Autor(es): Por Cristine Prestes | De São Paulo
Valor Econômico - 02/05/2013
O primeiro leilão específico do pré-sal ocorre em 28 de novembro, mas
ainda não se sabe se até lá a regra para a distribuição dos royalties
gerados pela exploração do petróleo já estará definida. A decisão sobre a
nova forma de partilha dos recursos, pagos pelas empresas titulares do
direito de explorar as novas áreas, está nas mãos do Supremo Tribunal
Federal (STF).
Embora o tema seja de interesse exclusivo das diferentes unidades da
federação - já que são elas as destinatárias dos valores, que para as
empresas são líquidos e certos -, a possibilidade de que Estados
produtores venham a criar novos tributos para o setor, diante da
eventual perda de arrecadação com uma nova divisão, não é descartada. O
cenário de incerteza em relação aos royalties é o que se chama, no
mercado, de insegurança jurídica, termo usado para definir a
instabilidade de regras que, quando não afasta investimentos, leva as
empresas a darem peso extra ao fator "risco" no cálculo da taxa de
retorno e na equação de formação do preço de seus produtos.
A situação não é exatamente nova. Afora as alterações legislativas
promovidas frequentemente pelo Executivo e Legislativo, o Judiciário vem
aumentando seu quinhão na divisão de tarefas entre os poderes da
República num movimento crescente desde a Constituição de 1988. Pela
Justiça têm passado inúmeras questões que afetam diretamente o mercado -
o caso dos royalties é apenas um exemplo de mudança na lei que cai no
colo do Judiciário tão logo é promovida.
Mas, se há algum tempo a indefinição que perdura enquanto a Justiça não
define a validade de uma norma posta sob seu crivo era apontada como um
dos principais motivos a afugentar investimentos do país, hoje a
insegurança jurídica desafia o desejável investidor de longo prazo. "Com
a mudança de classificação da economia brasileira, o Brasil passou a
atrair investimentos a despeito da insegurança jurídica", afirma o
jurista Fábio Ulhoa Coelho, professor de direito comercial da PUC de São
Paulo. "Só que o investidor atraído é aquele mais afeito ao risco",
diz.
Segundo ele, mesmo o investidor de longo prazo precisa ajustar sua
lógica para um investimento mais arriscado, já que o retorno tem que ser
proporcional ao risco. "E para ter um retorno maior, o preço do produto
tem que ser maior. É por isso que, mesmo tirando os impostos, o produto
aqui é mais caro", explica Ulhoa Coelho.
No caso dos royalties do petróleo, a mudança nas regras de distribuição
foi feita pelo Congresso Nacional, que em 2012 aprovou a Lei nº 12.734.
Submetida à sanção presidencial, a legislação foi parcialmente vetada
pela presidente Dilma Rousseff, mas seus vetos foram derrubados no
Congresso. Diante do impasse nas negociações entre os Estados produtores
- Rio e Espírito Santo - e os demais, o tema foi parar no Supremo.
Neste caso, diz o advogado Saul Tourinho, responsável pelo
acompanhamento de processos no STF e no Superior Tribunal de Justiça
(STJ) no Pinheiro Neto Advogados, foram testados todos os instrumentos
que a Constituição oferece: a lei saiu do Legislativo, foi vetada pelo
Executivo e os vetos foram derrubados pelo Parlamento. "Mesmo assim, a
solução do problema caiu no colo do Supremo", afirma. "É um momento de
efervescência dos tribunais", diz.
É possível que o Supremo dê uma resposta ao vácuo jurídico relacionado
aos royalties a tempo do leilão do pré-sal. Mas nem sempre isso
acontece. No mês passado, a Corte definiu, ainda que de forma parcial,
uma gigantesca disputa entre o fisco e os contribuintes em torno da
incidência do Imposto de Renda e da Contribuição Sobre o Lucro Líquido
(CSLL) de coligadas no exterior, derrubando a tributação e mantendo-a
apenas para as empresas que estão em paraísos fiscais. A decisão era
aguardada há nada menos do que 12 anos por um sem número de companhias
brasileiras de porte que mantêm coligadas fora do país: a Medida
Provisória nº 2.158, que deu início à tributação, é de 2001.
"Há um grau muito grande de insegurança jurídica gerada por problemas de
prazo", diz Décio Zylbertstajn, professor titular e livre docente da
Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo
(FEAUSP) e coautor do livro "Direito e Economia". "Temos que ter um
Judiciário que seja capaz de dar respostas rápidas, em tempo hábil",
afirma. A boa notícia, diz, está em recentes ações que têm como objetivo
garantir maior celeridade processual, como o investimento na
informatização da Justiça. "Mas não é algo que cai do céu, estamos no
meio desse processo, tentando acelerar a tomada de decisões".
Se a demora na solução de controvérsias provoca insegurança jurídica,
não menos impacto gera a falta de convergência do Poder Judiciário em
torno dos inúmeros temas econômicos submetidos a ele. Tomada ao pé da
letra, o ditado popular que diz que em "cada cabeça, uma sentença" ganha
proporções gigantescas quando se trata de uma Justiça com cerca de 17
mil juízes e 90 milhões de processos. "O problema da insegurança
jurídica não é tanto de uma questão ir ao Judiciário, mas de o
Judiciário ter coerência nas decisões", diz Décio Zylbertstajn, para
quem a maior dificuldade está em termos uma Justiça heterogênea a lidar
com essas questões.
À falta de unidade soma-se uma duvidosa qualidade das decisões judiciais
quando se trata de temas empresariais. "Há muitas decisões judiciais
que não estão de acordo com o que a lei prevê e acabam interferindo na
economia", diz o professor Fábio Ulhoa Coelho. Um episódio clássico é o
que ficou conhecido como o "caso da soja verde": durante as safras de
2002 a 2004, o preço da saca de soja atingiu picos elevados no mercado à
vista, muito acima do definido na venda antecipada fechada com tradings
ou esmagadoras. Na época, os produtores foram à Justiça para romper os
contratos, com o argumento de que eles teriam se tornado injustos. A
Justiça atendeu o pleito - mas no ano seguinte, a venda antecipada da
safra em Goiás caiu imensamente, diante do risco de novas liminares. "É
um Judiciário que não está devidamente instrumentalizado para discutir
questões de direito empresarial de forma correta", diz Ulhoa Coelho.
"Nem todos os juízes estão preparados para decidir questões de direito
comercial".
Exemplos não faltam. O advogado Luciano Timm, estudioso das relações
entre direito e economia, cita o entendimento da Justiça brasileira
sobre a desconsideração da personalidade jurídica - em outras palavras,
quando uma decisão judicial permite que os sócios respondam por
eventuais fraudes praticadas pela empresa. "A Justiça do Trabalho criou
uma regra que inibe investimentos", diz. "Já vi uma empresa italiana que
deixou de investir no Brasil porque nunca viu um país com uma extensão
tão grande da responsabilização dos sócios quanto no Brasil", conta.
Nenhum comentário:
Postar um comentário