apertus), o Superior Tribunal de Justiça decidiu que o imóvel em que residem duas irmãs é Bem de Família e, portanto, impenhorável.[12]

Outra questão a ser comentada é que toda essa tendência de proteção da moradia é confirmada pelos julgados que apontam que mesmo o imóvel locado a terceiro é Bem de Família, desde que os seus aluguéis sejam utilizados para a locação de um outro, destinado à residência da família.[13]

Por fim, como último ponto de discussão recente, é fundamental salientar a que permeou o Supremo Tribunal Federal a respeito da inconstitucionalidade do art. 3º, inc. VII, da Lei n. 8.000/1990, pelo qual o fiador de locação pode ter o seu imóvel de residência penhorado. A inconstitucionalidade da norma já foi defendida por este autor, mas, infelizmente, o Pleno do Supremo Tribunal Federal entendeu pela sua constitucionalidade, por maioria de votos, diante da preocupação de proteção do mercado.[14]

A todas essas questões instigantes deve ser somado o debate acerca do oferecimento do bem de família à penhora pelo próprio devedor, o que pode ser denominado como a polêmica do Bem de Família Ofertado.

Pois bem, melhor explicando, imagine-se o caso em que um devedor, executado, ainda sem advogado constituído ou que lhe oriente, ofereça o próprio Bem de Família, imóvel de sua residência, à penhora.[15] Depois, devidamente orientado por seu procurador, o próprio devedor opõe embargos à penhora, alegando tratar-se de um imóvel impenhorável, por força da Lei n. 8.009/1990.

Surgem duas correntes bem definidas em relação ao tema.

Para uma primeira corrente, os embargos opostos pelo devedor devem ser rejeitados de imediato.

O primeiro argumento que surge está relacionada com aquela antiga regra pela qual ninguém pode se beneficiar da própria torpeza, corolário da boa-fé subjetiva, aquela que existe no plano psicológico, intencional (nemo auditur propriam turpitudinem allegans). Como reforço para esse primeiro argumento, surge a tese pela qual se deve dar interpretação restritiva à Lei n. 8.009/1990.[16]

O segundo argumento utilizado por aqueles que sustentam que os embargos do devedor devem ser rejeitados se houver o oferecimento do Bem de Família e posterior insurgência está fundado na alegação da vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium), que também mantém relação com a boa-fé, mas aquela de natureza objetiva, que existe no plano da lealdade dos participantes da relação negocial.[17] Esse entendimento já chegou a ser adotado pelo Superior Tribunal de Justiça para que os embargos do devedor fossem repelidos.[18]

Da ementa transcrita na última nota, aliás, decorre o terceiro argumento para se penhorar o Bem de Família Ofertado, o de que a proteção constante da Lei n. 8.009/1990 é passível de renúncia, pois está na parte disponível dos direitos pessoais.[19] Em suma e em outras palavras, trata-se de um justo e legal exercício da autonomia privada a renúncia a impenhorabilidade do bem de família, o que ocorre quando o devedor o oferece à excussão.[20]

Apesar dos notáveis esforços para amparar esses três argumentos, não há como com eles concordar, em hipótese alguma. E a premissa basilar para a tese contrária é aquela pela qual o Bem de Família Legal envolve um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia.

Ora, muito se tem dito a respeito da dignidade humana como propulsora da tendência de constitucionalização do Direito Civil e da possibilidade de aplicação das normas constitucionais protetivas da pessoa nas relações privadas (eficácia horizontal). Em realidade, parece-nos que um dos modos de especializar essa máxima proteção se dá justamente pela proteção da moradia como ocorre nos casos envolvendo o Bem de Família Ofertado. A amplitude de proteção, para esses casos, é justa, razoável e proporcional, concretizando o Texto Constitucional. [21]

Nos dizeres de Ingo Wolfgang Sarlet, a dignidade humana é "a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida a cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, nesse sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos".[22] Do ponto de vista constitucional, esse feixe dedireitos mínimos ou mínimo existencial mantém relação com o direito à moradia, previsto no art. 6º da Constituição, um direito social e fundamental.[23] Já sob o prisma civil, esse feixe de direitos representa o direito à propriedade mínima: o direito ao imóvel próprio como um direito mínimo para o livre desenvolvimento da pessoa.[24] Como se sabe, nos meios populares, o sonho da casa própria povoa a mente de milhões de brasileiros. É na casa própria que a pessoa humana se concretiza, se aperfeiçoa e se relaciona; é nela que exerce plenamente a sua dignidade.

A partir dessa ideia, que serve como tronco fundamental, decorrem os contra-argumentos aos que antes foi exposto, para gerar a conclusão de que os embargos à penhora devem ser acolhidos na hipótese do oferecimento do Bem de Família.

Primeiro, quanto à alegação de quem ninguém pode se beneficiar da própria torpeza, não se pode atribuir má-fé presumida àquele que oferece o Bem de Família à penhora. O Direito, em certo sentido, acaba por ser uma ciência endêmica, que surge para solucionar conflitos humanos. Sendo assim, não se pode presumir que as mentes das pessoas também estão doentes. Ademais, o argumento de torpeza, baseado na boa-fé subjetiva e, por isso, essencialmente privado, não pode prevalecer sobre a proteção do Bem de Família Legal, que envolve ordem pública.[25]

Segundo, a prevalência do direito à moradia sobre a boa-fé também serve para afastar o argumento de aplicação da vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium). A partir da ideia de ponderação ou pesagem, deve entender que o primeiro direito tem prioridade e prevalência sobre a boa-fé objetiva.[26]

Terceiro e por fim, não restam dúvidas de que a renúncia ao Bem de Família Legal é inválida e ineficaz, pois constitui um exercício inadmissível da autonomia privada por parte do devedor. Eis aqui mais um exemplo possível de dirigismo negocial nas relações subjetivas.[27]Desse modo, a suposta renúncia não afasta a possibilidade de ser arguir posteriormente a impenhorabilidade do imóvel de residência.[28]

Encerrando e resumindo, servem como sustento as palavras de Jorge Miranda, para quem "a dignidade humana é da pessoa concreta, na sua vida real e quotidiana; não é de um ser ideal e abstracto. É o homem ou a mulher, tal como existe, que a ordem jurídica considera irredutível, insubsistente e irrepetível e cujos direitos fundamentais a Constituição enuncia e protege".[29] Essa dignidade humana é que ampara a proteção da habitação como um direito fundamental e social no sistema português.[30]

A conclusão deve ser a mesma no sistema brasileiro, pois interesses essenciais ao desenvolvimento social do nosso País devem prevalecer sobre interesses formais, antenados à rigidez do processo. O dogma dajustiça segura cede espaço à justiça justa. Com essa ideia de justiça está se construindo o Direito Contemporâneo, sempre a partir de um diálogo interdisciplinar.[31]


[1] Diante de sua importância para a perpetuação da pessoa humana, as iniciais serão sempre maiúsculas.
[2] Quanto à instituição dependente de ato voluntário, é claro o art. 1.711, caput, do Código de 2002 ao prever que "Podem os cônjuges, ou a entidade familiar, mediante escritura pública ou testamento, destinar parte de seu patrimônio para instituir bem de família, desde que não ultrapasse um terço do patrimônio líquido existente ao tempo da instituição, mantidas as regras sobre a impenhorabilidade do imóvel residencial estabelecida em lei especial". Com o intuito de proteger os credores, o legislador limitou o Bem de Família Voluntário a um terço do patrimônio do instituidor. A sua constituição depende, ainda, do registro imobiliário, como estatui o art. 1.714 da mesma codificação.
[3] CC/2002. "Art. 1.717. O prédio e os valores mobiliários, constituídos como bem de família não podem ter destino diverso do previsto no art. 1.712 ou serem alienados sem o consentimento dos interessados e seus representantes legais, ouvido o Ministério Público".
[4] CC/2002. "Art. 1.715. O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesas de condomínio. Parágrafo único. No caso de execução pelas dívidas referidas neste artigo, o saldo existente será aplicado em outro prédio, como bem de família, ou em títulos da dívida pública, para sustento familiar, salvo se motivos relevantes aconselharem outra solução, a critério do juiz".
[5] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Bem de família. São Paulo: RT, 5ª Edição, 2002.
[6] Lei n. 8.009/1990. "Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei. Parágrafo único. A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados". O art. 2º da lei exclui alguns bens do manto da impenhorabilidade, caso dos veículos de transporte, das obras de arte e dos adornos suntuosos. Quanto aos móveis essenciais à entidade familiar, podem ser retirados alguns exemplos da obra de Theotônio Negrão, a partir da experiência jurisprudencial (Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. Atualizador: José Roberto F. Gouvêa. São Paulo: Saraiva, 37ª Edição, 2005, p. 1212). Assim, são consideradosimpenhoráveis: a antena parabólica, aparelho de televisão, armários de cozinha, dormitório, estofados, fogão, geladeira, guarda-roupas, jogo de jantar, jogo de sofás, secadora de roupas e toca-fitas. Por outro lado, são bens móveis penhoráveis: aparelho de ar condicionado, aparelhos elétricos sofisticados, bicicleta e piscina de fibra de vidro. Há divergência jurisprudencial em relação a bens como microondas, rádio-gravador e videocassete (quanto ao último, o entendimento do STJ é pela penhorabilidade: REsp 162.998/PR, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, 4.ª Turma, julgado 16.04.1998, DJ 01.06.1998, p. 141).
[7] Lei n. 8.009/1990. "Art. 3º A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: I – em razão dos créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições previdenciárias; II – pelo titular do crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do respectivo contrato; III — pelo credor de pensão alimentícia; IV – para cobrança de impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do imóvel familiar; V – para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como garantia real pelo casal ou pela entidade familiar; VI – por ter sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens. VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação. (Incluído pela Lei nº 8.245, de 1991)".
[8] É de se discutir a viabilidade prática do Bem de Família Convencional ou Voluntário. Primeiro, pela desnecessidade de sua instituição, já que a proteção doBem de Família Legal é automática. Segundo, porque o Bem de Família Convencionaltraz despesas de escritura e registro ao instituidor, o que não ocorre quanto ao instituto que consta da lei específica. Terceiro e por último, diante da clara limitação à autonomia privada existente no Bem de Família Convencional, já que o imóvel passa a ser também inalienável, como regra. Todos esses pontos fazem com que o Bem de Família Legal prevaleça na prática jurídica.
[9] Prevê o art. 6da Constituição Federal de 1988, conforme redação que foi dada pela Emenda Constitucional n. 26: "São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição".
[10] Dos vários julgados, destaca-se o seguinte, pelo teor de sua ementa: "Processual – Execução – Impenhorabilidade – Imóvel – Residência – Devedor solteiro e solitário – Lei 8.009/1990 – A interpretação teleológica do art. 1.º, da Lei 8.009/1990, revela que a norma não se limita ao resguardo da família. Seu escopo definitivo é a proteção de um direito fundamental da pessoa humana: o direito à moradia. Se assim ocorre, não faz sentido proteger quem vive em grupo e abandonar o indivíduo que sofre o mais doloroso dos sentimentos: a solidão. – É impenhorável, por efeito do preceito contido no art. 1.º da Lei 8.009/1990, o imóvel em que reside, sozinho, o devedor celibatário" (STJ, EREsp 182.223/SP, julgado 06.02.2002, Corte Especial, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, rel. acórdão Min. Humberto Gomes de Barros. DJ 07.04.2003, p. 00209, REVJUR, vol. 00306, p. 00083; Veja: STJ, REsp 276.004/SP (RSTJ 153/273, JBCC191/215), REsp 57.606/MG (RSTJ 81/306), REsp 159.851/SP – LEXJTACSP 174/615 –, REsp 218.377/ES – LEXSTJ 136/111, RDR 18/355, RSTJ 143/385).
Demonstrando tratar-se de questão já consolidada, das decisões mais recentes, extrai-se a seguinte ementa: "PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. PENHORA. BEM DE FAMÍLIA. OCUPAÇÃO UNICAMENTE PELO PRÓPRIO DEVEDOR. EXTENSÃO DA PROTEÇÃO DADA PELA LEI N. 8.009/90. I. Segundo o entendimento firmado pela Corte Especial do STJ (EREsp n. 182.223/SP, Rel. p/ acórdão Min. Humberto Gomes de Barros, DJU de 07.04.2003, por maioria), considera-se como 'entidade familiar', para efeito de impenhorabilidade de imóvel baseada na Lei n. 8.009/90, a ocupação do mesmo ainda que exclusivamente pelo próprio executado. II. Ressalva do ponto de vista do relator. III. Recurso especial conhecido e parcialmente provido, para afastar a penhora". (STJ, REsp 759.962/DF, Rel. Ministro  ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 22.08.2006, DJ 18.09.2006 p. 328)
[11] CF/88.  "Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 1º – O casamento é civil e gratuita a celebração. § 2º – O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. § 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º – Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes".
[12] "Execução. Bem de família. Ao imóvel que serve de morada as embargantes, irmãs e solteiras, estende-se a impenhorabilidade de que trata a Lei 8.009/1990" (STJ, REsp 57.606/MG, rel. Min. Fontes de Alencar, 4.ª Turma, julgado 11.04.1995, DJ15.05.1995, p. 13.410).
[13] "Processual civil. Execução. Penhora de imóvel. Bem de família. Locação a terceiros. Renda que serve a aluguel de outro que serve de residência ao núcleo familiar. Constrição. Impossibilidade. Lei 8.009/1990, art. 1.º. Exegese. Súmula 7-STJ. I. A orientação predominante no STJ é no sentido de que a impenhorabilidade prevista na Lei 8.009/1990 se estende ao único imóvel do devedor, ainda que este se ache locado a terceiros, por gerar frutos que possibilitam à família constituir moradia em outro bem alugado. II. Caso, ademais, em que as demais considerações sobre a situação fática do imóvel encontram obstáculo ao seu reexame na Súmula 7 do STJ. III. Agravo improvido" (STJ, AGA 385.692/RS, julgado 09.04.2002, 4.ª Turma, rel. Min. Aldir Passarinho Junior, DJ 19.08.2002, p. 177. Veja: STJ, REsp 114.119/RS, 302781/SP, 159.213/ES (RDR 15/385) e 183.042/AL).
[14] TARTUCE, Flávio. A penhora do Bem de Família do fiador de locação. Abordagem atualizada. Texto publicado na Revista IOB de Direito Civil e Processual Civil, n. 40, mar. abr/2006. p. 11-15.
O julgado que concluiu pela constitucionalidade da norma tem a seguinte ementa: "FIADOR. Locação. Ação de despejo. Sentença de procedência. Execução. Responsabilidade solidária pelos débitos do afiançado. Penhora de seu imóvel residencial. Bem de família. Admissibilidade. Inexistência de afronta ao direito de moradia, previsto no art. 6º da CF. Constitucionalidade do art.3º, inc. VII, da Lei nº 8.009/90, com a redação da Lei nº 8.245/91. Recurso extraordinário desprovido. Votos vencidos. A penhorabilidade do bem de família do fiador do contrato de locação, objeto do art. 3º, inc. VII, da Lei nº 8.009, de 23 de março de 1990, com a redação da Lei nº 8.245, de 15 de outubro de 1991, não ofende o art. 6º da Constituição da República" (STF, RE 407688/SP – SÃO PAULO, RECURSO EXTRAORDINÁRIO, Relator:  Min. CEZAR PELUSO, Julgamento:  08/02/2006).
Juntando-se ao coro daqueles que defendem a inconstitucionalidade da norma, podem ser citadas Rosalice Fidalgo Pinheiro e Katya Isaguirre, jovens expoentes da escola do Direito Civil Constitucional do Estado do Paraná. São suas as seguintes conclusões, em comentários ao julgado do STF: "Em conformidade com argumentos lançados, a prevalência do voto vencido, proferido pelo Min. Eros Grau, na decisão do STF, impõe-se em um Estado que se queira democrático de direito. Considerando-se que este deposita na dignidade da pessoa humana, os contornos de sua axiologia material, torna-se imprescindível o reconhecimento de direitos fundamentais. Eis que a democracia concretiza-se na promoção de direitos sociais, compreendidos da designação de direitos fundamentais, perfazendo a dimensão social do Estado. Por fim, há de se recordar a que a realidade de mercado não possui força para subverter a tutela existencial da pessoa. A negativa à penhora do bem de família do fiador é postura necessária para busca de um verdadeiro equilíbrio de valores na sociedade contemporânea. Sob este aspecto, há de se ressaltar que o Estado pode e deve estabelecer meios mais adequados à proteção do mercado imobiliário, por meio de regras que, por exemplo, tornem o seguro-fiança mais atrativo e protetivo ao direito de crédito do locador. Não se trata, portanto, de 'postura acadêmica voltada à inviabilizar o direito de moradia', mas de uma construção que demonstra a nova função da doutrina e sua contribuição para o processo evolutivo do Direito. Para além da tradicional função de simples mediação dos conflitos, a doutrina tem o dever de assumir uma postura crítica de condições positivas para a transformação qualitativa do homem" (O direito à moradia e o STF: um estudo de caso acerca da impenhorabilidade do bem de família do fiador. In Diálogos sobre Direito Civil. Volume II. Org. Gustavo Tepedino e Luiz Edson Fachin. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 162).
[15] A reforma processual introduziu alterações quanto à nomeação de bens a penhora. Quanto ao cumprimento de sentença, é a redação do atual art. 475-J do CPC, alterado pela Lei n. 11.232/2005: "Caso o devedor, condenado ao pagamento de quantia certa ou já fixada em liquidação, não o efetue no prazo de quinze dias, o montante da condenação será acrescido de multa no percentual de dez por cento e, a requerimento do credor e observado o disposto no art. 614, inciso II, desta Lei, expedir-se-á mandado de penhora e avaliação. § 1o Do auto de penhora e de avaliação será de imediato intimado o executado, na pessoa de seu advogado (arts. 236 e 237), ou, na falta deste, o seu representante legal, ou pessoalmente, por mandado ou pelo correio, podendo oferecer impugnação, querendo, no prazo de quinze dias. § 2o Caso o oficial de justiça não possa proceder à avaliação, por depender de conhecimentos especializados, o juiz, de imediato, nomeará avaliador, assinando-lhe breve prazo para a entrega do laudo. § 3o O exeqüente poderá, em seu requerimento, indicar desde logo os bens a serem penhorados. § 4o Efetuado o pagamento parcial no prazo previsto no caput deste artigo, a multa de dez por cento incidirá sobre o restante. § 5o Não sendo requerida a execução no prazo de seis meses, o juiz mandará arquivar os autos, sem prejuízo de seu desarquivamento a pedido da parte". Como se pode perceber pelo destaque, a prioridade é que a indicação e bens à penhora seja feita pelo exeqüente. No tocante à execução de título extrajudicial, o raciocínio é o mesmo, pela atual redação do art. 652 do CPC, devidamente atualizado pela Lei n. 11.382/2006: "O executado será citado para, no prazo de 3 (três) dias, efetuar o pagamento da dívida. § 1o  Não efetuado o pagamento, munido da segunda via do mandado, o oficial de justiça procederá de imediato à penhora de bens e a sua avaliação, lavrando-se o respectivo auto e de tais atos intimando, na mesma oportunidade, o executado. § 2o  O credor poderá, na inicial da execução, indicar bens a serem penhorados (art. 655). § 3o  O juiz poderá, de ofício ou a requerimento do exeqüente, determinar, a qualquer tempo, a intimação do executado para indicar bens passíveis de penhora. § 4o  A intimação do executado far-se-á na pessoa de seu advogado; não o tendo, será intimado pessoalmente. § 5o  Se não localizar o executado para intimá-lo da penhora, o oficial certificará detalhadamente as diligências realizadas, caso em que o juiz poderá dispensar a intimação ou determinará novas diligências".
[16] Entre os doutrinadores que propõem essa interpretação restritiva, pode ser citado Daniel Amorim Assumpção Neves. É até interessante a simbologia por ele utilizada: "Há aspecto ainda pior; penhorado o bem, abre-se discussão sobre sua impenhorabilidade em sede de embargos de execução ou mesmo 'exceção de pré-executividade', o que pode significar anos de debates para que no fim se determine que o credor deve voltar a 'estaca zero', já que aquele bem que garantia o juízo era impenhorável. A tristeza e melancolia com que o credor recebe tal informação de seu patrono só são comparáveis as perplexas faces dos torcedores derrotados em final de campeonato com gol impedido e de mão nos descontos".(Impenhorabilidade de bens. Análise com vistas à efetivação da tutela jurisdicional. Disponível emhttp://www.flaviotartuce.adv.br/secoes/artigosf/Daniel_impenhorabil.doc. Acesso em 17 de outubro de 2007).
[17] Na IV Jornada de Direito Civil, evento promovido pelo Conselho da Justiça Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça em outubro de 2006, foi aprovado o Enunciado n. 362, prevendo que "A vedação do comportamento contraditório (venire contra factum proprium) funda-se na proteção da confiança, tal como se extrai dos arts. 187 e 422 do Código Civil". Sobre o tema, na civilística nacional, destaca-se o trabalho de Anderson Schreiber (A proibição de comportamento contraditório. Tutela da confiança e venire contra factum proprium. Rio de Janeiro: Renovar, 2ª Edição, 2007). Na ótica instrumental, já surgem defensores da aplicação do conceito ao processo civil (DIDIER JR., Fredie. Alguns aspectos da aplicação da proibição do venire contra factum proprium no processo civil. In Leituras complementares de Direito Civil. O Direito Civil-Constitucional em concreto. Org. Cristiano Chaves de Farias. Salvador: Juspodivm, 2007,  p. 199-207).
[18] "CIVIL. BEM DE FAMÍLIA. LEI Nº. 8.009, DE 1990. A impenhorabilidade resultante do art. 1º da Lei nº 8.009, de 1990, pode ser objeto de renúncia válida em situações excepcionais; prevalência do princípio da boa-fé objetiva. Recurso especial não conhecido" (STJ, REsp 554.622/RS, Rel. Ministro  ARI PARGENDLER, TERCEIRA TURMA, julgado em 17.11.2005, DJ 01.02.2006 p. 527).
[19] Em sentido muito próximo: "Execução. Bem de família. Aval. Penhorabilidade. Muito embora seja impenhorável o bem de família, se o executado fez cair o gravame sobre dito imóvel, perdeu, sponte sua, o benefício legal. Recurso especial não conhecido. (STJ, REsp 249.009/SP, Rel. Ministro  ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 16.08.2001, DJ 17.03.2003 p. 225)
[20] A autonomia privada, consagradora de um dos mais importantes princípios do Direito Privado Contemporâneo, constitui um regramento básico, de ordem particular – mas influenciado por normas de ordem pública -, pelo qual, na formação dos atos e negócios jurídicos, além da vontade das partes, entram em cena outros fatores: psicológicos, políticos, econômicos e sociais. Trata-se do direito indeclinável da parte de auto-regulamentar os seus interesses, decorrente da sua própria dignidade humana, mas que encontra limitações em normas de ordem pública (TARTUCE, Flávio; HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. O princípio da autonomia privada e o direito contratual contemporâneo. In Direito Contratual. Temas Atuais. Coord. Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka e Flávio Tartuce. São Paulo: Método, 2008, p. 49). Sobre o tema é essencial a obra de Francisco Amaral (Direto Civil. Introdução. Rio de Janeiro: Renovar, 5ª Edição, 2003).
[21] Expressão inspirada na obra coletiva A Constituição concretizada. (Org. Ingo Wolfgang Sarlet. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2000).
[22] SARLET, Ingo Wolfgang. As dimensões da dignidade da pessoa humana: construindo uma compreensão jurídico-constitucional necessária e possível. In Dimensões da dignidade. Ensaios de Filosofia do Direito e Direito Constitucional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005, p. 37. Nesse trabalho o autor desenvolve muito bem a idéia do mínimo existencial.
[23] Entre os autores que defendem a aplicação dos direitos sociais de forma imediata nas relações privadas, pode ser citado Daniel Sarmento (Direitos fundamentais e relações privadas. Rio de Janeiro: Lúmen júris, 2004, p. 333-342). Como exemplo de saudável aplicação desses direitos, o autor aponta o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que o imóvel em que reside pessoa solteira é impenhorável pela proteção da Lei n. 8.009/1990.
[24] A inspiração dessa conclusão vem da leitura da brilhante tese de Luiz Edson Fachin, O Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo (Rio de Janeiro: Renovar, 2ª Edição, 2006, p. 140-154). Em certo trecho do trabalho, ao escrever sobre a proteção do Bem de Família Legal, conclui o jurista: "É possível o reconhecimento da impenhorabilidade de ofício pelo juiz (quando há provas ou indícios nos autos), embora, em geral, o ônus da prova para a incidência da impenhorabilidade seja do devedor. Não se afigura possível a renúncia válida do benefício, quando o devedor citado nomeia o bem de família à penhora, ou se o exeqüente nomeia o bem de família, mesmo que o devedor concorde expressamente com a nomeação". (destacamos). (Estatuto jurídico do patrimônio mínimo, ob. cit., p. 150).
[25] Por todos os julgados do STJ que reconhecem ser a proteção do Bem de Família Legal questão de ordem pública: "PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. BEM DE FAMÍLIA OFERECIDO À PENHORA. RENÚNCIA AO BENEFÍCIO ASSEGURADO PELA LEI. 8.009/90. IMPOSSIBILIDADE. 1. A indicação do bem de família à penhora não implica em renúncia ao benefício conferido pela Lei 8.009/90, máxime por tratar-se de norma cogente que contém princípio de ordem pública, consoante a jurisprudência assente neste STJ. 2. Destarte, a indicação do bem à penhora não produz efeito capaz de elidir o benefício assegurado pela Lei 8.009/90. Precedentes: REsp 684.587 – TO, Relator Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Quarta Turma, DJ de 13 de março de 2005; REsp 242.175 – PR, Relator Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Quarta Turma, DJ de 08 de maio de 2.000; REsp 205.040 – SP, Relator Ministro EDUARDO RIBEIRO, Terceira Turma, DJ de 15 de abril de 1.999) 3. As exceções à impenhorabilidade devem decorrer de expressa previsão legal. 4. Agravo Regimental provido para dar provimento ao Recurso Especial. (AgRg no REsp 813.546/DF, Rel. Ministro  FRANCISCO FALCÃO, Rel. p/ Acórdão Ministro  LUIZ FUX, PRIMEIRA TURMA, julgado em 10.04.2007, DJ 04.06.2007 p. 314). A relação com a ordem pública fica clara pela possibilidade da Lei n. 8.009/1990 retroagir, conforme reconhece a Súmula 205 do mesmo STJ: "A LEI 8.009/90 APLICA-SE A PENHORA REALIZADA ANTES DE SUA VIGENCIA" (Órgão Julgador: CORTE ESPECIAL. Data da Decisão: 01/04/1998. Fonte DJ DATA:16/04/1998 PG:43. RDDT VOL.:33 PG:236, RSTJ VOL.:108 PG: 145, RT VOL.: 752 PG:131). 0181).
[26] Sobre a técnica de ponderação, merece se destacado artigo recentemente publicado no Brasil por Robert Alexy (Ponderação, jurisdição constitucional e representação popular. In A Constitucionalização do Direito. Fundamentos teóricos e aplicações específicas. Coord. Cláudio Pereira de Souza Neto e Daniel Sarmento. Rio de Janeiro: 2007,  p. 295-304). Explica o jurista alemão que "Um dos tópicos mais importantes no debate corrente sobre a interpretação dos direitos fundamentais é o papel da ponderação ou pesagem. Na efetiva prática de muitas cortes internacionais, a ponderação ocupa um lugar central. No direito constitucional alemão a ponderação é um aspecto daquilo que é exigido por um princípio mais compreensivo: o princípio da proporcionalidade (…). O princípio da proporcionalidade consiste de três subprincípios: os princípios da adequação, da necessidade e da proporcionalidade. Todos esses princípios expressam a idéia de otimização. Interpretar direitos fundamentais à luz do princípio da proporcionalidade é tratar os direitos fundamentais como mandados de otimização, ou seja, como princípios, não simplesmente como regras. Enquanto mandados de otimização, princípios são normas que exigem que algo seja realizado na máxima medida possível, diante das possibilidades fáticas e jurídicas" (Ponderação, jurisdição constitucional e representação popular, ob. cit., p. 295).
[27] Como também são exemplos de dirigismo estatal as previsões relativas à função social do contrato (art. 421 do CC) e à função social da propriedade (art. 5º, inc. XXIII da CF/88 e art. 1.228, § 1º, do CC).
[28]  Dentro dessa idéia, também do STJ: "AGRAVO REGIMENTAL. AUSÊNCIA DE ARGUMENTOS CAPAZES DE INFIRMAR OS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. EXECUÇÃO. BEM DE FAMÍLIA. INDICAÇÃO À PENHORA. – Não merece provimento recurso carente de argumentos capazes de desconstituir a decisão agravada. – O fato de o executado oferecer à penhora o imóvel destinado à residência da família não o impede de argüir sua impenhorabilidade (Lei n.º 8.009/90)". (STJ, AgRg no REsp 888.654/ES, Rel. Ministro  HUMBERTO GOMES DE BARROS, TERCEIRA TURMA, julgado em 03.04.2007, DJ 07.05.2007 p. 325). "RECURSO ESPECIAL – EMBARGOS DE TERCEIRO – DESCONSTITUIÇÃO DA PENHORA DO IMÓVEL NO QUAL RESIDEM OS EMBARGANTES – LEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM – MEMBROS INTEGRANTES DA ENTIDADE FAMILIAR – NOMEAÇÃO À PENHORA DO BEM DE FAMÍLIA – INEXISTÊNCIA DE RENÚNCIA AO BENEFÍCIO PREVISTO NA LEI Nº 8.009/90 – MEDIDA CAUTELAR – EFEITO SUSPENSIVO A RECURSO ESPECIAL – JULGAMENTO DESTE – PERDA DE OBJETO – PREJUDICIALIDADE – EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM EXAME DO MÉRITO. 1 – Os filhos da executada e de seu cônjuge têm legitimidade para a apresentação de embargos de terceiro, a fim de desconstituir penhora incidente sobre o imóvel no qual residem, pertencente a seus genitores, porquanto integrantes da entidade familiar a que visa proteger a Lei nº. 8.009/90, existindo interesse em assegurar a habitação da família diante da omissão dos titulares do bem de família. Precedentes (REsp nºs 345.933/RJ e 151.238/SP). 2 – Esta Corte de Uniformização já decidiu no sentido de que a indicação do bem de família à penhora não implica renúncia ao benefício garantido pela Lei nº. 8.009/90. Precedentes (REsp nºs 526.460/RS, 684.587/TO, 208.963/PR e 759.745/SP). 3 – Recurso conhecido e provido para julgar procedentes os embargos de terceiro, afastando a constrição incidente sobre o imóvel, invertendo-se o ônus da sucumbência, mantido o valor fixado na r. sentença. 4 – Tendo sido julgado, nesta oportunidade, o presente recurso especial, a Medida Cautelar nº 2.739/PA perdeu o seu objeto, porquanto foi ajuizada, exclusivamente, para conferir-lhe efeito suspensivo. 5 – Prejudicada a Medida Cautelar nº 2.739/PA, por perda de objeto, restando extinta, sem exame do mérito, nos termos do art. 808, III, c/c o art. 267, IV, ambos do CPC. Este acórdão deve ser trasladado àqueles autos". (STJ, REsp 511.023/PA, Rel. Ministro  JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA, julgado em 18.08.2005, DJ 12.09.2005 p. 333).
[29] MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui. Constituição Portuguesa Anotada. Tomo I. Coimbra: Coimbra, p. 53.
[30] MIRANDA, Jorge; MEDEIROS, Rui. Constituição Portuguesa Anotada. Tomo I. Coimbra: Coimbra, p. 667.
Quando do II Seminário Luso-Brasileiro: Direito Público e Direito Privado, promovido pelo Núcleo de Estudantes Luso-Brasileiros da Faculdade de Direito de Lisboa, naquela instituição, entre 3 e 4 de maio de 2007, interrogamos ao Professor Jorge Miranda a sua opinião a respeito da polêmica brasileira acerca do Bem de Família Ofertado. Respondeu-nos o jurista que, a partir das experiências portuguesas de proteção de direitos trabalhistas e da aplicação da dignidade humana nas relações privadas, para ele prevalece o direito social à moradia, que deve ser equiparado a um direito fundamental.  Vale ressaltar que o tema de sua conferência naquele seminário foiDireitos fundamentais e interpretação constitucional
[31] Sobre essa dicotomia, são contundentes as críticas de Giselda Hironaka: "Acabamos por aprender que as verdades inteiras são perigosas, exatamente porque querem fechar suas muralhas sobre o construído, de molde a não permitir re-organizações, re-modelações, re-arranjos. É mais seguro, por certo, não mexer muito nas coisas ou nas idéias, pois tudo que se contém dentro de um formato imutável, tende a parecer mais seguro. Na percepção de justiça, por exemplo, aquilo que se apresentar de modo repetitivo, encaixado em formulações pré-estabelecidas, aquilo que se multiplicar tantas vezes quanto seja desejável fazê-lo, tende a parecer mais seguro e, daí então, deve decorrer a idéia de segurança jurídica, este padrão aprisionador de concepções, este denominador comum de repetição, este paradigma inacreditavelmente inamovível… Numa idéia assim – restrita e fechada, e por isso mesmo segura – não há lugar para se pensar o novo, para se adequar o tempo, para fazer fluir apenas o justo. Parece que, neste tipo de concepção mais restritiva de justiça, tenha sido preferível a justiça segura à justiça justa…" (HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novaes. Sobre peixes e afeto – um devaneio sobre a ética no Direito de Família. In Família e dignidade humana. Coord. Rodrigo da Cunha Pereira, Anais do V Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte: IBDFAM, 2006, p. 426).