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segunda-feira, 8 de setembro de 2014

A proximidade de Rudolf Ihering com o darwinismo e a luta pelo Direito

7 de setembro de 2014, 08:00

Por Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

A proximidade com o darwinismo (e sua aplicação nas ciências sociais aplicadas) é muito nítida em Rudolf von Ihering, jurista alemão (1818-1892), especialmente como se lê em conferência publicada com o título de A Luta pela Direito- Der Kampf um’s Recht[1]. Porque “a luta pela existência é a lei suprema de toda a criação animada; manifesta-se em toda a criatura sob a forma de instinto de conservação”[2], é que a luta pela vida também se revela na luta pelo direito ameaçado ou usurpado.

Nesse sentido, a luta pela vida não se revela apenas em seus aspectos físicos e biológicos, é também condição de existência moral[3] dado que “é um dever de todo o homem para consigo combater por todos os meios de que disponha a desconsideração para com sua pessoa no desprezo de seu direito”[4].

À dor física (sinal de perturbação no organismo, da presença de uma influência inimiga[5]) acrescenta-se também uma dor moral, desconhecida por quem não tenha sofrido com golpes de ilegalidade, que “recorda o dever da própria conservação moral, como a dor física nos faz lembrar o dever de conservação física”[6].  Essa dor moral é sentida por tantos quantos sofrem injustiças; isto é, segundo Ihering, “aquele que por si ou por outrem nunca experimentou essa dor, não sabe o que é o direito, embora tenha de cabeça todos o corpus juris”[7]. Para Ihering, em relação à essa dor moral, “não é a experiência, nem a educação, mas o simples sentimento da dor (...) a dor é o grito de alarde e a chamada de socorro da natureza ameaçada (...) isso é verdade tanto para o organismo moral, como para o organismo físico”[8].

O estudo dessa dor moral, que o direito combate, é a substância de uma patologia do sentimento jurídico; o direito “é a condição da existência moral da pessoa; a defesa do direito constitui, portanto, a conservação moral da mesma”[9]. Consequentemente, para Ihering, “a dor que o homem experimenta, quanto é lesado no seu direito, contém o reconhecimento espontâneo, instintivo, e violentamente arrancado, do que é o seu direito, primeiro para ele, indivíduo, em seguida para a sociedade humana”[10]. Deve-se tirar proveito dessa dor, compreendendo-se o aviso que ela carrega, lutando-se contra o perigo, porquanto o conformismo é a negação do sentimento jurídico[11]. O direito tem como essência, assim, uma realização prática[12].

Prepondera, em todos os casos, um certo interesse, justificativo de sistemas protetivos relativamente mais fortes ou mais fracos. Por exemplo, segundo Ihering, nos estados teocráticos o sacrilégio é punido com a pena capital; nos estados agrícolas, penaliza-se mais intensamente o remanejamento de marcos e estacas demarcadoras da propriedade; nos estados mercantis, a falsificação de moedas; nos estados militares, a insubordinação a falta de disciplina; há necessidade de coragem, para se repelir aos ataques[13].

A defesa de direito próprio tem como consequência também a defesa do direito de toda a sociedade[14]; ao memo tempo em que injustiça não possam ser cometidas, deve-se lutar também para não sofrê-las[15]; de onde duas máximas: “nunca façais uma injustiça e nunca sofrais uma injustiça[16]”. Por isso, sustenta Ihering, “toda a gente tem a missão e a obrigação de esmagar em toda parte, onde ela se erga,a cabeça de hidra que se chama o arbítrio e a ilegalidade[17]. Por isso, “cada qual é um lutador nato, pelo direito, no interesse da sociedade”[18]. Ihering é intransigente defensor da libertação do homem, que só pode assim se considerar quanto mereça viver, o que se alcança quando se mostra vigilante e intransigente para com a defesa de seus direitos.

Segundo Sosa Wagner, em passo biográfico sobre Rudolf von Ihering, “ninguém que tenha mínima sensibilidade pode ficar indiferente ante o personagem de Ihering, uma explosão, um vulcão (...) capta, atrai, seduz. Sofreu na vida, pois perdeu as duas mulheres com as quais havia se casado e a um filho, porém foi amigo de seus amigos, inimigo de seus inimigos, conversador agudo e irônico, conhecedor dos grandes vinhos, gastrônomo, leitor de Shakespeare e, como não podia ser menos em tão grande personalidade, contraditória até o final de seus dias, em seus juízos, opiniões e atitudes”[19].

É essa figura, tão ímpar, que nos alertou que se deva “despertar nos espíritos essa disposição moral que deve constituir a força suprema do direito: a manifestação corajosa e firme do sentimento jurídico”[20]. Afinal, “àquele que não experimenta a irresistível necessidade de defender a sua pessoa e o justo direito, não temos que prestar auxílio e nenhum interesse tenho em o converter”[21]. Aquele que não luta por seus direitos, acusa Ihering, é o filisteu do direito[22]


[1] Entre as várias traduções que há para o português, destaco as versões de José Tavares Bastos (Porto: Livraria Chardron, 1810), também publicada no Brasil, Canoas: Livraria Vendramim, s.d., há também a de João Vasconcelos, São Paulo: Forense, 2006. A primeira edição da traudução de João Vasconcelos é de 1967.

[2] Ihering, Rudolf von, cit. p. 19.

[3] Cf. Ihering, Rudolf von, cit. loc. cit.

[4] Ihering, Rudolf von, cit. p. 21.

[5] Cf. Ihering, Rudolf von, cit. p. 26.

[6] Ihering, Rudolf von, cit. p. 27.

[7] Ihering, Rudolf von, cit. p. 39.

[8] Ihering, Rudolf von, cit. p. 38.

[9] Ihering, Rudolf von, cit. p. 39.

[10] Ihering, Rudolf von, cit. pp. 38-39.

[11] Cf. Ihering, Rudolf von, cit. p. 40.

[12] Cf. Ihering, Rudolf von, cit. p. 45.

[13] Ihering, Rudolf von, cit. p. 31.

[14] Cf. Ihering, Rudolf von, cit. p. 48.

[15] Cf. Ihering, Rudolf von, cit. p. 49.

[16] Cf. Ihering, Rudolf von, cit. loc. cit.

[17] Ihering, Rudolf von, cit. p. 50.

[18] Ihering, Rudolf von, cit. loc. cit.

[19] Sosa Wagner, Francisco, cit., p. 145. No original: “(...) nadie con una mínima sensibilidad puede quedar indiferente ante el personaje Jhering, una explosión, um volcán. Jhering capta, atrae, seduce. Sufrió en la vida, pues perdió a los dos mujeres com las que estuvo casado y a un hijo, pero fue amigo de sus amigos, enimigo de sus enimigos, conversador agudo e irônico, conocedor de los grandes vinos, gastrónomo, lector de Shakespeare y, como no podía ser menos em tan grande personalidad, contradictorio hasta el final de sus días, em sus juícios, em sus opiniones, em sus actitudes...”

[20] Ihering, Rudolf von, cit. p. VII.

[21] Ihering, Rudolf von, cit. p. VIII.

[22] Cf. Ihering, Rudolf von, cit. loc. cit. 

 Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy é livre-docente em Teoria Geral do Estado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, doutor e mestre em Filosofia do Direito e do Estado pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e pós-doutor em Teoria Literária pela Universidade de Brasília.

Revista Consultor Jurídico, 7 de setembro de 2014, 08:00

 

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