03/09/2013
por Andrei Pitten Velloso
Jornal
Carta Forense de setembro de 2013
Na edição de novembro de 2011, publiquei artigo
comentando a decisão que a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça havia
proferido pouco antes, sob o rito dos recursos repetitivos, declarando, por
apertada maioria, a ilegitimidade da tributação dos juros de mora,
independentemente da natureza da verba principal. A ementa assim sintetizou o
julgado: “Não incide imposto de renda sobre os juros moratórios legais em
decorrência de sua natureza e função indenizatória ampla.” (REsp 1.227.133,
julgado em 28/09/2011).
Essa decisão aparentava ser o ponto final de uma
divergência jurisprudencial que perdurava há muito tempo no STJ, na medida em
que uma Turma se orientava pela tese da acessoriedade (os juros de mora seriam
intributáveis se o fosse o principal) enquanto a outra acolhia a tese do
caráter indenizatório (pela qual os juros de mora seriam sempre intributáveis),
que, como referido, prevaleceu no julgamento do REsp 1.227.133.
Com o julgamento sob o rito do art. 543-C do CPC, pelo
órgão competente, não se vislumbrava razão alguma para se deixar de aplicar de
imediato o precedente aos milhares de processos que estavam, há bastante tempo,
sobrestados nos Tribunais Regionais e nas Turmas Recursais de origem aguardando
a decisão do STJ. Tampouco se afigurava justificada a resistência da
Procuradoria da Fazenda Nacional, que insistia em defender a tese vencida e
recorrer das decisões que se limitavam a aplicar o leading case.
Na oportunidade, defendi que a decisão da 1ª Seção do
STJ fosse acatada e aplicada por todos, haja vista que “submeter à rediscussão
uma lide que se arrasta há anos e já foi resolvida de forma definitiva pela
instância competente implicaria grave abalo à segurança jurídica e à garantia
constitucional da razoável duração do processo, inscrita no art. 5º, LXXVIII,
da Constituição da República. Essa fundamental garantia dos cidadãos não se
dirige apenas aos integrantes do Poder Judiciário, mas também aos procuradores
das partes, que têm de colaborar para a rápida solução dos conflitos, atentando
para a sábia advertência de Rui Barbosa: `Mas justiça atrasada não é justiça,
senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do
julgador contraria o direito escrito das partes e, assim, as lesa no
patrimônio, honra e liberdade´ (Oração aos Moços)”.
Porém, a controvérsia estava longe de terminar. A
Procuradoria da Fazenda Nacional não se resignou com a decisão proferida na
sistemática dos recursos repetitivos e, para a surpresa de todos aqueles que
apostavam na estabilidade da jurisprudência do Tribunal da Cidadania, logrou
revertê-la. Primeiramente, em sede de embargos de declaração, conseguiu limitar
o alcance do julgado, restringindo a sua aplicação aos juros de mora
correspondentes a verbas trabalhistas (objeto estrito do processo), de modo que
a ementa passou a ter a seguinte redação: “Não incide imposto de renda sobre os
juros moratórios legais vinculados a verbas trabalhistas reconhecidas em
decisão judicial.” (EDcl no REsp 1.227.133, julgado em 23/11/2011). Após,
obteve a almejada superação do leading case, com a prevalência do entendimento de
que, em regra, é legítima a incidência do Imposto de Renda sobre os
juros moratórios (REsp
1.089.720, de relatoria do Ministro Mauro Campbell, julgado em 10/10/2012).
Essa oscilação me recorda o célebre voto do banana boat, em que o Ministro Humberto Gomes de
Barros denuncia, com humor ácido, a insegurança jurídica gerada pelas
constantes reviravoltas na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “Nas
praias de Turismo, pelo mundo afora, existe um brinquedo em que uma enorme
bóia, cheia de pessoas é arrastada por uma lancha. A função do piloto dessa
lancha é fazer derrubar as pessoas montadas no dorso da bóia. Para tanto, a
lancha desloca-se em linha reta e, de repente, descreve curvas de quase noventa
graus. O jogo só termina, quando todos os passageiros da bóia estão dentro do
mar. Pois bem, o STJ parece ter assumido o papel do piloto dessa lancha. Nosso
papel tem sido derrubar os jurisdicionados.” (REsp 382.736 AgRg).
De qualquer forma, assentada a nova orientação
jurisprudencial, temos de compreendê-la e aplicá-la.
Pois bem, a Corte declarou que a regra é a incidência do
Imposto de Renda sobre os juros de mora, a despeito da sua natureza
indenizatória reconhecida pelo art. 16, parágrafo único, da Lei 4.506/1964. Os
juros de mora constituiriamindenização
por lucros cessantes, que, diversamente das indenizações devidas
por danos emergentes e por danos extrapatrimoniais, podem sofrer a incidência
do Imposto de Renda.
O STJ estabeleceu, no entanto, duas importantes exceções, atinentes aos juros de mora
pagos no contexto da rescisão do contrato de trabalho e àqueles correlatos a verbas isentas ou indenizatórias. Estas
passagens da ementa elucidam o posicionamento adotado: “Regra geral: incide o
IRPF sobre os juros de mora, a teor do art. 16, caput e parágrafo único, da Lei
n. 4.506/64, inclusive quando reconhecidos em reclamatórias trabalhistas,
apesar de sua natureza indenizatória reconhecida pelo mesmo dispositivo legal
[...] Primeira exceção: são isentos de IRPF os juros de mora quando pagos no
contexto de despedida ou rescisão do contrato de trabalho, em reclamatórias
trabalhistas ou não. Isto é, quando o trabalhador perde o emprego, os juros de
mora incidentes sobre as verbas remuneratórias ou indenizatórias que lhe são
pagas são isentos de imposto de renda [...] Segunda exceção: são isentos do
imposto de renda os juros de mora incidentes sobre verba principal isenta ou
fora do campo de incidência do IR, mesmo quando pagos fora do contexto de
despedida ou rescisão do contrato de trabalho (circunstância em que não há
perda do emprego), consoante a regra do `accessorium sequitur suum
principale´”.
A primeira exceção, assentada na regra de isenção
veiculada pelo art. 6º, V, da Lei 7.713/1988, tem sido objeto de aplicações
díspares, em decorrência da divergência quanto ao seu alcance efetivo. A
intributabilidade dos juros de mora pagos “no contexto de rescisão do contrato
de trabalho” abrangeria todos os juros pagos em reclamatórias trabalhistas? Ou
alcançaria apenas aqueles pagos a trabalhadores efetivamente demitidos, por ser
uma verba devida pela “rescisão do contrato de trabalho”? Ou se aplicaria
tão-só aos juros de mora correspondentes a verbas imediatamente decorrentes da rescisão
laboral?
Pelo que se infere de uma leitura atenta do REsp
1.227.133 e dos julgados posteriores, a exceção diz respeito apenas aos juros de mora pagos a
trabalhadores efetivamente demitidos. Portanto, se não tiver
ocorrido a rescisão do contrato laboral, os juros de mora correlatos a verbas
remuneratórias deverão sofrer a incidência do Imposto de Renda, mesmo que pagos
no bojo de reclamatórias trabalhistas. Verificada a rescisão, os juros de mora
passam a ser isentos, mesmo que a demissão tenha ocorrido no curso da própria ação
tributária. O que importa para a aplicação da regra
isentiva é a rescisão do contrato laboral, não a natureza dos juros moratórios.
Quanto à segunda exceção, não me parece viável tratar os
juros moratórios como verbas autônomas para aplicar a regra isentiva e, ao
mesmo tempo, como verbas acessórias para negar a incidência do Imposto de Renda
quando o montante inadimplido seja intributável. Das duas, uma: ou os juros de
mora são, para fins tributários, verbas autônomas, sendo tributados como tais,
independentemente da natureza do principal, ou consubstanciam verbas
acessórias, devendo seguir a sorte do principal. Tertium non datur.
Porém,
melhor manter a atual orientação do que gerar outra “guinada” jurisprudencial,
lançando ao mar todos aqueles que tentam se orientar pelo entendimento do
Superior Tribunal de Justiça.
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