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segunda-feira, 17 de março de 2014

O QUE É O EQUILÍBRIO ECONÔMICO E FINANCEIRO DA CONCESSIONÁRIA ?

Por Letácio Jansen, em 13.3.2014 (vide www.letacio.com)

Ao que se sabe, o fundamento da decisão do Supremo Tribunal Federal, no caso da VARIG, teria sido a noção de equilíbrio econômico financeiro da concessão.

Essa noção ingressou no Direito Administrativo brasileiro, de forma deturpada, por obra do professor CAIO TÁCITO, que publicou, no Rio de Janeiro, em 1960, um pequeno trabalho mimeografado sobre o tema, de 126 páginas, denominado “O equilíbrio financeiro na Concessão de Serviço Público”.

Logo no inicio de seu trabalho, com base em LAUBADÈRE, o professor CAIO – que era consultor jurídico da Light  ( então uma empresa multinacional ) –   diz que a “doutrina francesa, haurida nos fundamentos da jurisprudência do Conselho de Estado, identifica na concessão de serviço público, como nos contratos administrativos em geral, “la clause capitale, expresse ou tacite, de l’equilibre financier ou équation financière du contrat”.

Afirma, sem seguida:

”Sempre, no entanto que, por ato próprio, da administração concedente, ou por outras causas gerais (sic), inclusive de ordem econômica, a estrutura financeira da concessão for substancialmente abalada, nasce para o concessionário a exigibilidade do direito ao reequilíbrio da economia do contrato, de modo a subsistir a equivalência entre as prestações, conforme a comum intenção das partes.”

Foi nessa frase “ ou por outras causas gerais” que o consultor jurídico da Light embutiu a inflação como suposta causa do rompimento do equilíbrio econômico financeiro da concessão. Escreve ele, com efeito, a propósito:

“A norma foi elaborada, com admirável precisão, na jurisprudência do Conselho de Estado, a partir do aresto de 21 de março de 1910 ( Compangnie Générale Française des Tramways) em que LÉON BLUM, como Comissário do Governo, lançou a famosa parêmia, ainda hoje de trânsito usual na doutrina, da equivalence honête entre as obrigações e direitos do concessionário ( …)  “O seu endereço originário  visou a compensar a admissão de outro princípio correlato, a que PEQUIGNOT crismou de “mutabilidade do contrato administrativo”por oposição  à imutabilidade dos contratos de direito privado.”

Essa observação – que não confirma, mas desmente o argumento do autor –  mostra que é a “mutabilidade” do contrato administrativo que dá lugar à compensação, privilégio que não se aplica aos contratos privados.

Em que consiste a mutabilidade desses contratos administrativos ? Quem responde é o próprio professor:

“Consiste em reconhecer a supremacia da Administração, quanto à faculdade de inovar, unilateralmente, as normas do serviço, adaptando as estipulações contratuais às novas necessidades e conveniências públicas.”

Nada a ver, portanto, com o preço do contrato, que está relacionado ao princípio “tarifas razoáveis” que, juntamente com “serviço adequado”, constitui a dicotomia essencial dos contratos de concessão. Para tentar ligar as coisas – puxando, como se diz popularmente, a sardinha para a sua brasa – o professor CAIO TÁCITO conjuga o principio do “equilíbrio econômico financeiro” com um outro diferente, o da imprevisão ( ou da cláusula rebus sic stantibus )  afirmando o seguinte:

“A velocidade do processo inflacionário aumenta, substancialmente, o custo da operação e conservação, onerando, de forma imprevista, a execução do serviço e, mais ainda, a sua expansão ou melhoramento. Quebra-se a equação financeira da concessão pelos sucessivos acréscimos de preços dos materiais e mão-de-obra, como pela espiral ascendente do mercado monetário  interno e externo.”

Foi esse o texto que inspirou, no Direito administrativo brasileiro, a aplicar, de forma  errônea, a noção de  equilíbrio econômico financeiro, ( que , como vimos, tem a ver com o objeto do contrato, e não com o seu valor que é sujeito ao princípio da “tarifa razoável”, que não foi invocado ).

É errado, repita-se,  afirmar que a a inflação – ou a desindexação – são causa do rompimento do equilíbrio econômico financeiro das concessões. O Poder concedente não provoca a inflação, ou promove a desindexação, para romper esse equilíbrio. O fato de a União Federal, coincidentemente, ser Poder concedente nos contratos de navegação aérea, não altera, em nada, essa inexistência de vínculo entre uma coisa e a outra. As demais entidades dos outros níveis da Federação – os Estados membros e os Municípios – são, também, poderes concedentes, e não tem qualquer competência para definir a indexação ou a desindexação, que são soluções jurídicas para enfrentar uma situação de fato: a inflação.

Chega-se, aqui, a um aspecto essencial: o congelamento das tarifas da VARIG, que teria rompido o equilíbrio econômico financeiro da concessão, foi totalmente legítimo.Mais do isso ele decorreu de um dever imposto às autoridades públicas, que editaram o Plano Cruzado, de 1986 ( do qual resultou o tabelamento de vários preços ) de zelar sobre a estabilidade da moeda e do sistema monetário. Quanto à inflação, ela foi causada por uma conjuntura, da qual fizeram parte tanto o setor público como o setor privado, e decorreu de questões políticas nacionais e internacionais, cuja responsabilidade não pode ser atribuída a “a” ou “b”, ainda mais para dar motivo a uma indenização escandalosamente elevada como a que foi imposta à União Federal.

A decisão do STF, apoiou-se, portanto,  num conceito deformado  de equilíbrio econômico financeiro da concessão. Ela, por outro lado,  é mais um capítulo da desmontagem do Plano Real, que está em curso, como vem sendo denunciado neste Blog, sem que o governo ou a oposição, infelizmente, façam nada.

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