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quinta-feira, 14 de julho de 2011

Clóvis Beviláqua: o grande civilista da segunda metade do século XIX

Começamos essa série de biografias de notáveis juristas brasileiros com o mais importante da primeira metade do século XIX, Teixeira de Freitas. Na segunda metade desse mesmo século, o jurista de maior destaque no Brasil, sem dúvidas, é Clóvis Beviláqua. Reconhecido por ser o autor do Código Civil de 1916, Beviláqua dominava como poucos a arte das ciências jurídicas.
Nascido em Viçosa, no Ceará, em 4 de outubro de 1859, era filho de José Beviláqua, deputado provincial, e de Martiniana Aires Beviláqua. Inicia seus estudos na própria cidade natal, ingressando, em 1872, no então chamado Ateneu Cearense. Três anos depois, transfere-se para o Colégio Oficial de Fortaleza. No ano seguinte, com 17 anos, embarca para o Rio de Janeiro, onde prosseguiu seus estudos no Externato Gaspar e no antigo Mosteiro de São Bento. Em 1878, vai para o Recife, a fim de iniciar o estudo das ciências jurídicas na segunda mais antiga escola de direito do país. Durante o curso, funda e trabalha em diversos periódicos, atuando ativamente como jornalista e defendendo idéias republicanas. Em 1882, conclui o bacharelado em Direito, tendo sido escolhido orador da turma.
Em 1883, inicia a carreira no judiciário, sendo nomeado promotor público de Alcântara, no Maranhão. Após a proclamação da República, é eleito deputado para a Assembléia Constituinte pelo Ceará, sendo este o seu único cargo público eletivo, em toda sua longa carreira. Já casado com Amélia de Freitas, presta concurso para professor de Filosofia da Faculdade de Direito do Recife, depois de ter trabalhado como bibliotecário da mesma faculdade. Em 1891 torna-se titular da cátedra de Legislação Comparada, dando início a sua grande produção bibliográfica. Torna-se, ainda, membro-fundador da Academia Brasileira de Letras, ocupando a sua cadeira de número 14, desde 1897.
Clóvis Beviláqua já era conhecido nacionalmente em virtude da excelência e qualidade de sua obra. Suas publicações em direito civil e direito comparado [com destaque para: Teoria geral do direito civil (1890), Lições de legislação comparada sobre o direito privado (1893), Direito das Obrigações (1896) e Direito de família (1896)] mereciam respeito e admiração da comunidade jurídica da época. Tal consistência científica, além do grande conhecimento em direito estrangeiro, foram fundamentais para o evento que o tornou imortalizado para a história do direito brasileiro: em 1899, é convidado pelo então ministro da Justiça, e futuro Presidente da República, Epitácio Pessoa a elaborar o anteprojeto do Código Civil Brasileiro.
Após transferir-se para o Rio de Janeiro, em março de 1900, Beviláqua conclui em apenas seis meses os seus trabalhos, entregando oficialmente o seu Projeto de Código Civil para o Congresso Nacional em outubro de 1900. Não é de desconhecimento geral que o legislativo brasileiro demorou mais de quinze anos para aprová-lo, após inúmeras discussões e disputas, principalmente no tocante à redação do Código.
Em 1906, é nomeado pelo Barão do Rio Branco consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores, cargo que ocupou até 1934, quando foi aposentado compulsoriamente pela Constituição de 1934. Em 1920 passa a fazer parte do Comitê dos Juristas no Conselho da Sociedade das Nações. Concomitantemente, suas publicações jurídicas continuam bastante volumosas, principalmente no que resulta a sua principal obra, os Comentários ao Código Civil, em seis volumes.
Fato pitoresco ilustra seu afastamento da Academia Brasileira de Letras: em 1915, na sucessão de Sílvio Romero na cadeira 17 da ABL, elegeu-se Osório Duque-Estrada. A Academia designa Clóvis Beviláqua para recebê-lo, ignorando que o novo acadêmico, pouco antes da sua eleição, havia publicado uma nota violenta diminuindo os méritos literários de Amélia de Freitas Beviláqua, esposa do nosso maior legislador. Clóvis Beviláqua recusa-se a recebê-lo, não mais freqüentando Academia desde então, apesar de continuar sendo seu membro. Tal versão é mais plausível do que a mais propagada, de que o jurista deixou de freqüentar a Academia quando esta recusou o pedido de inscrição que fez sua esposa para concorrer à vaga de Alfredo Pujol, alegando que mulheres não podiam ser acadêmicas. Ou seja, seu afastamento já teria se dado antes desse lamentável episódio com a sua mulher.
Em 26 de julho de 1944, falece Clóvis Beviláqua, após mais de 60 anos dedicados ao estudo do direito.
Tratar da obra de Beviláqua é, mais especificamente, examinar o seu principal trabalho, ou seja, o Código Civil brasileiro de 1916, talvez a mais monumental tarefa que pode ser dada a um jurista. Escolhido em virtude de sua obra já publicada, Beviláqua era realmente dos mais capazes para esse trabalho hercúleo.
Sua formação na Escola do Recife reflete claramente no conteúdo do seu Código. Seus conhecimentos de direito estrangeiro permitiram que a obra estivesse em consonância com os recentes códigos feitos na Europa. Vale lembrar, ainda, que era titular de uma cátedra de Legislação Comparada em um tempo em que a ciência do direito comparado apenas engatinhava.
Ademais, sua admiração e seu conhecimento dos autores alemães, também típicos da Faculdade do Recife, levaram a tomar como modelo maior o BGB, o Código Civil alemão, então, recentemente promulgado. É por isso que nossa compra e venda, por exemplo, não gera automaticamente a transferência do direito de propriedade, mas apenas o dever de fazê-la, e também temos uma "Parte Geral" no Código, com regras e princípios aplicáveis para todo o direito civil. Tudo isso é criação da doutrina alemã do século XIX, mentora do Código Civil alemão.
Sem diminuir a importância da valorosa atuação de Ruy Barbosa, o então Senador que foi o grande responsável pelo extenso trabalho realizado no Congresso Nacional em cima do Projeto Beviláqua, cabe ressaltar que tais alterações apenas atingiram o redação do Código, pouco influenciando em seu conteúdo. São de Beviláqua os créditos de um Código que norteou o direito brasileiro por quase um século e ainda o faz, uma vez que o Código Civil de 2002 nada mais é do que uma atualização dele.

Alessandro Hirata, Jornal Carta Forense, segunda-feira, 4 de julho de 2011

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