O instituto do bem de família foi inspirado em uma
lei texana (Homestead Exemption Act), de 1839, antes de o Texas se
tornar um estado norte-americano. O momento era de crise e o motivo de sua
criação foi a aflição e o sentimento de injustiça de ver famílias inteiras se
arruinando por dívidas que não podiam ser adimplidas.
Embora não constasse do projeto original de Clóvis
Beviláqua, o bem de família voluntário nasceu entre nós com o Código Civil de
1916. Foi de pouca aplicação prática porque, embora determinasse a
impenhorabilidade do imóvel residencial da família, dependia de instituição por
meio de escritura pública e engessava o proprietário, pois outro de seus
efeitos era a inalienabilidade do prédio utilizado para moradia.
Em 1990, surgiu a lei 8.009, criando o bem de
família legal. O seu objetivo foi o de determinar a impenhorabilidade do imóvel
residencial, independentemente da instituição do bem de família. Com isso,
estendeu-se o benefício a todos que não queriam se valer do instituto contido
no Código Civil, sem alguns de seus inconvenientes. O bem de família legal não
tem custo algum, não depende de escritura, de registro, e também não torna o imóvel
inalienável. Basta morar no imóvel e alegar a impenhorabilidade (o requisito
"morar no imóvel" foi recentemente mitigado pelo STJ, conforme súmula
486, e será objeto de outra Civilizalhas).
E a impenhorabilidade pode ser oposta em qualquer
processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou mesmo de
outra natureza, salvo se movido (art. 3º da lei 8009/90): a) em razão dos
créditos de trabalhadores da própria residência e das respectivas contribuições
previdenciárias (ex: empregada doméstica, motorista, etc.); b) pelo titular do
crédito decorrente do financiamento destinado à construção ou à aquisição do
imóvel, no limite dos créditos e acréscimos constituídos em função do
respectivo contrato; c) pelo credor de pensão alimentícia; d) para cobrança de
impostos, predial ou territorial, taxas e contribuições devidas em função do
imóvel familiar; e) para execução de hipoteca sobre o imóvel oferecido como
garantia real pelo casal ou entidade familiar; f) por ter sido adquirido com
produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a
ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; g) por obrigação decorrente
de fiança concedida em contrato de locação.
Depois, em 2002, com o Código Civil vigente, surgiu
o bem de família voluntário remodelado, ab-rogando o anterior, porém, sem
revogar o bem de família legal. O assunto está disciplinado nos artigos 1711 a
1720 do Código Civil.
Uma das importantes novidades foi a possibilidade
de o instituidor destinar à proteção, além do imóvel residencial, também
valores mobiliários a ele atrelados, desde que não ultrapassem o seu valor ao
tempo da instituição (artigos 1712 e 1713 do CC) e que sejam destinados ao
sustento da família ou manutenção do imóvel.
Outra novidade é a permissibilidade de instituição
por terceiros, seja por meio de doação ou de testamento.
Evidente que tais mecanismos não podem ser
utilizados com o propósito de frustrar credores.
Não há limite legal absoluto para a instituição do
bem de família, mas sim relativo. O imóvel e valores mobiliários que o compõem
não podem ultrapassar um terço do patrimônio líquido do instituidor, ao tempo
da instituição. Referido requisito faz com que o bem de família voluntário seja
aplicável somente aos ricos porque o pobre, quando tem casa própria, não
costuma ter outros bens com valor suficiente para cumprir tal exigência legal.
Essa é uma das críticas atribuíveis ao instituto
remodelado. Apesar disso, há peculiaridades que o tornam mais interessantes que
o bem de família da lei 8.009/90.
Parece-nos que as vantagens mais significativas do
bem de família voluntário, se comparado com o legal, são a possibilidade de
incidir também sobre valores mobiliários, permitindo a blindagem de um
patrimônio que não se limite apenas a bem imóvel e, principalmente, quanto à
extensão da proteção.
Enquanto o bem de família legal permite que uma
série de credores efetive a penhora, amparados pelas diversas exceções contidas
no art. 3º. da lei 8.009/90, o bem de família voluntário admite a constrição
judicial apenas para a quitação de dívidas anteriores à sua constituição,
dívidas de tributos relacionados ao próprio imóvel e débitos condominiais. Por
isso, a proteção acaba sendo significativamente maior com o bem de família
voluntário.
Por outro lado, continua apresentando o
inconveniente da inalienabilidade.
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* Adriano Ferriani é professor de Direito Civil e
chefe do departamento de Direito Civil, Direito Processual Civil e Direito do
Trabalho da PUC/SP.
Esta matéria
foi colocada no ar originalmente em 25 de julho de 2012.
ISSN 1983-392X
ISSN 1983-392X
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