A
International Bar Association (IBA) lançou a Diretriz para Representação de Partes em Arbitragens Internacionais (Diretriz), em 25 de maio de 2013.
[1]
A Diretriz impõe aos representantes das partes o dever de agir com
integridade e honestidade, assim como veda conduta que resulte em atraso
e custos desnecessários ao procedimento arbitral. A intenção da IBA é
nobre, visto que a Diretriz é o primeiro instrumento elaborado para
homogeneizar, regular e punir a conduta de advogados em procedimentos
arbitrais internacionais.
A IBA é uma associação global cujo
escopo é, entre outras coisas, desenvolver e harmonizar áreas do direito
internacional. A IBA examina áreas específicas através de forças
tarefa, as quais consultam advogados sobre pontos práticos problemáticos
para, então, sugerir melhorias. A IBA já produziu três diretrizes
prévias relacionadas à arbitragem internacional: Diretriz relativa a
Conflitos de Interesse; Diretriz para Redação de Cláusulas de Arbitragem
Internacional
; Rules on the Taking of Evidence. Esta última,
cujo escopo é definir um sistema de produção de provas eficiente, justo e
econômico; é utilizada em 60% dos procedimentos arbitrais
internacionais, de acordo com pesquisa da Queen Mary University of
London.
[2]
Arbitragem
comercial internacional é um sistema desenvolvido para resolver
disputas originadas de contratos que envolvem múltiplas jurisdições. O
sistema, inicialmente criado como uma alternativa às jurisdições
estatais, hoje é a regra para disputas internacionais.
Procedimentos
arbitrais internacionais podem reunir partes, advogados e árbitros de
culturas e influências legais variadas. Muitos, naturalmente, atuam em
procedimentos arbitrais de acordo com particularidades e experiências
adquiridas durante a prática contenciosa em suas jurisdições de origem.
Essa mistura de posturas levanta questões sobre o aspecto procedimental
da arbitragem.
No contencioso civil pátrio, a conduta do advogado
brasileiro é regulada, principalmente, pelo Código de Ética e Disciplina
da OAB e pela Lei 8.906/1994. Advogado que ultrapassar os limites
estabelecidos pelos respectivos regulamentos estará sujeito a sanções.
Em
procedimentos arbitrais internacionais a situação é diferente. Imagine o
seguinte cenário: advogado brasileiro atuando em procedimento arbitral
com sede na França, regido pela lei processual inglesa, governado pela
lei material alemã, com parte contrária chinesa, a qual é representada
por advogado americano. O advogado brasileiro estaria sujeito a qual
regulamento de conduta? Poderia o advogado brasileiro estar sujeito a um
regulamento de conduta e o advogado americano sujeito a outro?
Times
de arbitragem de grandes escritórios são formados por advogados de
várias nacionalidades. Assim, advogados representando o mesmo cliente
estariam sujeitos a padrões de conduta distintos? Os advogados estariam
sujeitos ao regulamento da sua respectiva jurisdição de origem, da sede
da arbitragem, do local onde as audiências são realizadas, ou tudo junto
e misturado?
Necessário lembrar que cada país dita regras de
conduta delineadas por expectativas e características legais que, muitas
vezes, são singulares. Logo, os padrões de conduta podem ser
incompatíveis.
A única forma de responder as questões acima, até
então, era através de um teste de conflito de leis. Tais testes, além de
extremamente complexos, potencialmente trazem resultados
insatisfatórios.
A IBA, por sua vez, propõe uma solução simples ao
problema complexo. A Diretriz é um conjunto de normas uniformes
internacionais de conduta profissional elaborado para atacar as
incertezas acima. Assim, a IBA desenvolveu um conjunto de dispositivos
que acomodam diferenças culturais e legais dos representantes das
partes, desenvolvido de acordo com a "melhor prática"
[3] arbitral internacional.
Diretrizes
Válido notar que a Diretriz utiliza o termo "Representante da
Parte", e não "advogado da parte". Isto porque cada país possui sua
respectiva lei de arbitragem, e muitas leis não exigem que as partes
sejam, necessariamente, representadas por advogado. A própria Lei de
Arbitragem brasileira ilustra a questão: "
as partes 'poderão'
postular por intermédio de advogado, respeitada, sempre, a faculdade de
designar quem as represente ou assista no procedimento arbitral".
[4]
Na
opinião desta nota, cabe o argumento de que as partes não precisam
nomear advogados em procedimentos arbitrais governados pela lei de
arbitragem brasileira. Partindo desta premissa, é possível argumentar,
de forma razoável, que os regulamentos de conduta da OAB não são
aplicáveis aos procedimentos arbitrais. Aí, surgiria uma nova questão:
procedimento arbitral governado pela lei brasileira de arbitragem pode
ser regido sem qualquer regulamentação de conduta? A pergunta é difícil e
foge do escopo desta nota, por isso merece ser discutida em outro
momento.
Representação das partes
A Diretriz dispõe que, uma vez constituído o tribunal arbitral,
uma pessoa não deve aceitar representar uma parte, caso exista relação
entre esta pessoa e o árbitro que possa gerar um conflito de interesse.
Se o dispositivo for desrespeitado, o tribunal arbitral deve tomar as
medidas necessárias para resguardar a integridade do procedimento
arbitral. Dentre tais medidas, consta a exclusão total ou parcial do
representante da parte do procedimento.
O dispositivo tenta
impedir que as partes tumultuem o procedimento arbitral. Por exemplo,
uma parte poderia constituir, intencionalmente, um representante que
possua relação familiar ou profissional com um dos árbitros. Assim, esta
parte tentaria macular a independência e imparcialidade do tribunal, a
fim de impugnar a legitimidade do procedimento arbitral.
Comunicação com os árbitros
Como regra, a Diretriz determina que comunição unilateral entre
representante da parte e o árbitro é inaceitável. Contudo, a Diretriz
lista situações nas quais tal comunicação é permita, por exemplo:
—
"a fim de verificar: experiência, conhecimento, habilidade,
disponibilidade, e possíveis conflitos de interesse; para então decidir
se o árbitro deve ser apontado para constituir o tribunal;
— comunição com provável árbitro, ou árbitro apontado pela parte, a fim de selecionar o presidente do tribunal arbitral;
—
comunicação com o provável presidente do tribunal arbitral, caso as
demais partes da arbitragem concordem, a fim de verificar: a
experiência, conhecimento, habilidade, disponibilidade, e possíveis
conflitos de interesse; para então decidir se este deve ser apontado
como presidente;
— em caso de comunicação com o provável árbitro,
ou provável presidente do tribunal arbitral; tal comunicação deve ser
restrita à descrição geral da disputa. O representante da parte não deve
requerer opinião sobre a substância da disputa".
É possível
verificar como a arbitragem se afasta, em muitas situações, do
contencioso civil brasileiro. O advogado brasileiro detém prerrogativa
legal de ser ouvido, e pode discutir o caso com o juiz togado em
qualquer momento do processo.
[5]
Requerimentos ao tribunal arbitral
O representante da parte não deve submeter, conscientemente,
alegações fáticas falsas ao tribunal arbitral. Ainda, ao descobrir
alegação falsa previamente submetida, o representante da parte deve
corrigir a respectiva alegação.
Válido destacar que o dispositivo
discorre sobre alegações fáticas. O representante da parte é livre para
construir as alegações de direito e contratuais que entenda razoável.
Igualmente,
o representante da parte não deve submeter, intencionalmente, prova
testemunhal ou pericial falsa. Este dispositivo também discorre sobre
situações que uma testemunha ou perito queira apresentar, ou tenha
apresentado, prova que o represente da parte descobriu ser falsa. Nesses
casos, o representante da parte deve aconselhar seu cliente a remediar a
situação, além de alertá-lo sobre as possíveis consequências em caso de
inércia.
A Diretriz listou um rol não exaustivo de condutas que o
representante da parte deve tomar para remediar as situações acima: (i)
aconselhar a testemunha ou o perito a falar a verdade; (ii) adotar
medidas razoáveis para evitar a submissão de prova falsa; (iii) compelir
a correção de prova falsa já submetida; (iv) corrigir ou retirar do
procedimento a prova falsa; (v) desistir de representar seu cliente e
deixar o procedimento arbitral.
O dever de atuar de forma honesta e
justa é um princípio consagrado e implícito em arbitragens
internacionais. Entretanto, a Diretriz deu um passo além. Agora, o
representante da parte detém dupla responsabilidade: zelar pela sua
própria conduta; e supervisionar a conduta das testemunhas e peritos do
seu cliente.
Troca de informações e disclosure
Em disputas envolvendo a produção de prova
documental, o representante da parte deve informar seu cliente sobre a
necessidade de preservar documentos. Por exemplo, email antigos, muitas
vezes arquivados ou deletados da caixa de entrada do
Outlook, podem ajudar o tribunal arbitral a entender o contexto comercial da disputa.
Além
disso, o representante da parte não deve requerer a produção de
documentos desnecessários, tampouco contestar requerimento de produção
de documentos efetuados pela parte contrária. Tais condutas são
consideradas estratégias para tumultuar, obstruir, ou prolongar o curso
do procedimento arbitral.
Cabe, ainda, ao representante da parte
explicar ao seu cliente a necessidade de produzir os documentos
requeridos pela parte contrária, assim como discorrer sobre as
consequências advindas da não produção de documentos. Para tanto, é
preciso demonstrar os passos necessários para assegurar uma busca
documental razoável nos arquivos do cliente. Igualmente, é necessário
identificar e categorizar os documentos relevantes de forma que facilite
a compreensão do tribunal arbitral.
A Diretriz segue ainda mais
incisiva ao afirmar que o representante da parte não deve ocultar ou
suprimir documentos cuja produção seja relevante ao preciso desfecho da
disputa. Caso o representante da parte, no curso do procedimento,
descubra documento que deveria ter sido produzido, é necessário
aconselhar seu cliente sobre a necessidade de produzi-lo.
Aqui, as Diretrizes penderam para a prática exercida no sistema
common law, a qual impõe as partes o dever de fornecer à parte contrária toda a documentação referente ao litígio, o chamado
disclosure.
Como resultado, muitas vezes, as partes iniciam o procedimento arbitral
ou judicial com um esqueleto de requerimento e defesa, para então
construir o caso durante o desenrolar do procedimento, com base na
documentação fornecida pela parte contrária.
Como contraste, a parte sujeita ao sistema
civil law
constrói seu caso com base, somente, na documentação em sua posse.
Ainda, a parte possui a prerrogativa de acostar ao procedimento somente
documentos benéficos ao seu caso.
O contencioso civil brasileiro segue o sistema
civil law.
Logo, é dever processual das partes instruir a peça inicial e
contestação com toda a documentação necessária à fundamentação do caso. A
juntada posterior de documento ou requerimento de produção documento em
posse da parte contrária somente é permitida em situações excepcionais.
Também
é interessante destacar que a lei de arbitragem brasileira não dispõe
sobre a forma de produção de documentos. De fato, esta é uma
característica presente nas leis de arbitragem de países desenvolvidos. E
tal característica é intencional, a fim de permitir um procedimento
flexível e maleável de acordo com a necessidade das partes.
Necessário
frisar que, ao contrário da opinião de alguns juristas, o Código de
Processo Civil (CPC) brasileiro não se aplica, de forma subsidiária, à
produção de documentos em procedimentos arbitrais. Pouco importa se a
arbitragem é nacional ou internacional.
As partes detêm autonomia para acordar, direta ou indiretamente,
[6]
sobre a forma de produção de documentos na arbitragem, cabendo ao
tribunal arbitral preencher eventuais lacunas. O tribunal arbitral pode
delinear a produção de provas depois de consultar as partes ou, caso não
haja consenso, de acordo com a discricionariedade conferida pela lei de
arbitragem e regulamento institucional aplicável ao procedimento.
Testemunhas e peritos
O representante da parte pode auxiliar na preparação de depoimento testemunhal escrito (
witness statements)
e na preparação do relatório elaborado por perito. Para tanto, a
Diretriz permite, expressamente, o encontro e interação com testemunhas e
peritos. Tudo sob a ressalva de que os testemunhos escritos e
relatórios reflitam a questão fática e opiniões dos peritos.
Além
disso, o representante da parte pode compensar financeiramente as
testemunhas pelo tempo gasto e despesas incorridas durante a preparação
do testemunho escrito e comparecimento em audiência. Igualmente, é
permitido pagar pelos serviços prestados pelo perito.
Sob a ótica
do contencioso civil brasileiro: nada novo em relação aos peritos; porém
uma enorme diferença em relação às testemunhas.
Em sistemas
civil law,
a relação entre advogado e testemunha é extremamente limitada e
regulada. O processo civil brasileiro, por exemplo, segue um sistema
inquisitorial. As peças escritas detêm imperiosa relevância, e a
possibilidade de apresentar argumentos oralmente é restrita. O juiz
exerce conduta ativa no controle do procedimento. Em audiências, os
advogados direcionam as perguntas ao juiz e, somente caso este entenda
pertinente, tais perguntas são redirecionadas às testemunhas. Pessoas
relacionadas às partes do litígio perdem o status de testemunha e
figuram como informante. Inexiste testemunho escrito, e o depoimento da
testemunha é guiado, em audiências, pelos princípios da imediatidade e
da oralidade. O advogado que orientar testemunha comete infração ética
passível de sanção pela OAB.
Já em sistemas
common law, o procedimento segue um sistema
adversarial. Neste, as partes possuem maior autonomia para ditar o ritmo e escopo do procedimento, enquanto o “juiz senta e decide”.
[7]
Na Inglaterra, por exemplo, os argumentos orais são as peças centrais
do procedimento, e as audiências podem durar mais de uma semana. O
depoimento fático de uma testemunha pode suplantar a prova documental.
Qualquer pessoa, mesmo que relacionada às partes, é considerada
testemunha. As perguntas são dirigidas diretamente às testemunhas, as
quais precisam concordar ou discordar das afirmações apresentadas em
audiência, restando expostas à pressão efetuada pelos advogados da parte
contrária, o chamado
cross examination. Por isso a preparação de testemunhas é considerada tão importante.
A
Diretriz permite ao representante da parte “ensaiar” a audiência com as
testemunhas, praticando perguntas e respostas em audiências simuladas —
coisa de outro mundo para um advogado de sistema
civil law. Logo, resta verificado que padrões do
common law poderiam ser considerados antiéticos e potencialmente criminais em sistemas
civil law.
Entretanto, necessário informar que a IBA não decidiu, ao seu alvedrio, impor característica do
common law
aos procedimentos arbitrais internacionais. Ao revés, a IBA apenas
formalizou dispositivo que reflete a "melhor prática" arbitral
internacional, a qual tem sido desenvolvida ao longo de décadas.
[8]
A
qualidade e o estilo do representante da parte influenciam
substancialmente na apresentação do caso ao tribunal; logo, são
essenciais ao resultado da disputa. É impreterível ao advogado de
sistema
civil law, em arbitragens internacionais, auxiliar na
redação dos depoimentos testemunhais escritos, e submetê-los com
antecedência ao tribunal arbitral. Ainda, o advogado deve esmiuçar os
depoimentos escritos submetidos pela parte contrária, os quais podem ser
contrapostos por novos depoimentos. Caso contrário, a parte
ex adversa representada por advogados de origem
common law teria vantagem.
Sanções
O tribunal arbitral detém poderes para aplicar sanções; caso o
representante da parte atue em desconformidade com disposto na Diretriz.
Esta foi a forma encontrada pela IBA para conferir efeitos práticos à
Diretriz.
As medidas repressivas e punitivas incluem: (i) advertir
o representante da parte; (ii) considerar a conduta do representante da
parte ao avaliar as provas e argumentos legais apresentados no
procedimento (
draw negative inferences); (iii) considerar a
conduta do representante da parte ao alocar as custas do procedimento
arbitral; (iv) tomar outras medidas para preservar a justiça e
integridade da procedimento arbitral. Este último item esclarece que o
rol não é exaustivo e confere discricionariedade ao tribunal arbitral.
Importante
verificar que, de acordo com o rol acima sugerido pela IBA, ao final do
procedimento, quem paga o preço pela conduta inapropriada do
representante da parte é o cliente representado.
Draw negative inferences também é um princípio de sistemas
common law.
Por exemplo, se a parte não apresenta documentos requeridos pela parte
contrária, é legítimo ao tribunal arbitral presumir que a parte não
apresentou os respectivos documentos porque estes seriam favoráveis à
tese da parte contrária. Tal presunção, por óbvio, irá influenciar no
resultado da disputa.
A lei de arbitragem brasileira concede poder ao tribunal arbitral similar ao
draw negative inferences. Contudo, a aplicabilidade é limitada a situações que a parte ignore ordem para prestar depoimento pessoal.
[9]
Ainda,
o tribunal arbitral pode punir a parte impropriamente representada
através de determinação para que esta pague uma proporção maior das
custas do procedimento arbitral.
As sanções acima refletem de duas
maneiras no procedimento arbitral. Primeiro, as partes devem monitorar a
conduta do seu representante, pois eventual conduta inapropriada deste
resultará em punição à parte. Segundo, evita que partes inescrupulosas
autorizem dois grupos de representantes no mesmo procedimento: um a fim
apresentar as razões fáticas e de direito, e o outro a fim de tumultuar o
curso da arbitragem.
Por último, as Diretrizes determinam que o
tribunal arbitral observe a conduta do representante da parte sob a
ótica da boa fé, antes de decidir sobre a aplicação de sanções. A boa fé
é princípio originário de sistemas
civil law, cuja interpretação pode confundir advogados do sistema
common law.
Aplicabilidade
A Diretriz não possui natureza legal, mas sim contratual. Isto
significa que a Diretriz só tem efeito vinculante ao desenrolar da
arbitragem em duas situações. Primeiro, se as partes incorporarem a
Diretriz à convenção de arbitragem. Em outras palavras, as partes
precisam acordar sobre aplicabilidade, integral ou parcialmente, da
Diretriz ao procedimento arbitral. Segundo, em situações que a lei de
arbitragem ou regulamento institucional conceda discricionariedade ao
tribunal arbitral, e este entenda que possui poderes para aplicar a
Diretriz, depois de consultar as partes do procedimento.
Um
tribunal arbitral possui jurisdição somente sobre as partes da convenção
de arbitragem. Logo, sob uma análise técnica, um tribunal arbitral
geralmente não possui jurisdição sobre os advogados atuando no
procedimento arbitral. Ao contratar a Diretriz, as partes estendem a
jurisdição sobre os advogados. Este link jurídico legitima o controle e
punição da conduta de advogados pelo tribunal arbitral.
A IBA
especificou forma para resolução de conflitos de leis no texto da
Diretriz. Se houver lei, normativa de órgão regulador da profissão de
advogados (tal como a OAB), ou regulamento de arbitragem que estabeleça
ponto incompatível ao texto da Diretriz, esta deixa de ser aplicável.
Portanto, normas que regulam a confidencialidade e relação privilegiada
entre advogado e cliente não são derrogadas pela Diretriz.
Maior regulação
Algumas vozes renomadas no cenário arbitral já pugnavam por maior certeza e claridade em procedimentos arbitrais internacionais.
[10]
No discurso chave proferido no ICCA de 2012, Sundaresh Menon atentou
sobre a necessidade de: "achar um conjunto uniforme de padrões éticos e
regras de conduta profissional que possa penetrar os diferentes cenários
dos sistemas legais ao redor do mundo".
[11]
O
novo regulamento de arbitragem da LCIA, o qual estará vigente até o
final de 2013, seguirá linha similar. O representante da parte deverá
exercer conduta delineada por princípios éticos e de boa fé. Caso
contrário, o tribunal arbitral poderá excluir o representante da parte
da arbitragem.
Conclusão
O objetivo da IBA foi desenvolver um regulamento de conduta
personalizado para arbitragens internacionais. Este objetivo é válido,
pois evita que regulamentos desenvolvidos para lidar com contencioso
nacional sejam impostos aos procedimentos arbitrais internacionais.
Logo, a Diretriz é um conjunto de regras do jogo, pautadas no princípio do
fair play,
e aplicável de forma homogênea aos participantes da arbitragem.
Incorporar a Diretriz à convenção de arbitragem, sem dúvida, trará maior
previsibilidade e segurança ao procedimento arbitral. Como resultado,
as partes aumentam a chance de exequibilidade da sentença arbitral.
A
arbitragem internacional é muitas vezes definida como: globalização do
direito. Como consequência, diferentes características advindas de
variados backgrounds legais normalmente coexistem em um procedimento
arbitral.
[12] A Diretriz corrobora a assertiva anterior e a análise do seu texto ensina duas lições.
Primeiro: procedimentos de arbitragem internacional representam um ponto de fusão entre o sistema
civil law e o sistema
common law.
[13]
Tal peculiaridade originou a chamada "melhor prática" arbitral
internacional, a qual consiste em advogados atuando em conformidade com
as peculiaridades de ambos os sistemas legais.
Portanto, o
advogado que atuar pautado em experiência adquirida em somente um dos
sistemas legais não representará seu cliente de maneira ideal.
Segundo:
o Código de Processo Civil não se aplica de forma subsidiária a
arbitragens nacionais e internacionais. Isto somente ocorre quando a lei
de arbitragem faz menção expressa aos dispositivos do CPC. A lei de
arbitragem brasileira, intencionalmente, deixou de delinear certos
aspectos do procedimento arbitral. Esta característica é uma vantagem
que respeita a autonomia da vontade das partes para moldar o
procedimento de acordo com a disputa em tela.
Procedimento
arbitral e processo judicial são mundos diversos. Importar conduta
exercida perante o judiciário brasileiro ao procedimento arbitral, em
especial em arbitragem internacional, está longe de ser a melhor
prática.
Felipe Vollbrecht Sperandio é mestre em Resolução de
Disputas Internacionais pela Queen Mary University of London, e advogado
de Clyde & Co em Londres.
[1] Para conferir a Diretriz para Representação de Partes em Arbitragens Internacionais em inglês,
clique aqui.
[2] Para conferir a pesquisa realizada pela School of International Arbitration - Queen Mary University of London em inglês,
clique aqui.
[3]
O comitê de arbitragem da IBA realizou uma pesquisa em 2010 com foco na
conduta de advogados em arbitragens internacionais. O grupo de estudos
investigou se diferentes normas éticas e culturais, padrões, regras
disciplinares, e se uma falta de diretriz internacional poderia
comprometer o tratamento igualitário e justo em procedimentos arbitrais
internacionais. A pesquisa também identificou como advogados de
common law,
civil law e sistema legal islâmico atuam, a fim de delinear a "melhor prática" arbitral internacional.
[4] Art. 21, § 3º, da Lei no. 9.307/96.
[5] Art. 7, VIII da Lei Federal n. 8.906/94.
[6] O acordo indireto se dá pela incorporação de regulamentos institucionais à convenção de arbitragem.
[7]
Christian Borris. Common Law and civil law: fundamental differences and
their impact on arbitration. JCI Arbitration 60 (2) (1194), p.78.
[8] Ver nota de roda pé n. 3;
[9] Art. 22, §2 da Lei n. 9.307/96.
[10] O Congresso do ICCA de 2010 propôs o
International Code of Ethics for Lawyers Practicing Before International Tribunals.
O instrumento discorreu, em momento pretério, sobre alguns princípios
estabelecidos pela Diretriz. Contudo, a ICCA não concedeu poderes ao
tribunal arbitral para sancionar o advogado que exerça conduta
inapropriada. Logo, a afirmação contida no primeiro parágrafo desta nota
subsiste: "a Diretriz é o primeiro instrumento elaborado para
homogeneizar, regular, e punir a conduta de advogados em procedimentos
arbitrais internacionais".
[11] Para conferir o texto do discurso chave do ICCA 2012,
clique aqui.
[12] Gary B. Born
, International Commercial Arbitration, Kluwer Law International, 2009, p. 1748-1765.
[13]
Arbitragens internacionais também são influenciadas por características
do sistema de Sharia law, porém os dois principais sistemas são
civil law e
common law.