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terça-feira, 15 de abril de 2014

Convenção de Viena e venda de mercadorias


Por Vera Jacob Fradera
Publicado no Valor Econômico de 15 abr 2014

Desde 1º de abril deste ano, o Brasil é o 79º país a adotar a Convenção de Viena de 1980 sobre venda internacional de mercadorias (cuja sigla em inglês é CISG), fato a ser saudado com entusiasmo, porquanto a partir de agora, haverá maior facilidade para o comércio internacional, com parceiros cujos sistemas jurídicos, no referente à noção de contrato, são muito diferentes do nosso, criando um obstáculo à livre circulação de mercadorias. Por outro lado, a CISG traz maior confiança e segurança aos operadores do comércio internacional, eis que essa convenção inaugurou o que se denomina uma língua franca, ou seja, uma linguagem uniforme (unus forma), a ser utilizada nas relações comerciais internacionais.

É composta de 101 artigos, organizados em quatro partes: campo de aplicação e dispositivos gerais, as normas sobre a formação do contrato, os direitos e obrigações do vendedor e do comprador e a 4ª parte, das obrigações recíprocas entre os Estados, de acordo com os termos do seu artigo 1º, § 1º, a CISG aplica-se aos contratos de compra e venda de mercadorias, celebrados entre partes, cujos estabelecimentos situem-se em Estados diferentes, ou quando esses Estados sejam Estados contratantes; ou ainda quando as regras de direito internacional privado conduzam à aplicação da lei de um Estado contratante.

Um aspecto revelador da autonomia presente na convenção está posto no seu artigo 6º, autorizando as partes a excluir a aplicação da convenção. Dentre todos os artigos da CISG, dois deles instigam sobremaneira a curiosidade dos aplicadores do direito, em todos os países onde foi adotada: os artigos 7º e 25º.

O artigo 7º dispõe que, na interpretação da convenção, ter-se-á em conta o seu caráter internacional, a necessidade de promover a uniformidade da sua aplicação e assegurar o respeito da boa-fé no comércio internacional, porquanto a CISG preconiza uma interpretação autônoma do contrato, independente daquela das ordens jurídicas internas, do contrário, a internacionalidade da interpretação seria prejudicada. Quanto ao respeito à boa-fé no comércio internacional, esse tópico suscita muitas divergências. As dificuldades relacionadas ao artigo 7º podem ser amenizadas e/ou suplantadas mediante a consulta à jurisprudência comentada em alguns importantes sites, criados por organizações internacionais e grupos de professores, como os da:http:www.globalsaleslaw.org, de responsabilidade da profa. Ingeborg Schwenzer, o da Pace University nos Estados Unidos, o da Comissão das Nações Unidas para o Direito Mercantil Internacional (Uncitral),e Claude Witz, CISG.France. O Brasil já dispõe de um site sob a responsabilidade, dentre outros, de Leandro Tripodi, o www.cisg-brasil.net.

Já o artigo 25, sobre a quebra essencial do contrato, original e complexo, espelha a vontade dos legisladores de buscar, a todo custo, a manutenção do contrato pois somente em circunstâncias muito especiais e satisfeitos vários requisitos, uma parte pode alegar violação essencial e resolver um contrato.

Esse artigo expressa fielmente o espírito norteador das relações comerciais internacionais, ou seja, o da fidelidade ao princípio do pacta sunt servanda, base de sucesso nas relações comerciais, diversamente do praticado, em alguns setores do direito, onde as partes não cumprem aquilo que contrataram, não pagam o que deveriam pagar e ainda vão a juízo afirmar terem sido enganadas! No plano da CISG, a resolução de um contrato está sujeita a várias condições, de tal sorte que a melhor alternativa será sempre a do seu cumprimento. Trata-se de uma aplicação do princípio da confiança, pois o comércio está nele alicerçado. Por outro lado, a CISG introduz a ideia de contrato cooperativo, a figura do comerciante razoável, a da pessoa ponderada, em suma, o bom comerciante internacional, inspirada do tradicional bom pai de família, o dever de informação, ao qual estão sujeitos ambos os contratantes, o ônus de mitigação dos próprios prejuízos e muitas mais. O exame da jurisprudência internacional, exposta nos sites antes referidos, revela um sem número de objetos suscetíveis de serem vendidos e adquiridos mediante contratos regidos pela CISG: móveis, máquinas, telefones, madeira, conservas alimentícias, corantes, roupas em geral…também bens incorpóreos, mas nem todos eles. A Convenção, em seu artigo 2º, menciona uma série de contratos não passíveis de serem regidos por ela, CISG: os de consumo, as vendas em leilão; vendas em execução judicial; venda de valores mobiliários, títulos de crédito e moeda; venda de navios, embarcações, aerobarcos e aeronaves, venda de eletricidade.

A CISG regula a formação do contrato e os direitos e obrigações dele resultantes, contudo, deixa de lado alguns de seus aspectos, tais a validade do contrato e de suas cláusulas (artigo 4º, letra a), e a transferência de propriedade(artigo 4º, letra b), a capacidade das partes, os vícios do consentimento etc.

nosso direito privado interno terá grandes benefícios em razão dos reflexos da aplicação da convenção aos contratos de venda internacional de mercadorias, mercê de seu pragmatismo, segurança, moralização do comportamento contratual e muitos mais.

Vera Jacob de Fradera é professora na UFRGS, doutora em direito pela Universidade de Paris II e advogada em Porto Alegre

Fonte: Valor | Por Vera Jacob de Fradera

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