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quinta-feira, 19 de setembro de 2013

Oscilações da jurisprudência do STJ: o caso do IR sobre os juros de mora


03/09/2013 por Andrei Pitten Velloso
Jornal Carta Forense de setembro de 2013

Na edição de novembro de 2011, publiquei artigo comentando a decisão que a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça havia proferido pouco antes, sob o rito dos recursos repetitivos, declarando, por apertada maioria, a ilegitimidade da tributação dos juros de mora, independentemente da natureza da verba principal. A ementa assim sintetizou o julgado: “Não incide imposto de renda sobre os juros moratórios legais em decorrência de sua natureza e função indenizatória ampla.” (REsp 1.227.133, julgado em 28/09/2011).

Essa decisão aparentava ser o ponto final de uma divergência jurisprudencial que perdurava há muito tempo no STJ, na medida em que uma Turma se orientava pela tese da acessoriedade (os juros de mora seriam intributáveis se o fosse o principal) enquanto a outra acolhia a tese do caráter indenizatório (pela qual os juros de mora seriam sempre intributáveis), que, como referido, prevaleceu no julgamento do REsp 1.227.133.

Com o julgamento sob o rito do art. 543-C do CPC, pelo órgão competente, não se vislumbrava razão alguma para se deixar de aplicar de imediato o precedente aos milhares de processos que estavam, há bastante tempo, sobrestados nos Tribunais Regionais e nas Turmas Recursais de origem aguardando a decisão do STJ. Tampouco se afigurava justificada a resistência da Procuradoria da Fazenda Nacional, que insistia em defender a tese vencida e recorrer das decisões que se limitavam a aplicar o leading case.

Na oportunidade, defendi que a decisão da 1ª Seção do STJ fosse acatada e aplicada por todos, haja vista que “submeter à rediscussão uma lide que se arrasta há anos e já foi resolvida de forma definitiva pela instância competente implicaria grave abalo à segurança jurídica e à garantia constitucional da razoável duração do processo, inscrita no art. 5º, LXXVIII, da Constituição da República. Essa fundamental garantia dos cidadãos não se dirige apenas aos integrantes do Poder Judiciário, mas também aos procuradores das partes, que têm de colaborar para a rápida solução dos conflitos, atentando para a sábia advertência de Rui Barbosa: `Mas justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. Porque a dilação ilegal nas mãos do julgador contraria o direito escrito das partes e, assim, as lesa no patrimônio, honra e liberdade´ (Oração aos Moços)”.

Porém, a controvérsia estava longe de terminar. A Procuradoria da Fazenda Nacional não se resignou com a decisão proferida na sistemática dos recursos repetitivos e, para a surpresa de todos aqueles que apostavam na estabilidade da jurisprudência do Tribunal da Cidadania, logrou revertê-la. Primeiramente, em sede de embargos de declaração, conseguiu limitar o alcance do julgado, restringindo a sua aplicação aos juros de mora correspondentes a verbas trabalhistas (objeto estrito do processo), de modo que a ementa passou a ter a seguinte redação: “Não incide imposto de renda sobre os juros moratórios legais vinculados a verbas trabalhistas reconhecidas em decisão judicial.” (EDcl no REsp 1.227.133, julgado em 23/11/2011). Após, obteve a almejada superação do leading case, com a prevalência do entendimento de que, em regra, é legítima a incidência do Imposto de Renda sobre os juros moratórios (REsp 1.089.720, de relatoria do Ministro Mauro Campbell, julgado em 10/10/2012).

Essa oscilação me recorda o célebre voto do banana boat, em que o Ministro Humberto Gomes de Barros denuncia, com humor ácido, a insegurança jurídica gerada pelas constantes reviravoltas na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça: “Nas praias de Turismo, pelo mundo afora, existe um brinquedo em que uma enorme bóia, cheia de pessoas é arrastada por uma lancha. A função do piloto dessa lancha é fazer derrubar as pessoas montadas no dorso da bóia. Para tanto, a lancha desloca-se em linha reta e, de repente, descreve curvas de quase noventa graus. O jogo só termina, quando todos os passageiros da bóia estão dentro do mar. Pois bem, o STJ parece ter assumido o papel do piloto dessa lancha. Nosso papel tem sido derrubar os jurisdicionados.” (REsp 382.736 AgRg).

De qualquer forma, assentada a nova orientação jurisprudencial, temos de compreendê-la e aplicá-la.

Pois bem, a Corte declarou que a regra é a incidência do Imposto de Renda sobre os juros de mora, a despeito da sua natureza indenizatória reconhecida pelo art. 16, parágrafo único, da Lei 4.506/1964. Os juros de mora constituiriamindenização por lucros cessantes, que, diversamente das indenizações devidas por danos emergentes e por danos extrapatrimoniais, podem sofrer a incidência do Imposto de Renda.

O STJ estabeleceu, no entanto, duas importantes exceções, atinentes aos juros de mora pagos no contexto da rescisão do contrato de trabalho e àqueles correlatos a verbas isentas ou indenizatórias. Estas passagens da ementa elucidam o posicionamento adotado: “Regra geral: incide o IRPF sobre os juros de mora, a teor do art. 16, caput e parágrafo único, da Lei n. 4.506/64, inclusive quando reconhecidos em reclamatórias trabalhistas, apesar de sua natureza indenizatória reconhecida pelo mesmo dispositivo legal [...] Primeira exceção: são isentos de IRPF os juros de mora quando pagos no contexto de despedida ou rescisão do contrato de trabalho, em reclamatórias trabalhistas ou não. Isto é, quando o trabalhador perde o emprego, os juros de mora incidentes sobre as verbas remuneratórias ou indenizatórias que lhe são pagas são isentos de imposto de renda [...] Segunda exceção: são isentos do imposto de renda os juros de mora incidentes sobre verba principal isenta ou fora do campo de incidência do IR, mesmo quando pagos fora do contexto de despedida ou rescisão do contrato de trabalho (circunstância em que não há perda do emprego), consoante a regra do `accessorium sequitur suum principale´”.

A primeira exceção, assentada na regra de isenção veiculada pelo art. 6º, V, da Lei 7.713/1988, tem sido objeto de aplicações díspares, em decorrência da divergência quanto ao seu alcance efetivo. A intributabilidade dos juros de mora pagos “no contexto de rescisão do contrato de trabalho” abrangeria todos os juros pagos em reclamatórias trabalhistas? Ou alcançaria apenas aqueles pagos a trabalhadores efetivamente demitidos, por ser uma verba devida pela “rescisão do contrato de trabalho”? Ou se aplicaria tão-só aos juros de mora correspondentes a verbas imediatamente decorrentes da rescisão laboral?

Pelo que se infere de uma leitura atenta do REsp 1.227.133 e dos julgados posteriores, a exceção diz respeito apenas aos juros de mora pagos a trabalhadores efetivamente demitidos. Portanto, se não tiver ocorrido a rescisão do contrato laboral, os juros de mora correlatos a verbas remuneratórias deverão sofrer a incidência do Imposto de Renda, mesmo que pagos no bojo de reclamatórias trabalhistas. Verificada a rescisão, os juros de mora passam a ser isentos, mesmo que a demissão tenha ocorrido no curso da própria ação tributária. O que importa para a aplicação da regra isentiva é a rescisão do contrato laboral, não a natureza dos juros moratórios.

Quanto à segunda exceção, não me parece viável tratar os juros moratórios como verbas autônomas para aplicar a regra isentiva e, ao mesmo tempo, como verbas acessórias para negar a incidência do Imposto de Renda quando o montante inadimplido seja intributável. Das duas, uma: ou os juros de mora são, para fins tributários, verbas autônomas, sendo tributados como tais, independentemente da natureza do principal, ou consubstanciam verbas acessórias, devendo seguir a sorte do principal. Tertium non datur.

Porém, melhor manter a atual orientação do que gerar outra “guinada” jurisprudencial, lançando ao mar todos aqueles que tentam se orientar pelo entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

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