Powered By Blogger

quinta-feira, 18 de agosto de 2011

Utopias sociais, pós-modernidade e o Exame da OAB


Utopias sociais, pós-modernidade e o Exame da OAB

Galo de Souza
Utopias sociais, pós-modernidade e o Exame da OAB:
a construção de um fracasso nacional.
Anderson Vichinkeski Teixeira
Publicado em www.estadodedireito.com.br

Doutor e Pós-Doutor em Direito pela Universidade de Florença/IT. Professor Adjunto da Universidade Luterana do Brasil, exercendo a função de Coordenador do Curso de Direito da Unidade Gravataí/RS. Advogado. Outros textos em: www.andersonteixeira.com

            As utopias sociais são idealizações coletivas em torno de um bem supostamente legítimo e universal. São projeções a partir de categorias conceituais que definem o que deve ser almejado por qualquer indivíduo que pretenda buscar sua própria felicidade. Embora não seja exclusividade da pós-modernidade, verifica-se que a velocidade frenética das sociedades complexas produz a multiplicação de utopias sociais, ainda que elas ofereçam bens dificilmente alcançáveis por qualquer um. Mas o que isso tem a ver com o Exame da OAB? Tudo.
            Não obstante o diploma de bacharel em Direito habilite para inúmeras profissões, ocorre que a inscrição na OAB é requisito básico para o exercício de muitas delas, sobretudo para as que possuem os salários mais altos. E aqui está o ponto central: busca-se nas carreiras jurídicas (públicas ou privadas), remunerações elevadas que poucos outros setores da economia podem oferecer e ainda o glamour de ser “juiz’, “promotor”, “advogado”, enfim, de ser chamado de “doutor”. A ideia de que para ter uma profissão glamourizada e com vencimentos brutos próximos dos vinte mil reais basta ser bacharel em Direito e obter a aprovação em concursos públicos é hoje uma das utopias sociais mais difundidas no país. O aluno-padrão ingressa no Direito sem ter vocação para escrita e leitura – nem vamos discutir a questão dos déficits formativos –, mas demonstra uma convicção cega de que a mera aprovação nas disciplinas e consequente titulação o levará a algum lugar similar às utopias sociais que nortearam a sua escolha pelo Direito. No entanto, uma considerável distância existe entre utopia e realidade.
            Antes de tudo, a aprovação no Exame da OAB é um passo fundamental. Todavia, os recentes resultados divulgados pela OAB demonstram que isso se transformou em algo inatingível para a imensa maioria dos bacharéis em Direito: dos 106.891 inscritos no Exame de 2010/3, somente 12% foram aprovados, caindo ainda para menos de 10%, caso sejam retiradas da média nacional as universidades públicas. Veja-se que 90 cursos não aprovaram ninguém. Recordo-me bem do “escândalo nacional”, amplamente midiatizado, quando, em 2005, menos de 30% dos candidatos haviam sido aprovados, pois até então não se havia chegado a médias nacionais tão baixas. Hoje a imprensa não fala mais em “escândalo”, mas sim em “fracasso do ensino jurídico” no Brasil. Porém, esse fracasso tem causas bem claras.
            A primeira delas é, certamente, a incrível proliferação de cursos de Direito ocorrida desde a década de 90. Em 1991, o Brasil contava com 165 cursos de Direito autorizados pelo MEC. Em 2003, já eram 704. Atualmente, são 1174 cursos em funcionamento, mas esse número ultrapassa os 1300 quando contabilizamos todos os que estão com pedidos de autorização junto ao MEC. Ou seja, em 20 anos o aumento foi de quase 700%. Não há índice que possa justificar uma demanda como essa por novos cursos. Todo o resto do mundo possui pouco mais de 1100 cursos autorizados nos seus respectivos países – mesmo incluindo a China e o seu recente aumento em número de cursos de Direito. Em suma, existe uma primeira causa que recai sobre as políticas públicas para o ensino jurídico e sobre as projeções que elas fizeram (ou não), uma vez que, segundo dados da OAB Federal, cerca de 4 milhões de bacharéis não estão inscritos na Ordem.
            Uma segunda causa concerne ao modo como o ensino jurídico tem sido tratado em termos de regulamentação. As constantes modificações de referenciais normativos, bem como a ausência de padrões mínimos de qualidade claramente definidos que perdurou até poucos anos atrás dificultava a definição desses padrões, deixando nas mãos das universidades amplo poder para definir o que é qualidade. No entanto, esse tema é demasiadamente profundo para ser aqui abordado en passant.
            A terceira causa não está no Estado, nem nas universidades, mas no aluno. A progressiva multiplicação dos cursos, somada às utopias sociais em torno da idealização das carreiras jurídicas, encontraram também na nova postura do acadêmico um suporte fundamental para que o Brasil pudesse chegar ao momento atual chamado de “fracasso do ensino jurídico”. A postura pró-ativa no sentido de pesquisa individual, debates em grupo e envolvimento com os problemas de maior relevo no mundo jurídico deve ser uma marca característica do acadêmico de Direito. Todavia, o aluno-padrão cada vez menos interage com tais problemas, cada vez menos questiona, cada vez menos se interessa pela pesquisa. Livros são artigos de exceção, pois apostilas de colegas se mostram suficientes para a aprovação nas disciplinas; participação em congressos e grupos de estudos ocorre somente na necessidade de preencher horas de atividades complementares; a pesquisa individual limita-se ao trabalho de conclusão de curso. O professor comprometido com o ensino é demonizado, enquanto que o professor-fanfarrão é idolatrado. Enfim, passa-se pela faculdade, mas pouco dela é incorporado. Somente após concluído o curso é que se percebe o tempo desperdiçado, surgindo, então, a necessidade desesperadora de aprender o que deveria ter sido aprendido na faculdade. A leitura e o estudo tornam-se obrigação, sob pena de ver que foi tudo em vão.
            Se, por um lado, as políticas governamentais e as universidades são responsáveis por grande parte desse dito fracasso do ensino juridico, por outro, as utopias sociais não são nada sem aqueles que creem nelas como formas de amenizar as dificuldades da vida e criar motivação na busca de um futuro melhor. Ao aluno é importante decidir se o Direito continuará sendo uma utopia ou uma realidade na sua vida.

Nenhum comentário:

Postar um comentário