Por Walter Alexandre Bussamara
Valor Econômico 12/6/2012
No campo da tormentosa tributação pelo IR,
refletiremos acerca dos juros de mora enquanto receita agregada auferida por
potencial contribuinte, pessoa física ou jurídica. Não obstante, esclarecemos
que a essência de nossas conclusões também poderá ser dirigida a figurantes outros
do direito sempre que em meio a uma fenomenologia impositiva tributária que se
lhe revele análoga, a exemplo do questionável Imposto sobre Serviços (ISS) em
face de atividades securitárias e de locação de bens, dentre outros mais.
Indo diretamente ao ponto, consignemos como nosso
primeiro pressuposto de trabalho o fato de que "Podemos mudar os nomes das
coisas, mas sua natureza e suas operações sobre o entendimento não mudam
jamais" (David Hume).
Por sua vez, nosso segundo e conexo pressuposto
assenta-se no fato do direito tributário ser um ramo provido de autonomia
apenas didática, de sorte a devermos, enquanto operadores do direito
"buscar nos demais ramos científicos soluções ou caminhos para diversos
dos problemas com os quais nos depararmos" (Renato Lopes Becho).
Aliás, o que as precitadas afirmações doutrinárias
vêm a proclamar, em alta voz, o nosso atual Código Tributário Nacional (CTN),
por meio de seu artigo 110, vem, igual e formalmente, a fazê-lo, aqui se
constituindo, enfim, como a nossa terceira e derradeira premissa de trabalho:
"A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de
institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou
implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou
pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos municípios, para definir ou
limitar competências tributárias".
Ou seja, devidamente alinhavados tais limites
diante do tema proposto, já podemos nos aperceber de que toda e qualquer forma
de manifestação jurídica atinente à incidência de juros sob um contexto de mora
implicará numa sujeição absoluta destes aos valores tais como determinados pela
seara específica do direito a que sejam originariamente referidos.
Os juros de mora prestam-se à recomposição de
patrimônio
Sendo-nos, então, incontroversa a atribuição de uma
função (natureza) indenizatória àqueles, deverá ser por meio de tal conjectura
que haverá incondicionalmente de se expor, mormente diante do exercício estatal
das competências constitucionais tributárias, com destaque ao Imposto de Renda
(IR) - artigo 153, III, Constituição Federal.
Os juros de mora, realmente, não é demais frisar,
prestam-se à recomposição de patrimônio em face de uma inadvertida
inadimplência temporal ocorrida em âmbito contratual ou legal, deflagradora de
uma perda involuntária e indevida diante da oportunidade de manejo, no tempo,
de um potencial financeiro próprio.
Assim sendo, a obrigação pecuniária representada
pelos juros de mora, para fins de incidência do IR, deverá ser tratada de forma
plenamente autônoma, conforme os seus próprios contornos finalísticos
demandarem, donde já nos é possível concluir, portanto, pela total disparidade
conceitual existente entre a aquisição de receita indenizada, por conta de
juros moratórios, e a aquisição de renda tal como constante da materialidade da
hipótese de incidência tributária daquele imposto, então traduzida por um
efetivo acréscimo patrimonial do contribuinte. Com efeito, nossa
"Constituição não outorgou à União competência para tributar
indenizações" (Roque Carrazza).
Ademais, querer-se atribuir ao direito tributário a
função delimitadora de institutos jurídicos alheios às suas próprias bordas
equivaleria a subverter o próprio sistema, em prejuízo da tão almejada segurança
jurídica tributária, uma vez que ficaria ao talante de nossos legisladores a
cômoda tarefa, literalmente, de se 'dar os nomes aos bois', porém, sob os
interesses únicos de 'suas próprias fazendas', fazendo bom uso, aqui, de
notória expressão popular.
Não seria crível, ainda, pugnar-se pela mudança da
natureza jurídica indenizatória de uma obrigação acessória, como os juros de
mora, somente por conta de equipará-la à natureza que viesse a ostentar a sua
correlata obrigação principal, não adimplida a tempo.
Ao menos em âmbito de "natureza" das
obrigações, não teria sentido, portanto, a aplicação da velha máxima romana
segundo a qual "accessio cedit principal", muito embora reconheçamos
poder o direito obrigacional, para outras circunstâncias, desta extensão se
socorrer, a exemplo da obrigação acessória que se finda conjuntamente com a
extinção no tempo da principal. Tal extensibilidade, de seu turno, não seria a
melhor hermenêutica quando se está a tratar da essência pura de um instituto de
direito que possa vir a participar inadvertidamente da materialidade de um
imposto.
Finalmente, sejam obrigações principais cíveis ou
trabalhistas, remuneratórias ou indenizatórias, a interpretação conceitual de
eventuais juros de mora que lhe digam respeito deverá permanecer sempre fiel à
sua própria e inerente essência, que ressarcitória é, já previamente
estruturada no campo do direito privado e suficiente o bastante para fulminar
qualquer tentativa de incidência do IR que lhes venha querer ameaçar.
Walter Alexandre Bussamara é mestre em direito
tributário pela PUC-SP e advogado em São Paulo
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do
jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser
responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza
em decorrência do uso dessas informações
Nenhum comentário:
Postar um comentário