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terça-feira, 25 de março de 2014

Until the End of the Contract Do We Part

Posted on by Julie Brook, Esq.

The rumor that Tom Cruise and Katie Holmes signed a five-year marriage contract prompted a New York Time’s article on the idea of 20-year renewable marriage contracts as a way of overhauling marriage in our society. The idea of short-term, renewable marriage contracts can be appealing, but would such agreements be enforceable under California law? The hitch may be in California law’s abhorrence of anything that promotes divorce.

A big issue for renewable marriage contracts under California law is whether these types of agreements would be “promotive of divorce,” which is forbidden for California premarital agreements.

A key early case on this is Marriage of Dawley (1976) 17 C3d 342, in which the California Supreme Court noted that agreements are

“void only insofar as the terms of the agreement itself promote the dissolution of the marriage. The test of the validity of the contract thus does not turn on the subjective contemplation of the parties — a standard which would make it impossible to rely on any antenuptial agreement — but upon the objective language of the contract itself.”

Contract language providing for the end of the marriage after a set period of time might be just the “objective language” that would void the contract.

If the contract went further and described the allocation of property at the end of the marital contract period, it would be even more problematic under California law. Cases have long held that an agreement promotes divorce if it provides for transfer of substantial value only in the event of dissolution. See, e.g., Marriage of Dajani (1988) 204 CA3d 1387, 251 CR 871 (Jordanian dowry agreement that provided payment to wife in event of dissolution); Marriage of Noghrey (1985) 169 CA3d 326, 215 CR 153 (Jewish “kethuba” that provided that wife would receive house and minimum of $500,000 in event of dissolution). 

So, it appears that drafting a renewable marital contract for yourself or your client might be a waste of time. Better to put that time into making a successful marriage—or at least an enforceable premarital agreement.

For everything you need to know about drafting premarital agreements, turn to CEB’s California Marital Settlement and Other Family Law Agreements, chap 17.

Fonte: http://blog.ceb.com/2012/10/26/until-the-end-of-the-contract-do-we-part/

Illegal Contracts Are Enforceable. Sometimes.

Posted on by cebca

The following is a guest blog by Alan M. Goldberg of the Law Office of Alan Goldberg. Alan’s practice includes Appeals, Civil Trials, and Family Law. You can follow Alan on Twitter @AlanMGoldberg.

We learn in law school that illegal contracts aren’t enforceable. But that’s not precisely true. Some illegal contracts may be enforced, depending on the “realities of the situation.”

The court in Johnson v Johnson (1987) 192 CA 551 took some colorful facts and laid out for us the factors that govern judicial enforcement of illegal agreements.

In that case of family drama, the apple didn’t fall far from the tree. The parents had asked their son to submit false information on a US Government GI loan application so the parents could buy a house. Of course the house had to be in the son’s name, so the son lied and wrote that he would be living in the house. With the house in his name, can you guess what the son did next? Yep, he tried to sell it out from under his parents; after all, the house was in his name. The parents then sued to quiet title. The son audaciously argued that the contract couldn’t be enforced because his actions with regard to the loan application were illegal.

Although the general rule is that illegal contracts are unenforceable, this isn’t always true. Here are the factors that make even illegal agreements enforceable:

  1. Contract has been performed. If the contract has been performed, the public can’t be protected by the rule except by example. In Johnson, the parties had already changed positions and the parents had moved into the house and had given up their old house, so there was no possibility of protecting them by finding the agreement to be illegal.
  2. No moral turpitude by the party seeking enforcement. Courts will consider the absence of serious moral turpitude (bad acts) on the part of the party against whom the defense is asserted, and will look at who has the greatest moral fault. In Johnson, the parents weren’t as guilty of wrongdoing as the son: they didn’t falsify the documents even though they participated in the transaction.
  3. Unjust enrichment by party claiming illegality. The likelihood that enforcement of the rule will permit the party asserting the illegality to be unjustly enriched at the expense of the other party is an important factor. In Johnson, the son would make out like a bandit by getting the house and the sales proceeds when it’s really the parents’ home.
  4. Impact of forfeiture outweighs illegality. Disproportionality of the impact of forfeiture is weighed against the nature of the illegality. That is, will enforcement cause a forfeiture that is more severe than the illegality. In Johnson, the question is whether throwing the parents out of their house is disproportionate to the son’s fraud in obtaining the loan.

The Johnson court gave us sound advice in approaching any case involving an illegal contract:

“courts should not be so enamored with the Latin phrase ‘in pari delicto’ that they blindly extend the rule to every case where illegality appears somewhere in the transaction.”

Courts temper general rules with practical considerations. But even though courts will sometimes grant relief for illegal contracts, don’t rely on obtaining this relief, because it may not come. In fact, your reliance on illegal terms may invite a lawsuit against your client and a resulting malpractice claim against you.

All aspects of contract formation, including issues around illegality, are covered in CEB’s California Law of Contracts, chapter 3.

 

quinta-feira, 20 de março de 2014

Responsabilidades do locador

Por Arnon Velmovitsky, Consultor Jurídico 19.3.2014

As relações entre o locatário e o condomínio, especialmente quanto ao descumprimento ao disposto na convenção de condomínio, regulamento interno ou outro diploma legal, merecem o diuturno estudo dos operadores do Direito.

O locatário é possuidor direto do bem dado em locação, em sintonia com o disposto no artigo 1197, do Código Civil Brasileiro, e é obrigado:
I – A servir-se do imóvel para o uso convencionado ou presumido, compatível com a natureza deste e com o fim a que se destina, devendo tratá-lo como se fosse seu. (artigo 23, II, da Lei 8.245, de 18.10.1991).
II – Não modificar a forma interna ou externa do imóvel sem o consentimento prévio e por escrito do locador (artigo 23, VI, da Lei 8.245, de 18.10.1991).
III – Cumprir integralmente a convenção de condomínio e os regulamento internos. (artigo 23, X, da Lei 8.245, de 18.10.1991).

Por outro lado, cabe ao locador:
I - Garantir, durante o tempo da locação, o uso pacífico do imóvel locado. (artigo 22, II, da Lei 8.245, de 18.10.1991).
II – Manter, durante a locação a forma e o destino do imóvel. (artigo 22,IV, da Lei 8.245, de 18.10.1991).

Não resta dúvida que o legislador se preocupou com a manutenção e segurança da coisa locada, repartindo essa responsabilidade pelos contratantes — locador e locatário, e atribuindo também ao locatário o dever cumprir as normas estabelecidas pelo condomínio.

O locador mantém a posse indireta do bem e aufere o respectivo benefício econômico — aluguel — como contrapartida pelo uso do imóvel pelo inquilino.

Assim, na condição de proprietário, cabe ao locador zelar pelo uso adequado do seu imóvel, assegurando-se da correta destinação dada pelo inquilino.

A matéria foi objeto de apreciação e julgamento pela 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, no Recurso Especial número 1.125.153-RJ, tendo como relator o ministro Massaui Uyeda, julgado em 04 de outubro de 2012, no qual restou reconhecida a legitimidade passiva do locador para responder demanda aforada pelo condomínio, em razão do descumprimento pelo locatário da devida higiene e limpeza da unidade locada.

O acórdão reconhece que “ao proprietário é conferido instrumento coercitivo apto a compelir o locatário a cumprir as determinações condominiais, inclusive com a possibilidade de ajuizamento da ação de despejo, nos termos da Lei 8.245/91.”

Desta forma, não há como afastar a legitimidade passiva do locador por eventuais danos relativos ao uso da propriedade, em razão da natureza “propter rem ” da obrigação.

O acórdão ainda afirma que o locador possui a posse indireta do bem, entendida como o poder residual concernente a vigilância, a conservação, persistindo tal responsabilidade mesmo depois de transferir a outrem o direito de usar o bem objeto da locação.

Com efeito, o locador tem legitimidade para aforar ação de despejo contra o locatário, por infração contratual e legal, pelo desrespeito da convenção de condomínio, regulamento interno ou outro diploma legal, com fulcro nos artigos 9, II e 47, I, da Lei 8.245/91, desde que possua provas inequívocas aptas a serem deduzidas no curso do processo.

No julgamento do Recurso Especial número 254.520-PR, tendo como relator o ministro Barros Monteiro, julgado em 17 de outubro de 2000, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça concluiu que o titular do domínio é responsável solidário pelo pagamento de multa por infração praticada pelo locatário em ação promovida pelo Condomínio.

Conclui-se, portanto, que é de extrema importância a correta analise da ficha cadastral do locatário, que se candidata a locação de imóvel, através de sindicâncias minuciosas, inclusive em relação ao seu comportamento social, para evitar futuros dissabores.

segunda-feira, 17 de março de 2014

O QUE É O EQUILÍBRIO ECONÔMICO E FINANCEIRO DA CONCESSIONÁRIA ?

Por Letácio Jansen, em 13.3.2014 (vide www.letacio.com)

Ao que se sabe, o fundamento da decisão do Supremo Tribunal Federal, no caso da VARIG, teria sido a noção de equilíbrio econômico financeiro da concessão.

Essa noção ingressou no Direito Administrativo brasileiro, de forma deturpada, por obra do professor CAIO TÁCITO, que publicou, no Rio de Janeiro, em 1960, um pequeno trabalho mimeografado sobre o tema, de 126 páginas, denominado “O equilíbrio financeiro na Concessão de Serviço Público”.

Logo no inicio de seu trabalho, com base em LAUBADÈRE, o professor CAIO – que era consultor jurídico da Light  ( então uma empresa multinacional ) –   diz que a “doutrina francesa, haurida nos fundamentos da jurisprudência do Conselho de Estado, identifica na concessão de serviço público, como nos contratos administrativos em geral, “la clause capitale, expresse ou tacite, de l’equilibre financier ou équation financière du contrat”.

Afirma, sem seguida:

”Sempre, no entanto que, por ato próprio, da administração concedente, ou por outras causas gerais (sic), inclusive de ordem econômica, a estrutura financeira da concessão for substancialmente abalada, nasce para o concessionário a exigibilidade do direito ao reequilíbrio da economia do contrato, de modo a subsistir a equivalência entre as prestações, conforme a comum intenção das partes.”

Foi nessa frase “ ou por outras causas gerais” que o consultor jurídico da Light embutiu a inflação como suposta causa do rompimento do equilíbrio econômico financeiro da concessão. Escreve ele, com efeito, a propósito:

“A norma foi elaborada, com admirável precisão, na jurisprudência do Conselho de Estado, a partir do aresto de 21 de março de 1910 ( Compangnie Générale Française des Tramways) em que LÉON BLUM, como Comissário do Governo, lançou a famosa parêmia, ainda hoje de trânsito usual na doutrina, da equivalence honête entre as obrigações e direitos do concessionário ( …)  “O seu endereço originário  visou a compensar a admissão de outro princípio correlato, a que PEQUIGNOT crismou de “mutabilidade do contrato administrativo”por oposição  à imutabilidade dos contratos de direito privado.”

Essa observação – que não confirma, mas desmente o argumento do autor –  mostra que é a “mutabilidade” do contrato administrativo que dá lugar à compensação, privilégio que não se aplica aos contratos privados.

Em que consiste a mutabilidade desses contratos administrativos ? Quem responde é o próprio professor:

“Consiste em reconhecer a supremacia da Administração, quanto à faculdade de inovar, unilateralmente, as normas do serviço, adaptando as estipulações contratuais às novas necessidades e conveniências públicas.”

Nada a ver, portanto, com o preço do contrato, que está relacionado ao princípio “tarifas razoáveis” que, juntamente com “serviço adequado”, constitui a dicotomia essencial dos contratos de concessão. Para tentar ligar as coisas – puxando, como se diz popularmente, a sardinha para a sua brasa – o professor CAIO TÁCITO conjuga o principio do “equilíbrio econômico financeiro” com um outro diferente, o da imprevisão ( ou da cláusula rebus sic stantibus )  afirmando o seguinte:

“A velocidade do processo inflacionário aumenta, substancialmente, o custo da operação e conservação, onerando, de forma imprevista, a execução do serviço e, mais ainda, a sua expansão ou melhoramento. Quebra-se a equação financeira da concessão pelos sucessivos acréscimos de preços dos materiais e mão-de-obra, como pela espiral ascendente do mercado monetário  interno e externo.”

Foi esse o texto que inspirou, no Direito administrativo brasileiro, a aplicar, de forma  errônea, a noção de  equilíbrio econômico financeiro, ( que , como vimos, tem a ver com o objeto do contrato, e não com o seu valor que é sujeito ao princípio da “tarifa razoável”, que não foi invocado ).

É errado, repita-se,  afirmar que a a inflação – ou a desindexação – são causa do rompimento do equilíbrio econômico financeiro das concessões. O Poder concedente não provoca a inflação, ou promove a desindexação, para romper esse equilíbrio. O fato de a União Federal, coincidentemente, ser Poder concedente nos contratos de navegação aérea, não altera, em nada, essa inexistência de vínculo entre uma coisa e a outra. As demais entidades dos outros níveis da Federação – os Estados membros e os Municípios – são, também, poderes concedentes, e não tem qualquer competência para definir a indexação ou a desindexação, que são soluções jurídicas para enfrentar uma situação de fato: a inflação.

Chega-se, aqui, a um aspecto essencial: o congelamento das tarifas da VARIG, que teria rompido o equilíbrio econômico financeiro da concessão, foi totalmente legítimo.Mais do isso ele decorreu de um dever imposto às autoridades públicas, que editaram o Plano Cruzado, de 1986 ( do qual resultou o tabelamento de vários preços ) de zelar sobre a estabilidade da moeda e do sistema monetário. Quanto à inflação, ela foi causada por uma conjuntura, da qual fizeram parte tanto o setor público como o setor privado, e decorreu de questões políticas nacionais e internacionais, cuja responsabilidade não pode ser atribuída a “a” ou “b”, ainda mais para dar motivo a uma indenização escandalosamente elevada como a que foi imposta à União Federal.

A decisão do STF, apoiou-se, portanto,  num conceito deformado  de equilíbrio econômico financeiro da concessão. Ela, por outro lado,  é mais um capítulo da desmontagem do Plano Real, que está em curso, como vem sendo denunciado neste Blog, sem que o governo ou a oposição, infelizmente, façam nada.

quinta-feira, 13 de março de 2014

O Direito Comparado nos séculos XIX e XX (parte 2)

Por Otavio Luiz Rodrigues Junior

Na última coluna [clique aqui para ler], começou-se a tratar da evolução do Direito Comparado, o que se fez evidentemente sem pretensão de conferir ao tema uma exposição exaustiva, o que seria incompatível com a natureza deste espaço. Prossegue-se agora com esse interessantíssimo assunto, com uma seção complementar à coluna anterior e o estudo do Direito Comparado na perspectiva luso-brasileira.

Um comparatista contemporâneo muito importante para a “apresentação” dos Direitos de tradição romano-germânica ao mundo de Common Law é o norte-americano John Henry Merryman, professor emérito da Universidade de Stanford, onde ingressou na Faculdade de Direito no ano de 1953. Merryman é um comparatista, mas também se dedica ao Direito da Arte, especialmente sobre o tema dos direitos culturais e da proteção das obras de arte. Em 2009, publicou-se na Holanda, em Alphen aan den Rijn, pela editora Kluwer, o livro “Thinking About the Elgin Marbles: Critical Essays on Cultural Property, Art and Law”, no qual ele examina o problema do fundamento moral e jurídico da retirada dos mármores do Partenon pelo diplomata britânico Lord Elgin[1], sob a justificativa de que os otomanos não cuidavam adequadamente das antiguidades gregas. Contrariando muitos acadêmicos e o Governo grego, Merryman defendeu corajosamente que o ato não foi imoral ou ilegal e, interpretado à luz de seu tempo, se revelou a melhor decisão em prol da conservação do patrimônio cultural.

Para os que vivem no mundo de Civil Law latino-americano, o opus magum de John Henry Merryman é um livro intitulado “The Civil Law tradition: An introduction to the legal systems of Europe and Latin America”, editado em Palo Alto, pela Stanford University Press, com terceira edição de 2007, desta vez em coautoria com o venezuelano Rogelio Pérez-Perdomo. Há uma edição em português, intitulada “A tradição da Civil Law: Uma introdução aos sistemas jurídicos da Europa e da América Latina”, publicada pelo editor Sergio Antonio Fabris, de Porto Alegre, no ano de 2009, com uma bela tradução de Cássio Casagrande, de quem tive a honra de ser colega na Universidade Federal Fluminense.

Nesse livro, Merryman e Pérez-Perdomo apresentam ao leitor da tradição de Common Law um cenário amplo e razoavelmente atualizado de como são o ensino e as profissões jurídicas, o método e as disciplinas, a legislação e a jurisprudência da tradição romano-germânica, quase sempre em comparação com seus homólogos anglo-saxões. O livro contém teses polêmicas e dados curiosos como: (a) a supervivência do Direito Romano como fonte jurídica reconhecida pelos tribunais da África do Sul[2]; (b) a desnecessidade da codificação no Reino Unido ser um efeito da centralização política e jurídica precoce, como a existência de um direito único no século XII, o que não se deu em França e Alemanha, que precisaram dos códigos como instrumento auxiliar da concentração do poder na pessoa dos soberanos[3]. Merryman, em edições anteriores de sua obra, havia comparado o juiz de Common Law ao magistrado de Civil Law e qualificado este último como “um simples operador de um maquinário desenhada e construída pelo legislador”. Na referida terceira edição, ele reconheceu uma mudança sensível no papel do juiz romano-germânico, especialmente na América Latina, porque ele começava a sair desse papel reservado e discreto e passava a ser incluído no rodamoinho da mídia, das aparições públicas e das solicitações ambientes por declarações e opiniões sobre os fatos sociais.

John Henry Merryman é um comparatista internacionalmente respeitado, muito conhecido na Itália, na França e na América Latina, onde recebeu comendas governamentais e doutorados honorários. No Brasil, infelizmente, ele não era um autor muito lido. A versão para o português de seu livro “The Civil Law tradition” tem mudado essa situação nos últimos anos e os estudos comparatistas brasileiros começam a reconhecer a importância de Merryman, para além do restrito grupo de especialistas nacionais que evidentemente já o conheciam e citavam suas obras em seus trabalhos.

Um grego, naturalizado britânico, nobilitado pela rainha Elizabeth II, cavaleiro da Legião Honra francesa, graduado em Direito pela Universidade de Atenas e com o título de doutor pela Universidade de Cambridge, é hoje um dos grandes nomes internacionais do Direito Privado Comparado. Seu nome é sir Basil Markesinis (1944-) e atualmente ocupa a cátedra de Direito na Universidade de Austin, no Texas, Estados Unidos. Markesinis, para além de uma história de incomparável êxito profissional, tem uma das obras mais consistentes no comparatismo privado do último quartel do século XX e início do século XXI.

Seu livro “The German Law of contract: A comparative treatise”, escrito em coautoria com Hannes Unberath e Angus Johnston, editado pela Hart, em Oxford, com segunda edição do ano de 2006, é uma de suas contribuições mais relevantes no Direito Comparado. A nova edição foi totalmente reescrita para açambarcar as grandes mudanças decorrentes da Lei de Reforma do Direito das Obrigações de 2002, que alterou mais 100 artigos do Código Civil alemão. Markesinis, Unberath e Johnston ofereceram ao público de língua inglesa e aos não fluentes no idioma alemão uma obra duplamente útil: (a) permite que se trave contacto com o novo perfil legislativo e dogmático do Direito das Obrigações da Alemanha; (b) possibilita uma chave para comparação de institutos e figuras jurídicas da tradição romano-germânica e de sua homóloga de Common Law, cuja assimetria é tão evidente.

Dos mesmos autores pode-se também indicar “The German Law of torts: A comparative treatise”, em quarta edição de 1997, publicado em Oxford, pela Hart, cuja qualidade técnica e função comparativa equivale ao livro sobre Direito das Obrigações. Por esses trabalhos e por sua atuação acadêmica tão relevante para a compreensão do Direito germânico pelo universo jurídico de Common Law, Markesinis recebeu em 1999 uma das mais altas condecorações da República Federal da Alemanha, a Grosse Verdienstkreuz.

Os estudos de Markesinis possuem um escopo bastante amplo e uma significativa diversificação de matérias, no que ele se mostra fiel às antigas tradições do comparatismo, que pouco conhecem barreiras entre as áreas do Direito. Ele tem relevantes trabalhos sobre (a) a comparação dos Direitos inglês e francês, em uma perspectiva histórica[4]; (b) responsabilidade delitual e Direito de Seguros[5]; (c) direito à privacidade na Inglaterra e na Itália[6]; (d) Direito da Arte.[7]

Encerrando-se a exposição de alguns nomes contemporâneos do comparatismo no exterior, convém tratar de seus correspondentes no Brasil e em Portugal.

No século XIX, o comparatismo era mais do que um berloque ou um símbolo de erudição, mas uma necessidade. Arnold Wald, em uma conferência proferida no Superior Tribunal de Justiça sobre a influência do Código Civil francês no Direito brasileiro, destacou que a realidade jurídica do Oitocentos no Brasil, especialmente no Direito Civil, era convidativa aos estudos comparatísticos: vivia-se sob a égide das Ordenações Filipinas, as fontes normativas eram caóticas e o Direito Romano ainda era utilizado à larga para fundamentar acórdãos, sentenças, petições, arrazoados e escritos doutrinários. A produção jurídica nacional, como também salientou Arnoldo Wald, o recurso ao comparatismo era uma necessidade também pela carência de bibliografia genuinamente nacional. Como ele afirmou, àquela época, os juristas brasileiros tornaram-se comparatistas por necessidade ou até subconscientemente.[8]

Clóvis Beviláqua, Eduardo Espínola, Carlos Maximiliano e Pontes de Miranda são exemplos dessa tradição que veio do século XIX, iniciada por Teixeira de Freitas, conselheiro Antônio Joaquim Ribas e Lafayette Rodrigues Pereira, em suas obras de Direito Civil, Direito Internacional e Direito Constitucional. Beviláqua foi catedrático de “Legislação Comparada” na Faculdade de Direito do Recife, o que muito diz sobre sua ligação com o Direito Comparado. Seu Código Civil dos Estados Unidos do Brasil comentado é um belo exemplo de utilização do método comparatista como instrumento para a interpretação dos dispositivos do então novo Código Civil.[9] Cada artigo é precedido de uma indicação de correspondência, total ou parcial, com dezenas de outros códigos europeus, americanos e asiáticos.

É de autoria de Clóvis Beviláqua a autoria de uma das primeiras obras no Brasil sobre Direito Comparado, publicada em 1897 e destinada a uso por seus alunos na Faculdade de Direito do Recife.[10] Segundo depoimento de um conterrâneo, Araripe Júnior, esse livro “fez época na vida do jurista cearense porque, se até então ele mostrara para as questões filosóficas e literárias, desde o dia daquela publicação tornou pública sua capacidade para empreender entre nós obra semelhante à realizada por Hermann Post na Alemanha[11].

Além dos citados privatistas que também se apresentavam como comparatistas, na segunda metade do século XX, o Brasil assistiu à dilatação do Direito Comparado. Os internacionalistas passaram a conjugar as cátedras de Direito Internacional com as de Direito Comparado, além de esse tema ganhar interesse maior pelos publicistas. É desse período o surgimento de novos estudos sobre a disciplina, elaborados por Caio Mário da Silva Pereira[12], Haroldo Valladão[13], Arnoldo Wald, Clóvis Veríssimo do Couto e Silva, Sérgio José Porto, Ruy Barbosa Nogueira, Raul Machado Horta e José Afonso da Silva, este último autor de um livro de Direito Constitucional Comparado.[14] Ana Lucia de Lyra Tavares, a propósito dessa renovação do Direito Comparado nas últimas décadas, fez um inventário sobre a evolução dessa matéria nos meios universitários nacionais.[15]

Contemporaneamente, a abertura para novos idiomas, os incentivos para o intercâmbio acadêmico internacional, a criação de blocos econômicos e de integração regional deram margem a um novo despertar do comparatismo jurídico. Na Universidade de São Paulo, a Faculdade de Direito do Largo São Francisco conserva uma forte tradição juscomparatista, que foi muito favorecida com a liderança do falecido professor Guido Fernando Silva Soares e com os esforços de outros catedráticos como Paulo de Borba Casella e João Grandino Rodas. É de se registrar que o Departamento de Direito Internacional mudou seu nome para Departamento de Direito Internacional e Comparado. Ainda nas Arcadas, é de ser mencionado o papel relevantíssimo de Heleno Taveira Torres no Direito Tributário e sua conexão com o Direito Internacional e o Direito Comparado,[16] no que ele se mantém coerente com uma linha de pesquisa iniciada ainda nos anos 1990.

Maria Helena Diniz, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, instituiu a disciplina de Direito Civil Comparado na pós-graduação dessa tradicional escola de Direito. Nessa mesma universidade, no Direito Constitucional, Maria Garcia tem desenvolvido estudos respeitáveis no âmbito comparatista.

No Rio de Janeiro, Francisco Amaral, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, criou o Instituto de Direito Comparado Luso-brasileiro. Jacob Dolinger e Maria Celina Bodin de Moraes foram pioneiros na disciplina de Direito Civil Comparado. [17]

Em Brasília, podem-se citar como nomes representativos do Direito Comparado os professores Arnaldo Godoy[18], com vastíssima produção bibliográfica nesse campo, muita vez combinando-a com o Direito Internacional e a História do Direito, e Gilmar Ferreira Mendes, da Universidade de Brasília, este último com maior ênfase no âmbito do controle de constitucionalidade.

Véra Jacob de Fradera[19] e Claudia Lima Marques, seguindo a tradição de Clóvis Veríssimo do Couto e Silva no Direito Privado, possuem respeitável produção no Direito Comparado, especialmente em questões relativas ao Direito do Consumidor, à Convenção de Viena de Compra e Venda Internacional e às codificações no Direito Civil.

No Nordeste, o Direito Constitucional Comparado tornou-se disciplina no mestrado da Universidade Federal de Pernambuco graças a Ivo Dantas, que também é autor de obras nessa área.[20] Na Universidade Federal do Ceará, para além de sua condição de gigante do constitucionalismo brasileiro, Paulo Bonavides é também um dedicado estudioso do comparatismo no Direito Constitucional.

As dificuldades do estudo comparatístico no Brasil permanecem: poucas ou antigas traduções, para se não falar das que se podem considerar como de qualidade discutível; estudo ainda incipiente dos métodos do Direito Comparado; confusão entre estudos de Direito Estrangeiro e de Direito Comparado, além da reduzida comunicação entre comparatistas das diferentes áreas do Direito Público e do Direito Privado. A enunciação de alguns dos comparatistas contemporâneos, cujo caráter é puramente exemplificativo, permite assinalar que, mesmo com tais limitações, os professores de Direito Comparado seguem como legatários de uma tradição que surgiu com a própria formação na nacionalidade, com a independência política em 1822. Se a necessidade dos estudos de Direito Comparado era, como realçado por Arnoldo Wald, um efeito “subconsciente” de nossas poucas fontes bibliográficas e do caótico estado de nossas normas de Direito Civil, hoje o Direito Comparado é ainda mais importante porque sem ele não se pode mais acompanhar os inexoráveis avanços nas variadas províncias jurídicas, cuja velocidade é incompatível com a capacidade de adaptação humana.

Na próxima e última coluna da série sobre o tema, o Direito Comparado contemporâneo em Portugal e seus grandes nomes.


[1] Thomas Bruce, 7º Conde de Elngin (1776-1841).

[2] MERRYMAN, John Henry e PÉREZ-PERIDOMO, Rogelio. The Civil Law tradition: An introduction to the legal systems of Europe and Latin America. 3. ed. Stanford, California: Stanford University Press, 2009. p. 27.

[3] MERRYMAN, John Henry e PÉREZ-PERIDOMO, Rogelio. Op. cit. p. 22.

[4] MARKESINIS, Basil. Quattro secoli di convergenze e divergenze fra diritto inglese e diritto francese. Rivista trimestrale di Diritto e Procedura Civile, v. 59, n. 3, p. 835-865, sett. 2005.

[5] MARKESINIS, Basil. La perversion des notions de responsabilité civile délictuelle par la pratique de l’assurance. Revue Internationale de Droit Comparé, v. 35, n. 2, p. 301-317, avr./juin 1983.

[6] MARKESINIS, Basil; ALPA, Guido. Il dirrito alla “privacy” nell’esperienza di “common law” e nell’ esperienza italiana. Rivista Trimestrale di Diritto e Procedura Civile, v. 51, n. 2, p. 417-454, giu. 1997.

[7] MARKESINIS, Sir Basil. Good and evil in Art and Law: An extended essay. New York-Wien: Springer, 2007.

[8] WALD, Arnoldo. A influência do Código Civil francês no Direito brasileiro. Conferência proferida no Seminário sobre o Bicentenário do Código Civil Francês em 27 de setembro de 2004. Brasília: Superior Tribunal de Justiça, 2004.

[9] BEVILAQUA, Clovis. Código civil dos Estados Unidos do Brasil: Commentado. 5. ed. São Paulo:F. Alves, 1936. 6 v.

[10] BEVILAQUA, Clovis. Resumo das licções de legislação comparada sobre o Direito Privado. 2. ed., rev. e augm. Bahia: Magalhães, 1897.

[11] Apud GOMES, Oscar Martins. Clóvis Beviláqua, o comparatista. Revista da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Paraná, v. 6, p.401-406.

[12] PEREIRA, Caio Mário da Silva. Direito Comparado, ciência autônoma. Revista Forense, v. 146, n. 597/598, p. 24-32, mar./abr. 1953.

[13] VALLADÃO, Haroldo. O estudo e o ensino do direito comparado no Brasil, séculos XIX e XX. Revista de Informação Legislativa, v. 8, n. 30, p. 3-14, abr./jun. 1971.

[14] SILVA, José Afonso da. Um pouco de direito constitucional comparado. São Paulo : Malheiros, 2009.

[15] TAVARES, Ana Lúcia de Lyra. O ensino do direito comparado no Brasil contemporâneo. Direito, Estado e Sociedade, n. 29, p. 69-87, jul./dez. 2006.

[16] TORRES, Heleno Taveira (Coord). Sistema tributário, legalidade e Direito Comparado: entre forma e substância. Belo Horizonte : Forum, 2010.

[17] TAVARES, Ana Lúcia de Lyra. Op. cit. p. 73.

[18] GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. A execução fiscal administrativa no Direito Tributário Comparado. Belo Horizonte : Fórum, 2009; GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito Constitucional Comparado. Porto Alegre: S.A. Fabris, 2006; GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito Tributário Comparado e tratados internacionais fiscais. Porto Alegre : S.A. Fabris, 2005.

[19] FRADERA, Véra Maria Jacob de. Reflexões sobre a contribuição do direito comparado para a elaboração do direito comunitário. Belo Horizonte : Del Rey, 2010.

[20] DANTAS, Ivo. Novo Direito Constitucional Comparado : Introdução, teoria e metodologia. 3. ed., rev., atual. e ampl. Curitiba: Juruá, 2010.

Otavio Luiz Rodrigues Junior é advogado da União, professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP), com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

Revista Consultor Jurídico, 12 de março de 2014

 

 

segunda-feira, 10 de março de 2014

Venda por contrato de gaveta antecipa vencimento da dívida

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região decidiu que uma moradora que adquiriu imóvel de beneficiária do programa Minha Casa Minha Vida, em Joinville (SC), terá de devolvê-lo à Caixa Econômica Federal. A cessão do imóvel havia sido feita por contrato particular, também conhecido como ‘‘contrato de gaveta’’. O provimento do pedido de reintegração de posse ocorreu na sessão de julgamento da 3ª. Turma, no dia 26 de fevereiro.

A beneficiária do Programa foi acionada judicialmente pela Caixa após vender seu apartamento em menos de um ano a terceiro. Ela comprou o imóvel – localizado no Residencial Trentino -- em 22 de março de 2012 e o revendeu em 11 de outubro.

Conforme a decisão do juiz federal Nicolau Konkel Júnior, convocado para atuar no tribunal, a compra direta de imóvel residencial, com contrato de parcelamento e alienação fiduciária no Programa Minha Casa Minha Vida, expressa claramente que este se destina à moradia própria do contratante e de sua família. Konkel ressaltou que o desvio dessa finalidade leva ao vencimento antecipado da dívida.

“Na hipótese, embora contemplada com o benefício social para aquisição da casa própria, a contratante transferiu a posse direta do bem a terceiro (por meio de contrato particular de ‘compromisso de compra e venda’), atraindo contra si os reflexos do vencimento antecipado da dívida junto ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR)”, afirmou o magistrado. Como a ré não tem recursos para saldar a dívida, o imóvel deve ser devolvido à Caixa.

Konkel acrescentou, em seu voto, que os programas sociais de promoção da aquisição da propriedade imóvel, por pessoas de baixa renda, não podem ser usados para especulação imobiliária.

“A meu ver, o deferimento do pedido liminar de reintegração de posse em nada afronta o direito à moradia da ocupante irregular, sob pena de inversão dos preceitos legais", concluiu. Com informações da Assessoria de Imprensa do TRF-4.

 

quinta-feira, 6 de março de 2014

Desenvolvimento do Direito Comparado nos séculos XIX e XX

Por Otavio Luiz Rodrigues Junior. Texto publicado na Revista Consultor Jurídico de quarta, dia 5 de março de 2014

O Direito Comparado pode assumir a forma de uma disciplina científica, uma matéria autônoma ou de um método de estudo dos ordenamentos jurídicos. Sobre esse ponto, há enormes divergências. Suas origens “oficiais” remontam ao século XIX, embora desde sempre a comparação — ainda que destituída de método ou do rigor que se tornou vulgar exigir nos últimos dois séculos — tenha sido utilizada pelos juristas em seus escritos. A esse propósito, como anota Ernesto Leme, a coleta de materiais e fontes jurídicos é uma prática que remonta ao século V d.C. No entanto, Anselm Feuerbach (1775-1833) possui a primazia de haver lançado “de fato os fundamentos da Ciência do Direito Comparado”.[1]

Nos séculos XIX e XX, grandes comparatistas deram outra dimensão ao Direito Comparado. Vejam-se alguns desses nomes e suas respectivas contribuições. Famosíssimo pela frase sobre a passagem da era do status para a do contrato, o inglês Henry James Sumner-Maine (1822-1888) foi o regente da primeira cátedra de Direito Comparado, instituída em 1869, na Universidade de Oxford.

O austro-húngaro Ernst Rabel (1874-1955), a quem já se dedicou uma coluna (clique aqui para ler), foi outro grande nome do Direito Comparado e um dos responsáveis pela reabertura da Alemanha à cooperação acadêmico-jurídica no primeiro pós-guerra. Desde 1926, ele assumiu a direção do Kaiser-Wilhelm-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Instituto Imperador Guilherme de Direito Comparado [literalmente, Estrangeiro] e Privado Internacional), que é o atual Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Instituto Max-Planck de Direito Comparado e Privado Internacional), cuja sede fica em Hamburgo, e que é o mais importante centro de comparação jurídico-privatística da Europa na atualidade. Rabel deixou como herança o (a) desenvolvimento do método funcional, o mais utilizado até hoje pelos comparatistas alemães e (b) a inspiração teórica para Convenção de Viena das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias.

Pierre Arminjon, Barão Boris Nolde e Martin Wolff também ocupam posição de enorme relevo no Direito Comparado, graças a seu monumental Traité de Droit Comparé, editado pela francesa LGDJ, em Paris, no ano de 1950.[2] É raro um livro jurídico brasileiro, que trate de Direito Comparado, e não cite esses três autores. Parece ser interessante dizer algumas palavras sobre suas vidas.

Paul Pierre Henri Arminjon (1869-1960), de uma antiga família de origem savoiana, foi professor extraordinário (1934-1937) e catedrático (1937-1939) de Direito Civil Comparado e de Direito Internacional Privado na Universidade de Lausana, na Suíça. Exerceu grande influência intelectual no Egito, onde lecionou na Universidade do Cairo.

Martin Wolff (1872-1953), alemão de origem judaica, foi professor de Direito Civil, Direito Comercial e Direito Internacional Privado na Friedrich-Wilhelms-Universität, atualmente Humboldt-Universität zu Berlin. Suas aulas eram extremamente populares e sua docência muito respeitada na Alemanha. Com a chegada dos nazistas ao poder, sua permanência na universidade foi interrompida. Ele terminou demitido do serviço público, juntamente com Ernst Rabel e Hans Kelsen. Em 1938, Wolff emigrou para o Reino Unido, onde se tornou professor em Oxford. É de 1945 seu clássico Private International Law. Wolff, todavia, é mais conhecido no Brasil por sua coautoria do famoso Tratado de Direito Civil alemão, escrito com Ludwig Enneccerus e Ludwig Enneccerus.

O Barão Boris Emmanuilovich Nolde (1876-1948), cujo retrato pode ser visto aqui foi professor na Universidade de Petrogrado. Nolde foi ministro do governo provisório de Kerensky, derrubado pela Revolução de Outubro de 1917, que instaurou o regime comunista em seu país e deu origem à União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Nolde é autor de obras não-jurídicas de grande acolhida nos meios históricos e econômicos, como o “O antigo regime e a revolução russos”, “O reino de Lênin” e “A formação do Império Russo”. O barão Nolde também integrou a Corte Permanente de Arbitragem na Haia. Ele faleceu quando as provas do Traité já se encontravam na editora.

Deve-se a Arminjon-Nolde-Wolff a divisão dos sistemas jurídicos contemporâneos em “sete famílias”, a saber: francesa (tomando-se como ponto de convergência a utilização do Código Napoleão como modelo normativo); alemã; escandinava; inglesa; soviética; islâmica e hindu.[3]

René David (1906-1990) é outro clássico do Direito Comparado do século XX. Suas principais obras possuem tradução para o português e são bastante conhecidas do público brasileiro.[4] A trajetória acadêmica de René David merece algumas referências, a partir das notas biográficas de William Jeffrey Jr:[5] David iniciou sua carreira docente em 1929, na Universidade de Grenoble. Na Segunda Guerra Mundial, René David serviu no Exército francês. Em 1943, assumiu cátedra na Faculdade de Direito da Universidade de Paris, tendo-se aposentado nos anos 1970, quando lecionava na Universidade de Aix-en-Provence (1968-1976). Nos anos 1930, René David atuou no Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado.

A classificação de René David dos sistemas e famílias compreende os direitos ligados à tradição romano-germânica, a Common Law, além do hoje extinto Direito soviético e de outros direitos que se caracterizam por sua natureza sui generis, como o hindu, o chinês e o judaico.

O civilista francês Henri Capitant (1865-1937) também merece um lugar de honra no comparatismo do século XX. De entre suas obras mais relevantes encontram-se o Curso elementar de Direito Civil francês, escrito com Ambroise Victor Charles Colin, que se tornou conhecido como o Cours Colin-Capitant.[6] Seu livro Da causa das obrigações[7] foi um marco no estudo da causa no Direito Civil, tendo inspirado autores brasileiros da segunda metade do século XX, como Antonio Junqueira de Azevedo e Arnoldo Wald. A maior contribuição de Capitant, que foi professor nas universidade de Grenoble e de Paris, não foi propriamente ao método ou desenvolvimento teórico do Direito Comparado e sim permitir o florescimento de estudos comparatistas no Direito Civil, por meio da Association Henri Capitant (atualmente denominada Association Henri Capitant des Amis de la Culture Juridique Française [Associação Henri Capitant dos Amigos da Cultura Jurídica Francesa]. Com seções em dezenas de países, a Associação Henri Capitant realiza encontros anuais de seus membros – as Jornadas Internacionais -, que consistem na apresentação de relatórios temáticos sobre o estado-da-arte de instituições e figuras jurídicas nas nações dos integrantes da associação. Posteriormente, publicam-se as atas desses encontros, que se transformam em riquíssima fonte para estudos de Direito Comparado e Direito estrangeiro.[8]

Konrad Zweigert (1911-1996) e Hein Kötz (1935-) integram a lista de autores mais influentes no Direito Comparado da segunda metade do século XX. Zweigert, já falecido, foi juiz do Tribunal Constitucional Federal e professor de Direito Comparado e Internacional Privado na Universidade de Hamburgo. De 1963 a 1979, dirigiu o Max-Planck-Instituts für ausländisches und internationales Privatrecht, tendo sido vice-presidente da Sociedade Max-Planck no período de 1967-1978.[9] Hein Kötz dirigiu o Instituto Max-Planck de Hamburgo no período de 1978 até 2000, tendo sido professor nas universidades de Constança e Hamburgo, além de ter ocupado o cargo de juiz do Tribunal Regional de Karlsruhe.

Seu livro Introdução ao Direito Comparado, [10] que é mais conhecido por sua versão em inglês,[11] tornou-se um “clássico contemporâneo”. Seus autores mantiveram-se fiéis ao legado de Ernst Rabel, ao tempo em que conseguiram posicionar o Direito Comparado nos grandes debates sobre a uniformização, a comunitarização e a europeização do Direito.

O nome de Reinhard Zimmermann (1952-), atual diretor do Instituto Max-Planck de Direito Comparado e Privado Internacional de Hamburgo e presidente da prestigiosa Associação de Professores de Direito Civil da Alemanha, transcende o século XX e coloca-se hoje como um dos grandes comparatistas de nosso tempo. Além dessas importantes funções acadêmicas, Zimmermann é catedrático da Universidade de Ratisbona e, nos anos 1980, lecionou na Universidade da Cidade do Cabo, na África do Sul.

Dentre seus textos mais importantes encontra-se O Direito das Obrigações, escrita em inglês, inicialmente publicado na Cidade do Cabo em 1990. Trata-se de um monumental estudo sobre as relações obrigacionais, que combina elementos romanísticos e civilísticos, tanto da tradição romano-germânica quanto da tradição anglo-saxã.[12] Deve-se citar também O novo Direito das Obrigações alemão[13], no qual o leitor pode encontrar um exame isento do polêmico processo de reforma do Código Civil alemão, que contou com a oposição de muitos catedráticos de Direito Civil da Alemanha.

Com obras traduzidas nos mais diversos idiomas e com doutorados honorários em 9 universidades, Zimmermann é um nome que conseguiu ultrapassar as fronteiras do Direito, o que se comprova pelo reconhecimento que ele teve na África do Sul por seu compromisso com a restauração do estado de direito naquele país durante o apartheid. E, ainda, por haver ele sido a inspiração para a personagem Moritz-Maria von Igelfeld, do livro “Verbos irregulares portugueses”, primeiro volume da trilogia “Os 2 ½ Pilares da Sabedoria”, do autor escocês Alexander McCall Smith.

Ao lado de Jürgen Basedow (1949-) e Holger Fleischer (1965-), Zimmermann tem sido responsável pelo fortalecimento das ligações do Instituto Max-Planck com a América Latina. Atualmente, a bela tradição de Jürgen Samtleben (1937-) é conduzida por juristas mais jovens como Jan Peter Schmidt e Tilman Quarch, ambos pesquisadores do Max-Planck e com produções de relevo para a cultura jurídica brasileira.[14]

Na próxima coluna, prosseguir-se-á neste tema, com enfoque na perspectiva lusobrasileira.


[1] LEME, Ernesto. Direito Civil comparado. Revista da Faculdade de Direito de São Paulo,v. 55, p. 59-70, 1960. p.59.

[2] O tomo primeiro do tratado está disponível em sua íntegra no seguinte endereço: http://digitalcommons.law.scu.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1007&context=monographs. Acesso em 4-3-2014.

[3] ARMINJON, Pierre; NOLDE, Barão Boris; WOLFF, Martin. Traité de droit comparé.Paris: LGDJ, 1950. v.1. p. 49-54.

[4] DAVID, René. Os Grandes sistemas do direito contemporâneo.Tradução Hermínio A. Carvalho. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002. (A edição francesa possui esta referência, tendo-se incluído o nome de uma coautora, responsável pela atualização da obra: DAVID, René; JAUFFRET-SPINOSA, Camille. Les grands systèmes de droit contemporains. 11. éd. Paris: Dalloz, 2002); DAVID, René. O direito inglês. Tradução de Eduardo Brandão. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006).

[5] WILLIAM JR., Jeffrey. René David: An introduction. U. Cin. Law Review, n. 124, v. 52, 1983. p.124.

[6] Há sucessivas edições do Cours élémentaire de droit civil français, editado em Paris, pela Dalloz, em três volumes, desde 1915.

[7] CAPITANT, Henri. De la cause des obligations (Contrats, Engagements unilatéraux, Legs). 3 ed. Paris: Dalloz, 1927.

[8] São exemplos desses relatórios os seguintes textos, apresentados por autores brasileiros: JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio Junqueira de. Relatório brasileiro sobre revisão contratual apresentado para as Jornadas Brasileiras da Associação Henri Capitant. In. JUNQUEIRA DE AZEVEDO, Antonio. Novos estudos e pareceres de Direito Privado. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 182-198; TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. O extremo da vida : eutanásia, accanimento terapeutico e dignidade humana. Revista Trimestral de Direito Civil: RTDC, v. 10, n. 39, p. 3-17, jul./set. 2009 (Jornada de 2009); TACITO, Caio. Responsabilidade do Estado e dos organismos públicos em razão da direção do crédito e da supervisão dos estabelecimentos de crédito.In. Temas de direito público. Rio de Janeiro : Renovar, 1997. p. 1145-1151, v. 2 (Jornada de 1984); SOARES, Guido Fernando Silva. A eficácia das decisões judiciais em direito internacional privado. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, v. 12, n. 46, p. 209-220, out./dez. 1988 (Jornada de 1985).

[9] Há um completo estudo biográfico sobre Konrad Zweigert publicado em: DROBNIG, Ulrich. Konrad Zweigert (1911 - 1996). In. GRUNDMANN, Stefan; RIESENHUBER, Karl (Hrsg). Deutschsprachige Zivilrechtslehrer des 20. Jahrhunderts in Berichten ihrer Schüler. Eine Ideengeschichte in Einzeldarstellungen. Berlin: De Gruyter, 2007. v.1 p. 90 e ss.

[10] ZWEIGERT, Konrad; KÖTZ, Hein. Einführung in die Rechtsvergleichung. 3. Auflage. Tübingen: Mohr Siebeck, 1996.

[11] ZWEIGERT, Konrad; KÖTZ, Hein. Introduction to Comparative Law. Tradução de Tony Weir. 2. ed., rev. Oxford: Claredon Press, 1992.

[12] ZIMMERMANN, Reinhard. The law of obligations: Roman foundations of the civilian tradition. Oxford: Oxford University Press, 1999.

[13] ZIMMERMANN, Reinhard. The new German law of obligations: Historical and comparative perspectives. Oxford: Oxford University Press, 2005.

[14] Para maiores detalhes sobre esse tema, sugere-se a leitura de: A influência do BGB e da doutrina alemã no Direito Civil brasileiro do século XX. Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, v. 938, p. 79-155, dez. 2013. Disponível em: http://www.direitocontemporaneo.com/wp-content/uploads/2014/01/A-Influ%C3%AAncia-do-BGB-e-da-Doutrina-Alem%C3%A3-no-Direito-Civil-Brasileiro-do-S%C3%A9culo-XX.pdf

 

Otavio Luiz Rodrigues Junior é advogado da União, professor doutor de Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e doutor em Direito Civil (USP), com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

 

 

Cláusula penal no novo Código Comercial

Valor Econômico, 06/03/2014 - 05:00

Por Alex Vasconcellos Prisco

Seguem em frente os trabalhos no Senado Federal para a aprovação de um novo Código Comercial, tendo sido definida a composição da comissão de senadores que examinará o PLS nº 487/2013, projeto legislativo concebido por um grupo de juristas presidido pelo ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O tema é polêmico na comunidade jurídica nacional, ainda enredada na querela sobre a necessidade ou não da própria existência de uma codificação dos negócios empresariais. As discussões se acirram quando a pauta é o sentido e alcance que uma eventual lei como essa deveria ter em nosso sistema de direito empresarial, já acostumado a funcionar relativamente bem em meio a inúmeras leis gerais e específicas de variadas épocas. Sem querer entrar no mérito dessa questão, o certo é que o novo Código Comercial está declaradamente na lista de prioridades do Senado para este ano. Logo, é hora de encarar essa realidade e avançar nos debates tendentes ao aperfeiçoamento da proposta legislativa.

Com isso em mente, será feita a seguir uma breve análise da cláusula penal no PLS 487/2013, que a ela dedicou só três artigos (393 a 395). Pela avareza da proposta legislativa, denota-se facilmente que a intenção não foi criar um regime completo e diferenciado da pena convencional no contrato empresarial - o que não seria má ideia. Embora o projeto até acene com novidades pontuais interessantes, ele mantém as bases dogmáticas do Código Civil, que assim continuará aplicável a uma série de questões relacionadas às penas contratuais firmadas entre empresários.

Comecemos, então, pelo artigo 393 do Código Comercial projetado: "É devida indenização por perdas e danos, ainda que estipulada cláusula penal". Esse artigo é complementado pelo dispositivo seguinte, onde está prevista indenização integral dos prejuízos resultantes da mora, englobando danos emergentes e lucros cessantes. O conjunto normativo parece refletir a jurisprudência sedimentada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que admite que a pena moratória possa ser exigida juntamente com os danos oriundos do cumprimento imperfeito da obrigação. Segundo REsp 968.091/DF, a cumulação é possível pois a cláusula penal moratória não compensa o inadimplemento, sendo somente uma punição ao devedor moroso.

Apesar da omissão quanto à natureza da cláusula penal, é intuitivo que o art. 393 do projeto de Código Comercial não pode incidir no caso de pena compensatória, que funciona justamente como liquidação antecipada das perdas e danos, evitando as delongas e carestias do procedimento de apuração detalhada dos prejuízos. Portanto, permitir o acúmulo de indenização completa com a cláusula penal compensatória, além de retirar toda a praticidade dessa pena, redundaria em duplicidade indevida de valores, geradora de enriquecimento sem causa do credor.

Frise-se que o problema de irrisão da compensação clausulada frente às lesões efetivas seguirá sendo solucionado mediante previsão das partes de "indenização suplementar", hipótese na qual a penalidade valerá como reparação mínima, competindo ao credor provar o prejuízo excedente. (Código Civil, art. 416, § único). Falando nisso, seria conveniente se o projeto incorporasse o enunciado nº 430 da V Jornada de Direito Civil, pelo qual "No contrato de adesão, o prejuízo comprovado do aderente que exceder ao previsto na cláusula penal compensatória poderá ser exigido pelo credor independentemente de convenção".

O projeto de Código Comercial inova ao instituir como regra a ausência de limites quantitativos à cláusula penal, cujo valor poderá ser livremente pactuado entre as partes, ressalvada a intervenção judicial para reduzir a pena, sempre que essa se mostrar excessiva à vista da extensão do inadimplemento (art. 395). A exceção é o contrato envolvendo microempresários e empresários de pequeno porte, contra os quais não se poderá convencionar penalidade acima de 10% do valor inadimplido.

A proposta é positiva. Confere maior autorregulação aos contratantes empresários ao mesmo tempo em que, atenta a desequilíbrios de uma relação negocial nem sempre paritária, garante o controle judicial de proporcionalidade da pena, de modo a coibir abusos e melhorar o ambiente de negócios.

A dificuldade, contudo, reside de novo no silêncio do texto quanto ao tipo de cláusula penal tratado. Nada obstante, nos parece que a regra da ausência de limitação pode ser aplicada indistintamente às cláusulas penais moratórias e compensatórias ajustadas no âmbito do contrato empresarial.

Nessa seara, a abolição de limites predispostos em lei é de especial utilidade à pena compensatória, que entre nós não pode em princípio ultrapassar o valor da obrigação principal. Ocorre que muitas vezes a indenização pelo montante do contrato não indeniza satisfatoriamente o contratante lesado pelo inadimplemento absoluto. Razoável, assim, que se prestigie a autonomia privada dos empresários no ponto, estabelecendo a penalidade mais adequada aos seus interesses e em sintonia com a função social do contrato empresarial.

Alex Vasconcellos Prisco é mestre em direito econômico e desenvolvimento pela Universidade Candido Mendes (UCAM), LL.M em direto empresarial no Ibmec e sócio do escritório Prisco, Ottoni e Del Barrio Advogados

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