Com a configuração do cenário de crise, um dos problemas que preocupam as construtoras e incorporadoras é o crescimento da inadimplência dos consumidores e, por consequência, o longo e espinhoso caminho para retomada do imóvel, com a rescisão das promessas de compra e venda por descumprimento contratual do cliente.
É importante destacar que os contratos em geral sempre puderam ser rescindidos extrajudicialmente, quando presente a chamada cláusula resolutória expressa que prevê a rescisão em caso de inadimplemento contratual (art. 474 do Código Civil).
Essa regra, entretanto, não vinha sendo aplicada aos contratos que tivessem por objeto a promessa de compra e venda de bem imóvel, em razão, sobretudo, da total falta de clareza existente na redação original do art. 1º do Decreto-Lei nº 745/69. O referido artigo, que trata da promessa de compra e venda de imóveis não loteados, apesar de indicar a necessidade de prévia notificação do devedor inadimplente e concessão de novo prazo para pagamento de dívida inadimplida, não apontava as consequências decorrentes do não pagamento do saldo devedor após o prazo previsto na notificação.
Isto não impedirá que o consumidor que se sentir lesado ajuíze ação questionando alguma falha no procedimento
Esta falta de clareza acabou por balizar a jurisprudência dos tribunais do país. Nesse passo, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vinha firmando entendimento no sentido de, mesmo estando o consumidor inadimplente, ser imprescindível a prévia manifestação judicial na hipótese de rescisão de compromisso de compra e venda de imóvel para que seja consumada a resolução do contrato, ainda que existente cláusula resolutória expressa, diante da necessidade de observância do princípio da boa-fé objetiva a nortear os contratos (AgRg no REsp 1337902/BA, DJe 14/03/2013).
Desta forma, se o empreendedor decidisse rescindir um contrato de forma extrajudicial, sem o ajuizamento da ação competente, mesmo estando caracterizada a inadimplência do consumidor, poderia ser surpreendido com decisão judicial desfavorável, entendendo que a rescisão teria se operado de forma indevida, majorando, assim, o prejuízo já advindo da inadimplência do cliente.
Este entendimento deixava o setor imobiliário bastante vulnerável. Imagine-se o custo financeiro decorrente da inadimplência de alguns clientes, cujas unidades (mesmo tendo havido o pagamento de apenas um pequeno valor de sinal) somente poderiam ser retomadas pela incorporadora e novamente alienadas após a propositura de uma ação judicial, a qual muitas vezes dura anos.
No entanto, a Lei Federal nº 13.097/2015, que passou a ter vigência em 20 de fevereiro de 2015, modificou e realidade, através da alteração da redação do art. 1º do Decreto-Lei nº 745/69. A nova legislação permite, de forma expressa e sem espaço para dúvidas, que um contrato de promessa de compra e venda possa ser rescindido de pleno direito, ou seja, extrajudicialmente, quando presente a cláusula resolutiva expressa.
Importante registrar que, para operar a rescisão, além da previsão da cláusula resolutória expressa, continua sendo necessário cumprir dois outros requisitos legais: i) o consumidor deve estar inadimplente há pelo menos três meses do vencimento de qualquer obrigação contratual; ii) deve ser promovida a notificação do consumidor, através do cartório de títulos e documentos ou judicialmente, concedendo o empreendedor o prazo de 15 dias para cumprimento da obrigação. Apenas após este prazo, estará configurado o inadimplemento absoluto do consumidor e poderá ser considerado rescindido o contrato de promessa de compra e venda.
Como se pode notar, para a operacionalização da rescisão de uma promessa de compra e venda, as peculiaridades desse tipo de contrato já são levadas em consideração, no momento em que se exige uma inadimplência mais consolidada e um rito mais formal e seguro, sendo desnecessária, agora, a propositura de ação judicial. Era extremamente penoso e desproporcional a exigência, que vinha se consolidando nos nossos tribunais, da necessidade de judicialização desta rescisão, que desconsiderava a realidade do nosso Judiciário, em que as demandas tramitam por anos.
Obviamente, isto não impedirá que o consumidor que se sentir lesado ajuíze a competente ação questionando alguma falha no procedimento, o que exige uma atenção ainda maior por parte do empreendedor.
Em outros momentos, alterações na legislação foram extremamente importantes para o setor imobiliário e auxiliou no reaquecimento do mercado, desburocratizando alguns processos. Cite-se, por exemplo, o procedimento de execução da garantia na alienação fiduciária, que, igualmente, estabelece a possibilidade de retomada da propriedade do imóvel extrajudicialmente perante o cartório de registro de imóveis.
Sendo assim, observa-se que a inovação legislativa trazida pela Lei nº 13.097/2015 surgiu em uma boa hora, quando o setor imobiliário está sofrendo com a diminuição das vendas e aumento da inadimplência. A segurança jurídica na maneira como os contratos de promessa de compra e venda podem ser rescindidos extrajudicialmente, com a possibilidade de recolocação célere do imóvel à venda, é uma ferramenta que auxiliará o setor a superar este momento de crise.
Emília Belo e Rafael Accioly são, respectivamente, sócia-titular da área de direito imobiliário do Queiroz Cavalcanti Advocacia e mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade de Lisboa; sócio-coordenador da área de direito imobiliário da mesma banca, pós-graduado no L.L.M. em Direito Corporativo pelo Ibemec
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações
Fonte: Valor | Por Emília Belo e Rafael Accioly
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