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quinta-feira, 6 de março de 2014

Cláusula penal no novo Código Comercial

Valor Econômico, 06/03/2014 - 05:00

Por Alex Vasconcellos Prisco

Seguem em frente os trabalhos no Senado Federal para a aprovação de um novo Código Comercial, tendo sido definida a composição da comissão de senadores que examinará o PLS nº 487/2013, projeto legislativo concebido por um grupo de juristas presidido pelo ministro João Otávio de Noronha, do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

O tema é polêmico na comunidade jurídica nacional, ainda enredada na querela sobre a necessidade ou não da própria existência de uma codificação dos negócios empresariais. As discussões se acirram quando a pauta é o sentido e alcance que uma eventual lei como essa deveria ter em nosso sistema de direito empresarial, já acostumado a funcionar relativamente bem em meio a inúmeras leis gerais e específicas de variadas épocas. Sem querer entrar no mérito dessa questão, o certo é que o novo Código Comercial está declaradamente na lista de prioridades do Senado para este ano. Logo, é hora de encarar essa realidade e avançar nos debates tendentes ao aperfeiçoamento da proposta legislativa.

Com isso em mente, será feita a seguir uma breve análise da cláusula penal no PLS 487/2013, que a ela dedicou só três artigos (393 a 395). Pela avareza da proposta legislativa, denota-se facilmente que a intenção não foi criar um regime completo e diferenciado da pena convencional no contrato empresarial - o que não seria má ideia. Embora o projeto até acene com novidades pontuais interessantes, ele mantém as bases dogmáticas do Código Civil, que assim continuará aplicável a uma série de questões relacionadas às penas contratuais firmadas entre empresários.

Comecemos, então, pelo artigo 393 do Código Comercial projetado: "É devida indenização por perdas e danos, ainda que estipulada cláusula penal". Esse artigo é complementado pelo dispositivo seguinte, onde está prevista indenização integral dos prejuízos resultantes da mora, englobando danos emergentes e lucros cessantes. O conjunto normativo parece refletir a jurisprudência sedimentada no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que admite que a pena moratória possa ser exigida juntamente com os danos oriundos do cumprimento imperfeito da obrigação. Segundo REsp 968.091/DF, a cumulação é possível pois a cláusula penal moratória não compensa o inadimplemento, sendo somente uma punição ao devedor moroso.

Apesar da omissão quanto à natureza da cláusula penal, é intuitivo que o art. 393 do projeto de Código Comercial não pode incidir no caso de pena compensatória, que funciona justamente como liquidação antecipada das perdas e danos, evitando as delongas e carestias do procedimento de apuração detalhada dos prejuízos. Portanto, permitir o acúmulo de indenização completa com a cláusula penal compensatória, além de retirar toda a praticidade dessa pena, redundaria em duplicidade indevida de valores, geradora de enriquecimento sem causa do credor.

Frise-se que o problema de irrisão da compensação clausulada frente às lesões efetivas seguirá sendo solucionado mediante previsão das partes de "indenização suplementar", hipótese na qual a penalidade valerá como reparação mínima, competindo ao credor provar o prejuízo excedente. (Código Civil, art. 416, § único). Falando nisso, seria conveniente se o projeto incorporasse o enunciado nº 430 da V Jornada de Direito Civil, pelo qual "No contrato de adesão, o prejuízo comprovado do aderente que exceder ao previsto na cláusula penal compensatória poderá ser exigido pelo credor independentemente de convenção".

O projeto de Código Comercial inova ao instituir como regra a ausência de limites quantitativos à cláusula penal, cujo valor poderá ser livremente pactuado entre as partes, ressalvada a intervenção judicial para reduzir a pena, sempre que essa se mostrar excessiva à vista da extensão do inadimplemento (art. 395). A exceção é o contrato envolvendo microempresários e empresários de pequeno porte, contra os quais não se poderá convencionar penalidade acima de 10% do valor inadimplido.

A proposta é positiva. Confere maior autorregulação aos contratantes empresários ao mesmo tempo em que, atenta a desequilíbrios de uma relação negocial nem sempre paritária, garante o controle judicial de proporcionalidade da pena, de modo a coibir abusos e melhorar o ambiente de negócios.

A dificuldade, contudo, reside de novo no silêncio do texto quanto ao tipo de cláusula penal tratado. Nada obstante, nos parece que a regra da ausência de limitação pode ser aplicada indistintamente às cláusulas penais moratórias e compensatórias ajustadas no âmbito do contrato empresarial.

Nessa seara, a abolição de limites predispostos em lei é de especial utilidade à pena compensatória, que entre nós não pode em princípio ultrapassar o valor da obrigação principal. Ocorre que muitas vezes a indenização pelo montante do contrato não indeniza satisfatoriamente o contratante lesado pelo inadimplemento absoluto. Razoável, assim, que se prestigie a autonomia privada dos empresários no ponto, estabelecendo a penalidade mais adequada aos seus interesses e em sintonia com a função social do contrato empresarial.

Alex Vasconcellos Prisco é mestre em direito econômico e desenvolvimento pela Universidade Candido Mendes (UCAM), LL.M em direto empresarial no Ibmec e sócio do escritório Prisco, Ottoni e Del Barrio Advogados

Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso dessas informações

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