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17 Jun 2012
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Folha De S.Paulo
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MARCO ANTONIO VILLA 57, é
historiador, professor da Universidade Federal de São Carlos, e autor, entre
outros, de “A História das Constituições Brasileiras: 200 Anos de Luta Contra o
Arbítrio” ( Leya)
Ao longo da história republicana, a atuação do Supremo
Tribunal Federal esteve, quase sempre, em desacordo com valores democráticos.
Em um
país como o nosso, de uma enraizada cultura autoritária, a omissão do STF foi
perversa. Basta recordar o silêncio cúmplice com relação às graves violações
dos direitos humanos durante o Estado Novo e durante a ditadura militar.
Em vez
de o STF ser uma espécie de tribunal da cidadania, ele foi, neste mais de um
século de vida, um instrumento de desprezo da ordem democrática. Fui também um
elemento de reforço da impunidade, doença maligna que permeia o cotidiano
brasileiro.
A
Constituição de 1988 atribuiu ao STF um conjunto de competências. Ele foi
transformado, na prática, em um tribunal de última instância, quando a sua
função deveria ser estritamente interpretar o texto constitucional.
Assim, só
em 2011 a Corte teve 102 mil decisões, das quais 89 mil foram monocráticas, ou
seja, tomadas por apenas um ministro. Dentre essas, 36.754 foram exclusivamente
do presidente do STF.
Mesmo
com a existência da súmula vinculante, causa estranheza que um só ministro
tenha proferido tantas decisões.
Imagine o
leitor que se um processo tenha, em média, cem folhas — algo que, para os
nossos padrões, caracterizado pela prolixidade, é considerado curto— e que o
presidente tenha julgado originalmente somente um terço dos processos, cerca de
dez mil, para facilitar as contas. Ele teria de ler 1 milhão de folhas. Será
que leu?
O STF
tem muitos outros problemas. Um deles é a escolha dos ministros, uma
prerrogativa constitucional do presidente da República.
Cabe ao
Senado aprová- la. As sabatinas exemplificam muito bem o descaso comanomeação.
Todos são aprovados sem que se conheça o que pensam. São elogiados de tal forma
pelos senadores que fica a impressão que estão, com antecedência, desejando obter
a simpatia dos futuros ministros frente a um eventual processo. Em síntese: as
sabatinas são uma farsa e desmoralizam tanto o Senado como o STF.
No Brasil,
estranhamente, os ministros acabaram virando celebridades. Dão entrevistas a
toda hora e sobre qualquer assunto.
Um
deles chegou a “abrir sua casa” para uma reportagem e tirou uma foto deitado na
cama ao lado da sua esposa! Tem ministro poeta, outro é empresário de ensino,
tem ministro que foi reprovado em concurso para juiz — duas vezes, e mesmo assim
foi alçado ao posto maior da carreira, mas sem concurso, claro—, tem ministro
que chegou lá devido à sorte de quem era vizinho da sua mãe. Pior ainda são
aqueles que ficam alguns anos como ministros e retornam à advocacia, usando
como grife a passagem pelo Supremo.
O STF
padece também de um velha doença nacional: o empreguismo. São quase 3.000
funcionários, entre efetivos e terceirizados. Não é improvável que, se todos
comparecerem no mesmo dia ao trabalho, as instalações da Corte não sejam
suficientes para abrigá- los.
Como são 11
ministros, a média é de 272 funcionários para cada um. E o mais estranho são
funcionários que não estão diretamente vinculados à função precípua de julgar,
como as 235 recepcionistas e os 403 seguranças — deve ser a Corte mais segura
do mundo.
Essa
estrutura custa para a União uma bagatela da ordem de R$ 500 milhões ao ano.
Um bom
momento para o STF reencontrar a cidadania é o julgamento do mensalão.
Poderemos assistir como cada um dos 11 ministros vai agir. Pode ser que, finalmente,
a Corte rompa com seu triste passado de conluio com o Executivo e seja
uminstrumento de defesa dos valores democráticos.
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